A Comunicação Pública em risco no período Temer

ebc

Por Paulo Victor Melo*

Os avanços e previsões democráticas de quase três décadas sendo destruídos em pouco mais de um mês. Essa é a síntese que melhor caracteriza o período Michel Temer, que, por meio de um processo de impeachment sem base legal, assumiu interinamente a Presidência da República. Conquistas sociais inseridas na Constituição Federal de 1988, algumas materializadas e consolidadas nas décadas seguintes e outras ainda no fundamental estágio de implementação, têm sido ameaçadas por medidas de Temer que buscam, em última instância, reduzir a democracia brasileira.

Uma das áreas em que é possível verificar o que é, na essência, o período Temer é a Comunicação Pública. Fundamental em sociedades democráticas pela capacidade de expressar a diversidade informativa, pelo potencial de produzir e difundir conteúdos e olhares diferentes da mídia privado-comercial, pelo papel indutor da cultura nacional e pelo espaço protagonista da sociedade, a Comunicação Pública, um dos modelos de radiodifusão previstos no artigo 223 da Constituição, tem o seu principal espaço de expressão – a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – ameaçado.

Criada em 2007, a EBC tem constituído uma programação com pluralidade e mais representativa da população (é lá que está, por exemplo, o Estação Plural, primeiro programa dedicado exclusivamente a pautas relacionadas ao segmento LGBT da televisão aberta brasileira), tem levado informação a brasileiros e brasileiras ignorados pela mídia privada (as rádios Nacional da Amazônia e Nacional Alto Solimões, por exemplo, chegam a lugares que nenhuma emissora comercial alcança), tem garantido prêmios internacionais ao jornalismo brasileiro, tem ampliado o espaço para difusão da música e do cinema nacionais e tem possibilitado o compartilhamento de informação e conhecimento (a Agência Brasil e a Radioagência Nacional distribuem gratuitamente conteúdo para milhares de jornais, blogs e emissoras de rádio do país).

Com as tentativas de Temer, é tudo isso e mais – como veremos a seguir – que está em risco. Primeiro, sem qualquer constrangimento ético, Temer desrespeitou a legislação e exonerou o diretor-presidente Ricardo Melo. Vale lembrar que, como forma de garantir autonomia frente ao Governo Federal, a Lei 11.652 (de criação da EBC), estabelece que o mandato do diretor-presidente deve ser de quatro anos, não coincidentes com os mandatos do Presidente da República. Temer só não teve êxito porque uma decisão liminar do STF reconduziu Ricardo Melo ao cargo. Mas os ataques à EBC não cessaram.

Integrantes da gestão Temer se apressaram em ir à imprensa dar declarações como: “o governo não tem interesse em concorrer com a mídia privada” e “gastos supérfluos devem ser revistos”. O Ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, por exemplo, é defensor do fechamento da EBC e chegou a afirmar que, para isso, vai até “o limite de suas forças”.

Outra possível medida, que circulou pela imprensa, foi a extinção do Conselho Curador da empresa, órgão que garante participação social na fiscalização e monitoramento dos princípios e objetivos dos veículos da EBC. Vale frisar que a existência de mecanismos como o Conselho Curador é um pressuposto verificado em experiências de comunicação públicas em diversas democracias.

As constantes tentativas de Temer em interferir na autonomia da EBC têm preocupado não apenas instituições e grupos brasileiros. Órgãos internacionais como Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Organização das Nações Unidas (ONU) se posicionaram, caracterizando como “passos negativos” para a democracia as ingerências de Temer na EBC. “A iniciativa de desenvolver uma emissora pública nacional alternativa com status independente foi um esforço positivo para a promoção do pluralismo na mídia brasileira, em especial, considerando-se os problemas de concentração da propriedade dos meios de comunicação no país… O Brasil está passando por um período crítico e precisa garantir a preservação dos avanços que alcançou na promoção da liberdade de expressão e do acesso à informação pública ao longo das duas últimas décadas”, diz um trecho do documento publicado pelos dois organismos internacionais.

Tanto as investidas de Temer quanto publicações na imprensa comercial, a exemplo de editoriais e artigos em jornais impressos, têm se baseado numa ideia de que a TV Brasil, principal veículo de comunicação da EBC, é uma “TV traço”, em referência a uma suposta baixa audiência da emissora. O que as páginas dos jornais e os integrantes da gestão Temer escondem propositadamente é que as pesquisas de audiência da EBC via Ibope são verificadas em apenas seis cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Salvador e Recife). Ou seja, não inclui a audiência nos demais 5.564 municípios do território nacional nem dados sobre telespectadores da TV por assinatura, da antena parabólica ou dos que acompanham a TV Brasil por mídias móveis. O fato do conteúdo da TV Brasil ser veiculado por mais de 50 geradoras e 740 retransmissoras (próprias, associadas e parceiras) é também ignorado.

Mas não apenas isso é ignorado. Os defensores do desmonte da EBC escondem também que, de acordo com monitoramento feito pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), a TV Brasil foi a emissora que mais exibiu longas-metragens nacionais em 2015. Foram 120 filmes nacionais, enquanto a Globo reproduziu 87, a Record veiculou três, a Band um e o SBT nenhum.

É também na TV Brasil que os conteúdos educativos, as produções independentes e a programação feita fora do eixo Rio-São Paulo têm espaço na televisão brasileira. Vejamos:

– Enquanto as emissoras comerciais destinam cerca de 2,8% da grade de programação para programas educativos, a TV Brasil contempla 10,8% de seu conteúdo com essa categoria;

– Por meio do PRODAV TVs Públicas, gerido pela emissora pública, mais de 60 milhões de reais já foram destinados para a produção independente de todo o país;

– E de cada cinco horas de programação na TV Brasil, ao menos 1h30 é ocupada com conteúdos produzidos fora dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Frente a tudo isso, não restam dúvidas: a EBC – que foi fruto de décadas de mobilização social e popular e formulações acadêmicas em defesa da democratização das comunicações – representa a principal tentativa de mudança de perspectiva sobre a Comunicação Pública pelo Estado brasileiro, até então negligenciada ao longo da história e pelos diversos governos. Não que os poucos mais de sete anos de existência da EBC tenham conseguido superar toda a história de secundarização da mídia pública no país, afinal também os governos Lula e Dilma investiram pouco nos veículos que compõem a empresa pública, mas os ataques de Temer à EBC são justamente pelas qualidades e potencialidades – e não pelos problemas – que ela possui. Em outros termos, defender a ampliação da democracia brasileira significa defender mais autonomia e investimentos na EBC e não o seu sucateamento ou fechamento.

*Paulo Victor Melo, jornalista. Professor substituto do curso de Comunicação da UFAL. Mestre em Comunicação e Sociedade pela UFS. Doutorando em Comunicação e Política na UFBA. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Cepos (Comunicação, Economia Política e Sociedade) e do Centro de Comunicação, Cidadania e Democracia da UFBA.

A doce fantasia da neutralidade e a amarga criminalização do jornalismo

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Foto: Matheus Chaparrini

Por Eduardo Silveira de Menezes* (Sul 21)

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim à exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Há época, o ministro Gilmar Mendes, um conhecido “pizzaiolo tucano” – então presidente da Casa –, justificou seu voto contra a obrigatoriedade do diploma por meio de uma infeliz analogia. Sua alegação era de que, embora excelentes “chefes de cozinha” possam ser formados numa faculdade de culinária, tal aprendizado, por si só, não legitimaria a exigência de que toda refeição seja preparada por alguém com curso superior na área. Uma declaração bem ao gosto da maior parte dos grandes grupos de mídia, cujo discurso em defesa de uma suposta “isenção jornalística” corresponde, na verdade, à materialização cínica de suas ideologias.

A Folha de São Paulo, por exemplo, cuja linha editorial apresenta bastante afinidade com a de grupos de comunicação gaúchos como a RBS, não exige que seus jornalistas possuam formação na área. O principal requisito para ingressar nos “programas de treinamento” da empresa paulista é que o postulante à vaga tenha afinidade com o seu “projeto editorial” (sua posição política). Esta perspectiva, infelizmente, não destoa da lógica utilizada por muitos cursos de jornalismo durante o processo de formação, uma vez que a principal preocupação tem sido a de legitimar um perfil de profissional apto a obedecer regras; sem, de fato, compreender que o repórter só pode exercer com precisão sua tarefa de relatar os acontecimentos, quando não se limita a reportá-los apenas a partir das vozes oficiais.

Ponto de vista do cidadão

Todo jornalista possui referências. Cada acontecimento é narrado a partir de uma interpretação do mundo. Não é possível separar a atuação como repórter da atuação como ser humano. Jornalistas não são computadores, máquinas fotográficas ou teleprômpters. Como diz o teólogo Leonardo Boff, no livro A águia e a galinha, “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Aplicar esse fundamento ao jornalismo é essencial para compreender a sua essência. Aliás, esta é uma boa forma de evitar a doce fantasia de se escolher a profissão a partir do que é dito no verso de um achocolatado. Não existe “a” versão do fato. Existem, sim, versões de um mesmo fato. Cada notícia, por consequência, é uma das versões do fato levada ao conhecimento público. A possibilidade de acesso às diversas versões de um mesmo fato é o pressuposto básico de qualquer democracia, pois, conforme dizia o sociólogo Herbert de Souza – o Betinho –, “o termômetro que mede a democracia em uma sociedade é o mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação”.

Uma criminalização amarga

O lamentável episódio da desocupação da sede da Secretaria da Fazenda, na última quarta-feira, dia 15, que resultou na prisão do repórter Matheus Chaparini, do Jornal Já, evidencia o quanto alguns veículos da chamada grande mídia – e alguns dos seus dóceis jornalistas – tendem a materializar a ideologia por meio do cinismo. Essa definição pertence ao filósofo esloveno Slavoj Žižek. Para ele, a ilusão estaria na base do próprio fazer; o que, sem dúvida, se aplica ao fazer jornalístico. Nas palavras do autor, “eles sabem que, em sua atividade, estão seguindo uma ilusão, mas fazem-na assim mesmo”. Seguindo por essa linha de raciocínio, é possível dizer que todo jornalista incapaz de solidarizar-se com a prisão de Chaparini, na verdade, sabe que o seu entendimento sobre a prática profissional mascara uma forma particular de ver o mundo.

O repórter do Jornal Já estava exatamente onde todo jornalista deve estar quando se dispõe a cobrir um acontecimento; isto é, no local onde o fato ocorre. Estando no lugar certo, sua posição diante do fato tende a ser a que mais se aproxima da realidade, pois ele passa a ter a possibilidade de seguir um dos pressupostos básicos da profissão: ouvir todos os lados da história. Essa tomada de posição contribui para abandonar a ilusão de que, para reportar um acontecimento, basta ouvir as fontes legitimadas pelo poder constituído. Notícias cuja principal informação diz respeito ao número de pessoas detidas não se constituem como as únicas versões possíveis de reportar o fato.

A luta dos estudantes gaúchos por uma educação de qualidade não pode ser tratada em sua complexidade apenas com a descrição do local, do dia, do horário e do número de pessoas presentes na ocupação. A problematização sobre a forma como o governo tem lidado com essa questão não pode ser silenciada. O questionamento sobre a necessidade da presença de policiais militares mulheres para a retirada das estudantes presentes na ocupação não pode ficar sem resposta. Quem acha que essas reflexões – que resultam do ponto de vista de Chaparini diante do acontecimento – são menos importantes do que o número de pessoas retiradas do local, não está comprometido em fazer jornalismo; limita-se a cumprir o papel de relações públicas, não oficial, do governador do estado, José Ivo Sartori (PMDB).

Muitos colegas de profissão – acredito que a maioria – foram solidários ao repórter do Jornal Já. Não é todo dia que somos surpreendidos com a notícia de que um trabalhador, no exercício da sua profissão, é levado ao Presídio Central e, posteriormente, passa a responder por crimes como: corrupção de menores, organização criminosa, esbulho possessório (apropriar-se de imóvel público) e dano ao patrimônio público. O Jornalista é, antes de tudo, um cidadão. Os jornalistas que criticam a atitude do repórter estão empastelados. Acostumaram-se a perder o raciocínio com a mesma velocidade que devoram um achocolatado, pois não fogem ao pensamento infantil de uma “neutralidade possível”. Toda objetividade pressupõe, como bem pontuou o saudoso Adelmo Genro Filho, uma produção humana, que, por sua vez, convive com a subjetividade o tempo todo.

É preciso, portanto, ter coragem intelectual para superar a estreita visão positivista, predominante no século XIX, de que a notícia é o puro reflexo de uma realidade inquestionável. Foi a partir dessa época, aliás, que o jornalismo característico dos dois séculos anteriores, com posicionamento político assumido, passou a dar lugar a um oportunista “jornalismo de informação”. O principal argumento para a mudança de paradigma esteve alicerçado na defesa da separação entre “fatos” e “opiniões”. Uma divisão meramente categórica, que, em verdade, obedece a critérios subjetivos. Tal mudança foi marcada pela expansão da imprensa e pela consequente transformação da notícia em mercadoria. Interpretar o mundo sob este prisma, nos dias de hoje, é, por si só, uma prova de que não se pode olhar para os fatos sem evidenciar um ponto de vista ideológico. Como diria Cláudio Abramo, “a ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista”. Para melhor compreender os dilemas dessa tão nobre profissão, nos dias de hoje, basta parafraseá-lo; afinal, se for amargo para quem exerce a cidadania lutando por melhorias na educação, será amargo para quem ainda não desistiu de fazer jornalismo.

* Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciência da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Letras pela UCPel. E-mail: dudumenezes@gmail.com

O papel da comunicação pública na crise política brasileira

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Para funcionar como contraponto à cobertura da mídia comercial, EBC tem levantado a bandeira anti-impeachment e aberto mão do equilíbrio jornalístico

Por Mariana Martins* (Blog do Intervozes – Carta Capital)

A repercussão da linha editorial da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), assumida desde o início da crise política e aprofundada na última semana, tem gerado satisfação por parte da direção da empresa, da diretoria executiva ao Palácio do Planalto.

Os recorrentes programas com apoiadores do governo como entrevistados vêm sendo compartilhados pelos partidários da bandeira “contra o golpe”. A EBC está sendo vista como o “contraponto” à Globo neste processo de noticiamento espetacularizado – que eu não ouso chamar jornalismo. Nas redes sociais, tem sido citada como refúgio para os que são contra o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e buscam alguma diversidade na cobertura televisiva.

É fato que a emissora tem acertado ao buscar aprofundar a análise sobre os fatos, por meio de discussões, em estúdio, sobre as falas dos parlamentares, os protestos nas ruas, a crise e suas diversas repercussões. No entanto, a TV ainda está distante de garantir equilíbrio e diversidade de opiniões e informações, elementos fundamentais da comunicação pública.

Um exemplo ocorreu no último domingo (17), durante a fala do relator do processo de impeachment, na abertura dos trabalhos na Câmara dos Deputados. A TV Brasil cortou as transmissões para os comentaristas que defendem abertamente os argumentos do governofalarem. Até as cores escolhidas por comentaristas e apresentadores para vestir no domingo foram consideradas. Na bancada, o jornalista Paulo Moreira Leite, em sua defesa do governo, abriu pouco espaço para o diálogo, mesmo que crítico, com outras posições.

No dia 31 de março, dia nacional de protestos contra o impeachment, a EBC fez plantão ao vivo do seu jornal, que durou aproximadamente o dobro do tempo do plantão feito no dia dos protestos favoráveis ao afastamento de Dilma. As manifestações retratadas, na imensa maioria das vezes, foram acompanhadas de juízo de valor positivo. Por outro lado, quando mostrava o lado pró-impeachment, a emissora limitou-se a exibir imagens. As capas da Agência Brasil também têm sido recorrentemente mais favoráveis ao governo.

Ligados direta ou indiretamente ao governo ou à defesa dele, os principais comentaristas e entrevistados da TV Brasil seguem a mesma linha. Quando o lado contrário é ouvido –como ocorreu quando o jurista Hélio Bicudo participou do programa Espaço Público – o apresentador Paulo Moreira Leite assumiu uma postura de defensor do governo, perdendo a condição original de entrevistador e assumindo uma posição de opositor do convidado.

Comunicação do Palácio do Planalto

Os exemplos, infelizmente, não se resumem a esses. O desequilíbrio na cobertura dos veículos da EBC ocorre neste momento e seguirá ocorrendo se o papel da comunicação pública e de sua autonomia frente ao governo não for resgatado. O grande perigo que a EBC corre é cair no conto do público carente.

É inegável que a mídia comercial brasileira tem lado, descaradamente. É inegável que esta mesma mídia está atrelada ao que há de mais conservador na política nacional e que os grupos privados não apenas reportam mas orquestram o que se configura como um golpe na nossa recente democracia.Também é inegável que o país está órfão de uma comunicação minimante equilibrada. Temos uma carência de jornalismo diverso e equilibrado. Mas este não pode ser confundido com um jornalismo partidário, cuja tarefa já vem sendo cumprida por um conjunto de veículos que não só podem como devem assumir seus lados. Esse não é, no entanto, o papel da comunicação pública.

A comunicação pública não pode se contentar em ganhar audiência baseada no partidarismo ou no jornalismo tendencioso e unilateral, tentando ser o outro lado da mídia privada e conquistar um público carente a partir de uma visão unilateral. O desafio é conquistar sim o público com várias visões, pretensiosamente com todas as visões. A cartilha unilateral da mídia privada não merece ser sequer contraposta, porque, simplesmente, não é jornalismo, não tem como foco a cidadania, a democracia e outros valores tão caros à construção de um Estado Democrático de Direito.

A segmentação pelo político-partidarismo de visão unilateral tem vida curta, muito curta. A mão que afaga hoje poderá ser a mão que apedrejará amanhã, porque dificilmente o Brasil prescindirá de uma alternância de poder. Pior, estamos, nesse processo, mais uma vez ameaçados pela ascensão de um governo não eleito, autoritário.

O perigo de deixar a comunicação pública ao sabor do governo nunca foi tão grave. Logo, se a opção do atual governo, mais precisamente do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, e dos seus indicados para direção da EBC for por umacomunicação ditada pelo Palácio do Planalto, não fará sentido a existência e a manutenção de uma empresa pública de comunicação. Os veículos governamentais – felizmente – existem para cumprir essa função.

Se, ao contrário de se contentar com a audiência carente, que vê refletir na crise política do Brasil a crise do jornalismo nacional, a comunicação pública aprofundar os princípios básicos do jornalismo – como é a sua missão –, obterá não apenas um resultado melhor, mas mais duradouro. A audiência na comunicação pública é, logicamente, desejável. Não há razão de existir sem ela. Mas o diferencial da comunicação que se pretende pública é sobreviver ao seguinte dilema: não viver sem audiência, sem que tenha que viver para ela.

A comunicação pública precisa buscar a sua essência e encontrará toda audiência que busca conteúdo qualitativo, seja no jornalismo, seja na programação de uma forma geral. Ao contrário do que a direção da EBC defende em seu plano de trabalho – no melhor modelo endomarketing de empresas que elaboram planejamentos estratégicos homogêneos –, que é buscar ser “referência”, é preciso voltar à essência.

A EBC deve buscar, como todo veículo de comunicação, ser crível. Referência é uma palavra extremamente vaga. Ser referência de quê, para quem? Ser referência não pode ser o projeto em si. Ser referência prescinde um projeto, e o projeto a ser perseguido pela comunicação pública é baseado na credibilidade, e não na referência. Só a credibilidade fará a comunicação pública conquistar uma audiência duradoura e fiel.

Por fim, credibilidade não se constrói correndo atrás de cliques e compartilhamentos nas redes sociais. A credibilidade se constrói com honestidade, transparência, diversidade, pluralidade, equilíbrio, inovação, foco em cidadãs e cidadãos, trazendo para o conteúdo e para as suas práticas o que é essencial para a construção da própria democracia. Pois a comunicação é parte fundamental da democracia. Ela reflete e é refletida neste contexto.

Portanto, a receita para que a comunicação seja pública é a mesma usada para que um Estado seja democrático: aprofundamento da participação social e dos princípios democráticos em todas as esferas.

*Mariana Martins é jornalista, doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Intervozes.

Elementos para identificar o lugar do rádio no vale do São Francisco alagoano

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Por Bruno Silva dos Santos*

O vale do São Francisco alagoano é uma região formada por 50 municípios incluídos, em quase sua totalidade, no semiárido brasileiro, segundo estudos e definição da Companhia dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) (CODEVASF, 2012). Sua população em 2011, segundo dados da Codevasf, apoiados em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era de 1.227.531 milhões habitantes distribuída nos cinquenta municípios da região. O mapa abaixo traz uma representação dos municípios do vale do São Francisco alagoano (CODEVASF, 2012).

Desde o ano de 2014, a Assessoria Regional de Comunicação e Promoção Institucional da Codevasf em Alagoas realiza um estudo para mapeamento das emissoras de rádio e dos portais de notícia e blogs de opinião localizados nos 50 municípios do Vale do São Francisco alagoano.

O que se propõe é fazer um balanço crítico da realidade da radiodifusão sonora e do surgimento dos veículos digitais de informação nessa região, buscando entender os principais problemas das industriais culturais e suas implicações no acesso à informação das populações desses municípios e na promoção da democratização da comunicação.

Os resultados preliminares do presente estudo apontam a existência de 57 emissoras de rádio prestando os serviços de radiodifusão sonora FM, AM e RadCom em 30 municípios dos 50 que compõem o Vale do São Francisco alagoano. Dessas, cerca de 58%, ou seja 33 emissoras, atuam no serviço de RadCom, enquanto 30% transmitem em FM – 17 emissoras – e 7 que operam em AM, representando cerca de 12% do total de rádios identificadas.

Dos 30 municípios com serviço de radiodifusão sonora, 22 possuem apenas uma emissora, sendo que em 21 desses municípios o serviço prestado é o de RadCom, contra apenas uma com o serviço AM.

Cabe destacar que, o que pode representar um avanço no acesso à informação com um número superior de emissoras comunitárias na comparação com as emissoras comerciais, na verdade encobre uma limitação formal ao exercício do direito à comunicação, já que a formatação legal dada às rádios comunitárias no Brasil limitou seu raio de alcance a um quilometro, o que não cobre nem uma parte significativa do município, quanto mais toda sua extensão. Assim, 22 RadComs não possuem a força de alcance de 17 FMs ou 7 AMs.

A identificação que apenas oito municípios – Arapiraca, Palmeira dos Índios, Penedo, Delmiro Gouveia, Santana do Ipanema, Major Isidoro, Porto Real do Colégio e Teotonio Vilela – possuem mais de uma emissora de rádio prestando, pelo menos, dois dos três serviços de radiodifusão sonora identificados na região (RadCom, FM e AM) aponta um indicio de concentração de veículos de comunicação nessas localidades.

Esse indício ganha força quando identificamos que 20 dos 50 municípios do vale do São Francisco alagoano não possuem quaisquer serviços de radiodifusão sonora. Isso significa que, em 40% dos municípios da região estudada, a população não possui acesso a informações locais e comunitárias de sua própria comunidade por meio do mais tradicional veiculo de comunicação na região, pelo menos não de forma privilegiada e com atenção especial às demandas locais.

Essa concentração de veículos em oito municípios da região pode ser explicada, em parte, pela centralização do desenvolvimento socioeconômico regional em cinco municípios que estão entre os maiores Produto Interno Bruto (PIB) municipal do vale do São Francisco alagoano – 2.173.811, 465.494, 396.273, 359.471 e 238.193, respectivamente Arapiraca, Palmeira dos Índios, Penedo, Delmiro Gouveia e Santana do Ipanema –, entre os maiores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 0,649, 0,638, 0,630, 0,612 e 0,591 respectivamente – e entre as maiores populações dos municípios do vale do São Francisco alagoano – 216.108, 70.556, 60.638, 48.493 e 45.197, respectivamente (CODEVASF, 2012).

Não é coincidência que o município com maior PIB municipal, com o mais elevado IDH e que reúne a mais numerosa população dos 50 municípios analisados – Arapiraca – concentre também o maior número de emissoras FM – 05 rádios FM – e AM – 02 rádios AM.

Outro dado encontrado pelo mapeamento indica a penetração no vale do São Francisco alagoano dos dois maiores grupos de mídia identificados na pesquisa “Os Grupos de Mídia e a Economia Política da Comunicação em Alagoas” – Organização Arnon de Mello (OAM) e Pajuçara Sistema de Comunicação (PSCOM). (SANTOS et al., 2008).

A OAM possui na região duas emissoras de rádio prestando o serviço FM, em Arapiraca, e AM, em Pão de Açúcar, sendo essa última uma das poucas emissoras a prestar o serviço em Ondas Médias na região.

Já o PSCOM também estendeu seus negócios para essa região com o funcionamento de uma rádio FM no município de Arapiraca.

Novamente o mais populoso, com maior desenvolvimento humano e mais rico município do vale do São Francisco alagoano é palco de mais um fenômeno marcante das indústrias culturais no capitalismo monopolista com a expansão dos negócios para além da região geográfica de origem. Com isso, podemos apontar Arapiraca como o centro difusor das indústrias culturais no vale do São Francisco alagoano.

Os resultados preliminares também ratificam uma das tendências apontadas por Thompson (2011) quanto aos grupos de mídia, a concentração, já que os veículos da região estão concentrados em poucos grupos em um reduzido número de municípios.

De um lado temos oito municípios concentrando 61,4% das emissoras, ou seja 35 de 57 rádios AM, FM e RadCom. Em outro extremo, vinte municípios não possuem serviço de radiodifusão sonora, comprometendo o acesso da população a informações locais e comunitárias.

Sobre o lugar do rádio no conjunto das indústrias culturais, Ferraretto (2009, p. 94) nos traz alguns esclarecimentos:

Considera-se, deste modo, a indústria de radiodifusão sonora como um setor econômico específico do qual fazem parte as empresas que recebem outorgas do Estado para operação de emissoras voltadas, de modo prioritário, à obtenção do lucro e, por extensão, à acumulação de capital. A sua sobrevivência, ao longo do tempo, dá-se pela constante adaptação às alterações introduzidas por novos meios no mercado, o que ocorre em dois planos: como ente empresarial e como produtor de conteúdo.

Para reforçar a definição que adotamos sobre o lugar do rádio nas indústrias culturais hoje, temos a valiosa contribuição de Bolaño (2012, p. 4-5) em suas considerações sobre a economia política do rádio no Brasil:

As diferentes indústrias culturais e da comunicação encontram-se sujeitas a três forças, que exigem cada uma delas, o cumprimento de uma função: publicidade, propaganda, programa. O rádio e a TV podem ser tomados como paradigmas desse modelo […].

A função propaganda está ligada aos interesses do Estado e, no caso do rádio, teve no governo Vargas o seu momento paradigmático […]. A função publicidade é precisamente aquela vinculada ao processo de acumulação do capital monopolista.

O cumprimento de ambas as funções que deverão necessariamente realizar-se no nível do conjunto da Indústria Cultural […] exige uma inserção social, que defini como função programa, mas que se refere essencialmente à exigência que se faz a qualquer indústria cultural de atender a necessidades de reprodução simbólica do mundo da vida dos homens e mulheres que compõem aquele público consumidor de cultura, transformado, assim, em audiência. É a venda da mercadoria audiência que permite o financiamento das empresas que concorrem no mercado de cultura de onda.

Então pela junção dessas três forças – propaganda, publicidade e programa -, o rádio continua a ocupar um espaço privilegiado no conjunto das industriais culturais ao fazer a mediação entre capital, Estado e as massas.

O formato atual das rádios comunitárias no Brasil, com raio de alcance de até um quilometro e vedação ao financiamento por meio de comercialização de espaços publicitários e à formação de redes que ampliem o alcance da emissora, não consegue dar conta das demandas por comunicação mediática das populações desses municípios. Isso tem levando alguns radiodifusores comunitários a investir na ampliação, de forma ilegal, do raio de alcance da RadCom, o que tem resultado na criminalização desses atores da comunicação e o fechamento de importantes espaços simbólicos de mediação.

Em outra ponta, os radiodifusores comerciais ou empresariais concentram seus negócios em microrregiões nas quais identificam maior possibilidade de ampliação de suas taxas de lucro. Assim, estendem sua atuação para o circulo de municípios com maior nível de desenvolvimento regional.

Os estudos para mapeamento das rádios, blogs e portais de notícia ainda está em execução. Consequentemente as análises dos dados também estão em processamento, mas já indicam um distanciamento entre a realidade de comunicação mediática por rádio entre os municípios pólos e aqueles que gravitam em seu entorno. Esse parece ser o lugar do rádio hoje no vale do São Francisco alagoano.

REFERÊNCIAS

BOLAÑO, César R. S. Considerações sobre a economia política do rádio no Brasil. Eptic – Revista de Economía Politica de las Tecnologias de la Información y de la Comunicación. Aracaju, SE, v. XIV, n. 2, maio-ago. 2012. Disponível em:

< http://www.seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/417/331

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Sistema de Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (SISCOM). Disponível em: <http://sistemas.anatel.gov.br/siscom/>. Acesso em: 11 abr. 2015.

BRASIL. Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. Aprova a Metodologia de Divisão Político-Administrativa da Área de Atuação da Codevasf, bem como a relação dos municípios integrantes da área de atuação da Codevasf, resultante da aferição dos limites geográficos das bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Parnaíba, Itapecuru e Mearim. Resolução n. 702, de 25 de setembro de 2012. Brasília, DF.

FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio e capitalismo no Brasil: uma abordagem histórica. IN HAUSSEN, Doris Fagundes; BRITTOS, Valério Cruz. (Org.). Economia política, comunicação e cultura: aportes teóricos e temas emergentes na agenda política brasileira. Porto Alegre; Editora da PUCRS, 2009. P. 93-112.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação de conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.

SANTOS, Anderson Gomes et al. Os Grupo de mídia e a economia política da comunicação em Alagoas. In: Semana Internacional de Estudos Midiáticos, 1., 2008, Maceió. Anais daSemana Internacional de Estudos Midiáticos. Maceió, AL: Ufal, 2008.

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

* Jornalista da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Especialista em Gestão e Controle Social de Políticas Públicas e Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa Comunicação, Política e Sociedade (CEPOS/OBSCOM). E-mail: bruno.silva@codevasf.gov.br.

2016 de debates, desafios e enfrentamentos

colunacepos

Por Anderson David Gomes dos Santos*

Talvez a principal coisa que me levou a optar pela Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC) como base teórico-metodológica para estudos é a possibilidade de análise crítica da sociedade, destacando a importância das indústrias culturais e da cultura nela, de maneira a poder pensar, propor e de alguma forma participar na construção de políticas públicas realmente inclusivas e de transformações sociais radicais.

Trato disto porque neste texto tenho a missão, enquanto responsável pela Coluna CEPOS nesta fase aqui no Portal EPTIC, de mostrar o que pode nos aguardar enquanto pesquisadores da EPC e sujeitos preocupados em uma formatação coletiva de uma sociedade justa, livre e igualitária.

Olhando o que foi publicado neste espaço no ano passado, temos algumas problemáticas mais gerais, que dão força ao perfil do subcampo comentado nos parágrafos anteriores: políticas públicas de cultura, democratização da comunicação, necessidade de pluralidade de vozes nos meios informativos, políticas de educomunicação, diversidade cultural, trabalho cultural, representatividade popular, etc.

Análises que tiveram como objetos: o cinema em países periféricos, museus sergipanos, a concorrência na TV por assinatura em Moçambique, o jornalismo econômico, as TVs universitárias argentinas e brasileiras, os megaeventos esportivos, a judicialização do jornalismo brasileiro, a pauta da democratização no governo brasileiro, a representação dos negros na TV, problematizações sobre o Esquenta!, dentre tantos outros.

Tanto nas problemáticas gerais quanto nos temas mais específicos, a preocupação em trazer para análise objetos do cotidiano, que conformam as pesquisas dos investigadores que fazem parte do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS (UFS), e tomam como base a Crítica à Economia Política, com a demonstração de algumas das contradições do sistema capitalista que marcam o entorno cultural.

2016 continuará com essa marca, especialmente no caso brasileiro em que a conjuntura política demonstra desde o ano passado que lutar e tratar de questões como as acima apontadas só deve aparecer em curto prazo a partir da organização dos movimentos sociais contra hegemônicos. Isto já ficou claro com o primeiro artigo do ano, de Helena Martins, que tratou das afrontas constantes aos direitos humanos nos programas policialescos.

Sobre o Governo federal, a mensagem da presidenta Dilma Rousseff ao Congresso Nacional trouxe uma frase que gerou diferentes interpretações: “Encaminharemos ainda um novo Marco Regulatório das Telecomunicações, ajustando esse setor ao novo cenário de convergência tecnológica”. De um lado, algumas pessoas que acreditam que isso se trata de uma renovação da regulamentação sobre a radiodifusão gratuita; de outro, quem acredita que se trata do processo iniciado em janeiro de 2015, com consulta popular eletrônica, que modifica a Lei Geral de Telecomunicações.

Confesso estar com quem opta pela segunda opção. É um processo em andamento e que precisa ser aprovado ainda este ano para permitir um resgate da Oi no mercado, retirando as obrigações com infraestrutura e abrindo ainda mais o setor para o caminhar livre da iniciativa privada. Vale lembrar que durante a campanha de reeleição a presidenta usou “regulação econômica” para tratar da radiodifusão. Além disso, vide a pressão atual – que vai muito além da renovação das principais concessão do Grupo Globo na TV aberta em 2018 –, e a escolha político-partidária do ministro das Comunicações na primeira reforma ministerial do segundo governo, parece-me seguir sendo, já há mais de 13 anos, uma briga que o Governo não quer buscar.

Outro campo de disputas é a comunicação público-estatal. A saída de Américo Martins do cargo de diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) por uma interferência superior, com suposta ordem vinda da Secretaria de Comunicação Social para a transmissão de um jogo do Campeonato Paulista da Série A3 num domingo, demonstra a fragilidade normativa que rege a EBC – algo que foi apontado no Seminário de Modelo Institucional promovido pelo Conselho Curador no ano passado, inclusive, em texto coletivo produzido pelo OBSCOM/CEPOS.
Por outro lado, o anúncio do uso da multiprogramação a partir do sinal da TV Brasil no Rio de Janeiro, que será acompanhado pela NBR, Canal Saúde e TV Escola, ainda que tardia e restrita, é uma prática que demonstra que uma das potencialidades da digitalização da TV aberta pode ser aplicada. Restrita por poder ocorrer apenas no campo público de comunicação, mas que abre possibilidades para mais espaços deste espectro na TV brasileira.

TV Digital, por sinal, que se encaminha para a confirmação do abandono do Ginga e da interatividade, a maior das possibilidades esperadas com esse processo. Com a opção do canal de retorno se dar a partir de TVs conectadas, e não do middleware – inclusive no que o Governo dará aos beneficiários de programas sociais –, o mercado (aqui, também de produção dos aparelhos televisivos) mostra mais uma vez o quanto sua voz é mais escutada na hora das tensões e disputas.

Por fim, é necessário acompanhar o desenrolar do Governo Macri na Argentina, com práticas demonstradas desde o início de mandato de destruição da Ley de Medios, marco para a regulamentação da radiodifusão na América Latina e que costumeiramente usamos como exemplo para como deve ser feito o processo no Brasil. Fatos assim fazem parte da democracia representativa que marca nossos países e demonstram a necessidade de fortalecimento da participação popular e de movimentos sociais na construção sociopolítica cotidiana mesmo sob governos ditos de centro-esquerda e esquerda.

Tem um conjunto de outros objetos de estudo que devem passar por esta coluna em 2016. Aproveitamos, inclusive, para encerrar este texto com um convite aos pesquisadores que investigam a partir da EPC. O Portal EPTIC, em todas as suas seções, mas especialmente esta Coluna CEPOS, é aberto a artigos opinativos para além de quem faz parte do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS. Basta entrar em contato conosco no perfil do Facebook do Portal EPTIC.

* Anderson Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), jornalista graduado em Comunicação Social pela UFAL e mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, membro do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS.

Programas policialescos não podem ter carta branca para violar direitos

Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo

Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo

O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil pública contra a Record e a União em decorrência de violações de direitos no programa “Cidade Alerta”. Estudo aponta que programas policialescos violam cotidianamente 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais.

Por Helena Martins (*), especial para a Ponte Jornalismo

“Atira, meu filho; é bandido”. Essa foi uma das frases proferidas por Marcelo Rezende, do programa Cidade Alerta, da Rede Record, ao transmitir, ao vivo, uma perseguição policial a dois homens que seriam suspeitos de roubo. A ação culminou com um tiro disparado à queima roupa pelo integrante da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) da Polícia Militar de São Paulo contra aqueles que, repetidas vezes, foram chamados de “bandidos”, “marginais” e “criminosos” pelo apresentador.

A cobertura, feita em junho do ano passado, foi objeto de representação elaborada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação e pela ANDI – Comunicação e Direitos ao Ministério Público Federal em São Paulo. As organizações apontaram que houve desrespeito à presunção de inocência e incitação à desobediência às leis ou decisões judiciais. No texto, foram descritas as cenas e também as leis desrespeitadas pelo canal, em especial a Constituição Federal, que veda a veiculação de conteúdos que violem direitos humanos e façam apologia à violência, e o Código Brasileiro de Telecomunicações, que determina que “os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinados às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão” (Art.38, d).

Agora, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a Rede Record e a União. O órgão pede que a emissora transmita uma retratação, por dois dias úteis, mostrando não compactuar com o comportamento hostil e com a incitação à violência perpetrada por Marcelo Rezende. Em caso de descumprimento, o grupo deverá pagar multa de R$ 97 mil por dia. O MPF requer ainda que a União cumpra com o seu dever e fiscalize o programa.

As medidas são importantes para enfrentar a perversidade praticada todos os dias pelos chamados programas policialescos. Não é mais possível calar diante de conteúdos midiáticos que se valem de uma concessão pública para ir ao ar e, então, violar direitos de forma sistemática, como comprova pesquisa realizada pela ANDI em colaboração com o Intervozes, a Artigo 19 e o Ministério Público Federal. O estudo (¹) aponta que pelo menos 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais são desrespeitados cotidianamente por esses programas, entre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A análise de 28 programas veiculados por emissoras de rádio e televisão em dez estados diferentes, ao longo de 30 dias, constatou que 1.936 narrativas possuíam violações. Entre elas: 1.709 casos de exposição indevida de pessoa; 1.583 de desrespeito à presunção de inocência; 605 de violação do direito ao silêncio; 151 ocorrências de incitação à desobediência ou desrespeito às leis; 127 de incitação ao crime e à violência; 56 casos de identificação de adolescentes em conflito com a lei; 24 registros de discurso de ódio e preconceito; 18 ocorrências de tortura psicológica e degradante, entre outros crimes.


Os números servem para comprovar práticas que podem ser observadas praticamente sempre que ligamos o rádio e a TV, especialmente no período do almoço ou no turno da tarde, já que, por serem considerados jornalísticos, os tais policialescos não são submetidos à classificação indicativa – permanecendo, assim, facilmente acessíveis às crianças e aos adolescentes. Poucas são as emissoras que não aderiram à fórmula que combina exploração de sensações (a começar pela dor de quem passa por situações violentas), merchandising e populismo. A estética (e, portanto, a ética) deles penetra também os tradicionais programas jornalísticos, inclusive porque estes passaram, na última década, a buscar responder ao crescimento da audiência daqueles.

Como consequência, temos veículos que levam a praticamente todos os lares brasileiros discursos que criminalizam, sobretudo, setores cujos direitos são historicamente negados, como os jovens negros suspeitos de atos infracionais. Discursos que criam estereótipos sobre comunidades ou populações inteiras, que tratam a violência de forma superficial e que apresentam como resposta aos problemas a redução da idade penal e outras expressões do Estado penal.

Ao passo que este vem se tornando cada vez mais necessário para regular a vida em sociedade com base na força, na vigilância, na produção do medo e na exclusão, também cresce o papel dos meios de comunicação na produção do que Eugenio Raúl Zaffaroni chama de “criminologia midiática”. Esta constrói uma imagem do real na qual estão, em lados absolutamente opostos, as pessoas boas, vulneráveis, e a massa criminosa. Isso é feito, claro, por meio da fabricação do estereótipo do criminoso, de campanhas de ‘lei e ordem’, de ideias rígidas, como a suposta impunidade dos adolescentes que entram em conflito com a lei, entre outros artifícios.

A justificativa para a seletividade penal necessária à manutenção deste sistema excludente e opressor é, assim, construída e reforçada todos os dias. A retórica de que “bandido bom é bandido morto” é exemplo disso. Ademais, ao praticar populismo penal, apresentando, por exemplo, a privação de liberdade em um sistema penal falido como resposta à demanda de segurança, tais programas – e as emissoras responsáveis por eles – privam a sociedade de ter acesso a uma informação plural, contextualizada e completa. Ignoram, por exemplo, o fato de o Brasil ocupar hoje o patamar de terceiro País com a maior população carcerária – posição que galgou, sobretudo, nos últimos dez anos, quanto também vimos o crescimento da violência, o que deixa claro que a saída proposta é absolutamente equivocada.

A figura carismática, o tom apelativo, a apresentação de respostas fáceis e a tentativa de ocupar o papel do Estado como mediador de conflitos e detentor da possibilidade de aplicação do direito abrem caminhos para a eleição de parlamentares – e, em breve, possivelmente de mandatários de cargos no Executivo. Alçados à posição de representantes da sociedade, esses apresentadores muitas vezes passam a integrar a chamada “bancada da bala” e a adotar agendas conservadoras, em especial em relação à segurança pública e aos direitos humanos, contra os quais também rotineiramente são proferidos discursos inflamados no rádio e na TV.

Para enfrentar essa lógica, é necessária, de imediato, uma mudança de postura dos órgãos responsáveis pela fiscalização dos conteúdos veiculados pelas emissoras de rádio e televisão, em especial o Ministério das Comunicações (MiniCom). Hoje, o Ministério tem recuado de seu poder fiscalizador e sancionador. Além de não monitorar os programas, atua apenas diante de denúncias ou de casos com grande repercussão pública. Além disso, pesquisa mostra que, em diversos casos, houve omissão ou restrição da ação do órgão ao considerar apenas dois dispositivos legais do Código Brasileiro de Telecomunicações para analisar conteúdos, embora haja muitos outros relacionados à questão.

A postura omissa do MiniCom resulta em uma carta branca para práticas criminosas. Entre 2013 e 2014, apenas duas emissoras de TV foram multadas por violações cometidas por programas policialescos: a TV Band Bahia, multada em R$ 12.794,08, e a TV Cidade de Fortaleza, que pagou R$23.029,34. No primeiro caso, a apresentadora Mirella Cunha humilhou um suspeito negro por oito minutos. No segundo, dois programas da emissora veicularam o estupro de uma menina de nove anos de idade. Nas duas situações, a ação do Ministério ocorreu após denúncia e pressão por parte da sociedade civil.

No caso que envolve o apresentador Marcelo Rezende, essa permissividade mais uma vez ficou clara. Assim como o MPF, o MiniCom recebeu do Intervozes denúncia sobre a ocorrência de desrespeito à presunção de inocência e incitação à desobediência às leis ou decisões judiciais. Não obstante, em resposta encaminhada pelo Departamento de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica, o órgão disse que segue analisando denúncia, mas que o Poder Judiciário deveria ser procurado em busca de reparação. Segundo o comunicado, “só depois de ocorrer a condenação do culpado, é que o Ministério das Comunicações poderá, com a sentença condenatória transitada em julgado, instaurar processo administrativo contra a entidade detentora da outorga para executar o serviço de radiodifusão, ‘por abuso no exercício da liberdade de radiodifusão por ter sido este meio utilizado para prática de crime’.”.

Além do longo prazo para a sociedade ter retorno de algo que, pelas características da mensagem televisiva, tem forte impacto imediato, em geral as multas são irrisórias e não há uma campanha pública que mostre a ocorrência da sanção nem o problema cometido pela emissora. Assim, essas medidas acabam sendo insuficientes para desestimular práticas equivocadas. Essa situação torna ainda mais urgente a atuação crítica da sociedade e de órgãos com posicionamentos contundentes, como tem sido o Ministério Público Federal, em relação aos grupos midiáticos.

Nunca é demais lembrar que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa devem conviver harmonicamente com os demais direitos e podem, inclusive, ser fundamentais para a promoção deles, caso sejam utilizadas com esse fim. Diante de tudo isso e tendo em vista a complexa conjuntura vivenciada no Brasil, sobretudo no campo dos direitos humanos, defendemos algo que pode ser feito desde já, como ocorre em democracias consolidadas ao redor do mundo: não aceitar violações. Se não enfrentarmos coletivamente essa agenda, estaremos fadados a viver em uma sociedade paralisada pelo medo e sujeita à reprodução de discursos que ampliam desigualdades sociais e legitimam a exclusão de grupos populacionais por meio da criminalização, do encarceramento ou do extermínio.

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¹ Ainda inédito, o estudo faz parte de um amplo programa de monitoramento de violações de direitos humanos em veículos de comunicação brasileiros. Como parte do projeto, já foram lançados dois guias que apresentam mais informações sobre os programas policialescos; conheça o volume 1 e o volume 2.

(*) Helena Martins é jornalista e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Os museus e as políticas públicas de cultura: como a EPC pode contribuir neste debate?

museudagentePor Irla Suellen da Costa Rocha*

Com a ampliação do conceito de cultura e das expressividades que integram este amplo guarda-chuva teórico de pesquisa, os museus tiveram a sua vez nas políticas públicas de cultura do governo federal. Pela primeira vez, enquanto política pública, estas instituições de salvaguarda do patrimônio teve elaborado um plano e uma política nacional que amparasse e ampliasse as ações no campo museal. Em arquivo disponibilizado pelo Ministério da Cultura (MINC), a Política Nacional de Museus destaca a revitalização dos museus e do patrimônio histórico nacional como uma das prioridades do Ministério da Cultura (MinC). A ampliação dos cursos de Museologia, passando pelos estímulos à construção e reforma dos museus, reestruturação do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN), o Sistema Nacional de Museus e a criação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), são algumas das ações que os museus têm experimentado nos últimos 12 anos.

A partir de uma seleção de diversos autores elencamos alguns dos principais pontos que podem auxiliar no entendimento do que é museu, e podem ter influenciado a sua concepção dentro da agenda das políticas públicas: como instituições do seu tempo, visíveis aos seus contemporâneos e sempre servindo a causas de sua época (BRUNO, 2011); instrumento de extensão cultural, gerenciador de cultura, reflexão crítica da história exposta (SUANO, 1986); como um prolongamento da hegemonia e lugar de mediações (CURY, 2011). Partindo destes recortes conceituais, é possível observar o quanto esta instituição é provocativa de ser estudada através da perspectiva da Economia Política da Comunicação (EPC), por fazer uma abordagem crítica da sociedade por meio das relações de tensão e contradição entre as esferas da economia, da comunicação e da cultura, à medida que avança o processo no qual os produtos culturais estão cada vez submetidos à lógica do capitalismo (BRITTOS; MIGUEL, 2008).

Dentro desse viés político o MinC e o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN)¹, na Política Nacional de Museus, compreendem os museus: como práticas e processos socioculturais colocados a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento; politicamente comprometidos com a gestão democrática e participativa; voltados, museologicamente, para as ações de investigação e interpretação; registro e preservação cultural; comunicação e exposição dos testemunhos do homem e da natureza, com o objetivo de ampliar o campo das possibilidades de construção identitária e a percepção crítica acerca da realidade cultural brasileira (POLÍTICA, 2007). Nesta versão ampliada e revista do que é museu pelo IPHAN, que também é compartilhada e registrada por Chagas (1994) em seus esforços teóricos e empíricos, dois movimentos históricos dos museus brasileiros estão imbricados: a ampliação do conceito de cultura das políticas públicas e a incorporação da noção de museu do Conselho Internacional de Museus (ICOM)² e suas implicações sobre a instituição na atualidade.

Cury (2011) problematiza o museu contemporâneo como uma consequência do modo de funcionamento do hegemônico. Pontuando ainda mais a discussão sobre os museus dentro do seu próprio conceito e funcionalidade, principalmente como instituição, em sua grande maioria no Brasil ligada ao Estado. “A problemática é estrutural, ou seja, está na estrutura do que entendemos ser museu. O museu contemporâneo representa essa hegemonia e, às vezes, rende-se a alguns artifícios do massivo” (CURY, 2011, p.21). A autora ainda debate sobre o problema em delimitar a ideia do que seja o museu, e mais uma vez apresenta uma reflexão crítica e política acerca, destacando o quanto a visão hegemônica, do Estado, passa a incidir diretamente na construção da memória e do acervo salvaguardado. Vejamos:

Ideias fechadas e conclusivas são do interesse de alguma hegemonia (seja ela qual for) que prospera sobre concepções autoritárias, seja a respeito da instituição – sua natureza e papel na sociedade –, da forma como esta opera – o projeto de gestão –, ou seja, a relação que a instituição estabelece com a sociedade e a forma como manifesta seu comprometimento (CURY, 2011, p.20).

Percebe-se a partir desta breve exposição sobre a concepção do que sejam os museus que estes são instituições possíveis de reflexão sobre a atuação e o papel das Políticas Públicas de Cultura, como também da influência da Indústria Cultural. Entendo o museu como espaço de discussão política e crítica em seus assuntos correlatos, a exemplo da cultura, patrimônio, cidades, turismo e desenvolvimento. O que nos leva aos questionamentos críticos de Scheiner (1994, p. 22-23) sobre o tema:

para entender a questão dos museus no Brasil é preciso desenvolver uma reflexão sobre o próprio país, o tipo de sociedade aqui existente, as relações da sociedade brasileira com a cultura e os tipos de museus criados e mantidos por tal sociedade. É preciso, ainda, entender e analisar o que vem a ser, no país, a museologia: quem cria museus no Brasil? Quem os dirige, e como? Quem os mantém? Que relações tem o Brasil com a Museologia?

As perguntas levantadas pela autora colocam os museus no cerne da discussão sobre hegemonia e discurso, sobre o papel do Estado na seleção da museografia³ e expografia4. A EPC, através da leitura crítica da Indústria Cultural como instância mediadora, possibilita uma percepção das estratégias estabelecidas no processo de acumulação, na manutenção do sistema e, portanto, na dominação por meio da reprodução ideológica do sistema.

Retomar o conceito de indústria cultural para compreender os processos midiáticos das sociedades atuais significa ter clareza de que os produtos culturais, apesar de suas especificidades, estão cada vez mais obedecendo à lógica de produção e a distribuição de produtos e serviços para responder às necessidades de consumo. Isso significa dizer que hoje, mais do que nunca, aspectos mercadológicos estão penetrando na informação, na comunicação e na cultura (BRITTOS; MIGUEL, 2008, p.40-41).

Por fim, é interessante trazer à baila a assertiva: “o museu não trabalha com objetos, mas com problemas” (FREIRE, 2011, p. 73), que retrata o quanto a instituição museal é atravessada por problemas intrínsecos à sua composição. “O museu ordena um acervo de coisas materiais para a organização de valores e relações sociais. Portanto, expor objetos é propor questões, produzir sentidos. Isso porque os objetos não são fetiches, isto é, não têm valores imanentes. Todos os valores são criados pela sociedade e aplicados aos objetos” (FREIRE, 2011, p. 73).

É possível observar como o acervo, a exposição e a elaboração do museu estão imbricadas numa relação complexa em que as políticas culturais dão o aporte histórico, no entendimento dele enquanto instituições públicas de seu tempo justificando-se e mostrando a sua relevância (BRUNO, 2011). O que corrobora com a proposta de leitura das relações de poder e atentas às análises das condições de produção, distribuição e intercâmbio da indústria cultural (BOLAÑO; HERSCOVICI; MASTRINI, 1999).

Referências

BOLAÑO, C.; HERSCOVICI, A.; MASTRINI, G. Economia Política da Comunicação e da Cultura: uma apresentação. Disponível em:<http://encipecom.metodista.br/mediawiki/images/2/25/Cesar_Bolano2.pdf/> Acesso em: 10 maio 2015.

BRITTOS, V. C.; MIGUEL, J. Indústria cultural: conceito, especificidades e atualidade no capitalismo contemporâneo. In: BRITTOS, V. C.; CABRAL, A. (Org.) Economia política da comunicação: interfaces brasileiras. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. p. 37-57.

BRUNO, M. C. O. Os museus servem para transgredir: um ponto de vista sobre a museologia paulista. In: Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (Org.). Museus: o que são, para que servem? São Paulo, 2011. p. 29-42.

CHAGAS, M. Em busca do documento perdido: a problemática da construção teórica na área da documentação. Cadernos de Sociologia: revista do departamento de Museologia, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, v. 2, n. 2, p. 29-47. 1994. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/534/437>. Acesso em: 04 set. 2014.

CURY, M. X. Museus em Transição. In: Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (Org.). Museus: o que são, para que servem? São Paulo, 2011. p. 17-28

DESVALLÉES, A.; MAIRESSE, F. (Org.). Conceitos-chave de Museologia. São Paulo: Comitê Brasileiro do ICOM, Pinacoteca do Estado, Secretaria de Estado da Cultura, 2013. Disponível em: <http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/Key_Concepts_of_Museology/Conceitos-ChavedeMuseologia_pt.pdf> Acesso em: 15 nov. 2015.

FRANCO, M. I. M. Processos e métodos de planejamento e gerenciamento de exposições. In: 3º Fórum Nacional de Museus. Planejamento e organização de exposições (Parte II). 2008 [Slides em Powerpoint]. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/difusaocultural/admin/artigos/arquivos/Planejamentoeorganizacaodeexposicoes2.pdf> Acesso em: 12 nov. 2015.

FREIRE, C. Dos museus e das exposições: por uma breve arqueologia do olhar. In: Museus: o que são, para que servem? Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (Org.) Brodowski (S.P) : ACAM Portinari ; Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. São Paulo, 2011. (Coleção Museu Aberto). p. 69-78.

POLÍTICA Nacional de Museus: guia. Brasília: Ministério da Cultura, 2007. Disponível em: <http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2010/01/politica_nacional_museus.pdf>. Acesso em: 24 set. 2014.

SCHEINER, T. Sociedade, cultura, patrimônio e museus num país chamado Brasil. Apontamentos, memória e cultura. Revista do Mestrado em Administração de Centros Culturais, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 14-34, 1994.

SUANO, M. O que é museu? São Paulo: Brasiliense, 1986.

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¹ Cita-se o IPHAN como parte referência do conceito de museus abordado na Política Nacional de Museus (2007), pois até 2008 era este o órgão responsável. Em janeiro de 2009, com a assinatura da Lei nº 11.906, foi estabelecida uma nova autarquia vinculada ao MinC: o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM).

² O museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e transmite o patrimônio material e imaterial da humanidade e do seu meio, com fins de estudo, educação e deleite (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 64).

³ Museografia é a área do conhecimento que estuda, projeta e define os equipamentos necessários à operação de um museu, englobando componentes expositivos, estruturas de suporte para atividades programáticas e técnicas, além de estruturas e planos de atendimento aos usuários; responde ainda pela interface com projetos complementares e sua inserção no edifício (FRANCO, 2008).

Expografia é a área da museografia que se ocupa da definição da linguagem e do design da exposição museológica, englobando a criação de circuitos, suportes expositivos, recursos multimeios e projeto gráfico, incluindo programação visual, diagramação de textos explicativos, imagens, legendas, além de outros recursos comunicacionais (FRANCO, 2008).

* Irla Suellen da Costa Rocha possui graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Tiradentes (2008) e em Letras/Português pela Universidade Federal de Sergipe (2014). Atualmente é mestranda em “Cultura, Economia e Políticas da Comunicação” pelo PPGCOM/UFS (2015), vinculada ao Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM/UFS) e bolsista de pesquisa pela CAPES. E-mail: irlasuellen@gmail.com.

TV Globo vai para ZAP: TV por assinatura em Moçambique e concorrência

zap

Por João Miguel e Inácio Júlio Macamo*

A corrida pela conquista do mercado moçambicano de televisão por assinatura conheceu um crescimento considerável nos últimos tempos. Neste novo cenário ora constituído, a disputa da audiência por parte dos principais players deste setor ganhou contornos dignos de serem realçados.

A TV Cabo foi a primeira empresa a operar neste setor. Pertencente a Telecomunicações de Moçambique (TDM) e em parceria com o grupo português Visabeira-SGPS, caracteriza-se por ter uma abrangência limitada, em função de depender do alargamento do cabo para as residências, fator complicado para uma país sem tradição de uso desta plataforma.

Entretanto, desde 1995, o mercado de TV codificado passou a contar com a presença da Multichoice África (MCA), uma multinacional sul-africana, a introdutora da televisão distribuída via satélite, direct to home (DTH), no país. Trata-se de uma plataforma televisiva multicanal com canais da África, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. São cerca de 100 canais oferecidos pela Digital Satelite TV (DSTV). A MCA tem seus escritórios em Johannesburg e possui sucursais em seis países da África Austral, além de Moçambique.

Durante quinze anos esta operadora deteve o monopólio neste ramo. O cenário começou a configurar-se diferentemente a partir de 2010 com a entrada, neste sector de negócios, da ZAP, do grupo Zon TV Cabo, a maior operadora portuguesa de televisão, internet e telefone. Isabel dos Santos, a filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos é a acionista majoritária, com 70% de capitais. Assim, com a aparição desta empresa, como se pode deparar, quebra-se o caráter monopolista até então ostentado pela MCA e instala-se uma disputa sem precedentes.

O primeiro grande transtorno sofrido pela MCA foi a perda dos direitos de transmissão da liga portuguesa de futebol, preferida pelos portugueses que vivem nesta região (concretamente Moçambique, Angola e África do Sul) e também por muitos moçambicanos que nutrem alguma simpatia por clubes lusos. Na altura, a MCA teria feito todos os possíveis para continuar a transmitir, de forma exclusiva ou parcial, a liga portuguesa de futebol nos seus canais desportivos Supersport. Contudo, o esforço teria agourado. Os motivos do fracasso foram traduzidos em comunicado que a MCA enviou aos órgãos de comunicação social:

“Infelizmente, motivos que vão para além do controle da Supersport levaram a uma perda de direitos de transmissão da Liga de Futebol Portuguesa […] Foi uma decisão política da Sport TV apenas sub-licenciar os direitos para uma das suas empresas acionistas e não torná-lo disponível para os concorrentes, neste caso a Supersport. O canal Supersport estava mais do que disposto a pagar o preço pedido por estes direitos, mas a decisão final não foi sua…”

O segundo sinal da pressão que a ZAP exerceu sobre a MCA iniciou quando foi anunciado que para Moçambique e Angola, a partir de 1 de Julho de 2015, esta operadora luso-angolana iria adquirir, com exclusividade, o direito de distribuição de conteúdos simbólicos da Rede Globo do Brasil. Este episódio significava a retirada de um dos principais motivos de fidelização do telespectador por parte da MCA.

Contrariamente ao que terá acontecido no negócio que envolveu a entrada da Sport TV para os pacotes da ZAP, a migração da TV Globo da MCA para a ZAP, segundo Ricardo Scalamandré, diretor dos negócios internacionais da Globo, terá sido transparente, na medida em o fator proximidade linguística pesou muito no momento da decisão sobre o caminho a escolher. A própria reação da MCA, na voz do diretor-geral interino MCA – Angola à imprensa, deixa antever que a questão linguística foi o fator determinante do ingresso da Globo nos pacotes da ZAP.

“Reconhecemos que a percepção das pessoas é mesmo essa que a DSTV é uma empresa estrangeira”. De fato isso é verdade, a DSTV é uma multinacional com a sua sede na África do Sul. Em outro desenvolvimento, este gestor mostra que que apesar da MCA ser uma operadora estrangeira, na realidade angolana, ela conta com 99% de angolanos no seu quadro de pessoal.

Logo depois do anúncio de pareceria entre a Globo e a ZAP assistiu-se, em Moçambique, uma fuga de consumidores da MCA para ZAP. A propósito deste episódio, um dos colaboradores da MCA, em Maputo, confirmou a debandada dos clientes da sua instituição desde 1 de Junho de 2015. Segundo ele, este é um cenário normal que acontece nas duas operadoras sempre que um deles apresente os melhores pacotes para o público. Os consumidores, sublinhou, não anulam os contratos com a operadora, mas sim, deixam de ativar a subscrição, nessas condições a operadora fica sem saber se o cliente deixou ou não de contar com os serviços disponibilizados. Há situações em que os consumidores, por motivos financeiros, deixam provisoriamente de renovar as subscrições.

Diante deste novo cenário que se constituiu com a saída da Globo dos pacotes oferecidos pela MCA, observa-se três modalidades de posicionamento em relação aos telespectadores. No primeiro, fazem parte aqueles que não se deixaram abalar pela saída da TV Globo, muito menos, pela retirada da Sport TV. Trata-se do grupo de consumidores ligados ao futebol europeu, sobretudo, à liga dos campeões europeus, à liga inglesa e à liga espanhola. Estes telespectadores estão menos interessados em novelas e também fazem pouco caso da liga portuguesa de futebol.

O segundo grupo é constituído por consumidores que, de forma explícita, nutrem simpatia pelas novelas brasileiras. Duas tendências foram aqui constatadas: por um lado, os que, possuindo condições financeiras estáveis optaram por contratar os serviços das duas operadoras; por outro lado, situam-se aqueles que podem apenas optar por uma ou por outra. Para estes, logo que a informação sobre a saída da Globo dos pacotes da MCA chegou ao domínio público, não pensaram duas vezes e preferiram contratar os serviços da ZAP.

Por último, observa-se aquele grupo de consumidores dos pacotes baratos das duas operadoras que, impossibilitados de aceder estes serviços que têm em média o custo aproximado de US$ 60 (equivalente ao salário mínimo do país), ficam indiferentes quanto às movimentações dos telespectadores de uma operadora para outra. É preciso salientar que não são todos os moçambicanos beneficiários da disputa no mercado de televisão por assinatura. Grande parcela da população está à margem dessa agitação que acirrou-se nos últimos tempos, como consequência de objetivos claramente mercadológicos, onde os verdadeiros ganhadores são os atores econômicos que encaram o negócio como fonte de inversão de capitais.

Ainda nesse clima de competição entre a MCA e a ZAP e, sobretudo para fazer face à perda do canal Sport TV, a empresa sul-africana lançou a GOtv, em 2014, como forma de reforçar a sua presença no país. A GOtv é um serviço de televisão digital atualmente alternativa para aqueles locais não abrangidos pelo sinal de TV aberta. Além do mais, a subscrição está acessível para as populações desfavorecidas, considerando que este serviço disponibiliza três pacotes acessíveis. O mais caro, o GOtv, custa 660 MT (cerca de US$ 17). Existem ainda os serviços GOtv Plus, com a mensalidade de 295 MT (cerca de US$ 8) e, por fim, a GOtv Value que custa 225 MT (cerca de US$ 6) . Com a estratégia virada para a televisão digital terrestre (TDT), a MCA posiciona-se estrategicamente para conquistar uma fatia significante de consumidores modestos.

Em termos gerais, mesmo antes de introduzir a GOtv, a MCA vinha oferecendo cinco pacotes. A DStv-Fácil que custa 300 MT (cerca de US$ 8), a DStv-Mini que custa 783,44MT (cerca de US$ 20), a DStv-indiano com 23 canais e custa 1350 MT. Há também o pacote em Português com 4 canais custa 1350 MT (cerca de US$ 36), pacotes com canais em HD (9 canais) que custa 400 MT (cerca de US$ 11), DStv-Bué com 105 canais, custa 2450 MT (cerca de US$ 60), e por fim, DStv Premium com 115 canais custa 2900 MT (cerca de US$ 75).

Por seu turno, a ZAP oferece os seguintes pacotes: ZAP Premium que conta com mais de 120 canais, por valores que rondam os 2.200 MT (cerca de US$ 58); ZAP Max com cerca de 90 canais custa 1.100 MT (cerca de US$ 29); ZAP-Mini com mais de 40 canais custa 550 MT e ZAP-Plus por 500 MT (cerca de US$ 14), a razão de 8 canais.

*João Miguel é doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); docente na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM). Inácio Júlio Macamo é graduado em Jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM); docente na Universidade São Tomás de Moçambique (USTM).

A centralidade do trabalho cultural: autonomia e precarização

jornalistaPor Verlane Aragão Santos*

O realce dado às atividades culturais como setor econômico com grandes potencialidades de lucros tem fortalecido a tese de que na atual fase do capitalismo a cultura assumiria a centralidade na produção de valor. Tal noção tem sido coroada em contexto histórico muito particular, dado o papel das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), não obstante resultar de mais um ciclo de crise, próprio da dinâmica do capital. Sem entrar nas controvérsias que o tema pode suscitar, assumiremos aqui a perspectiva de que a centralidade na produção de valor continua sendo do trabalho, mais precisamente, do trabalho intelectual, cultural, criativo. A centralidade da cultura implica em pensarmos na centralidade do trabalho cultural.

Vale acentuar, contudo, que não compactuamos com as teses apresentadas, já na década de 80, por André Gorz e Claus Offe, entre outros, sobre o fim da sociedade do trabalho. Tão pouco com a tese do trabalho imaterial, defendida por Giusepe Cocco, baseada nas proposições de Mauricio Lazzarato e Toni Negri, que defendem a dissociação do trabalho em relação ao capital, conjugada nas novas formas reticulares de produção.

A discussão a ser realizada, então, não pode renunciar à busca de perscrutar as novas relações que se estabelecem entre capital e trabalho, notadamente em um quadro em que os ativos financeiros fortemente negociáveis são os relativos aos ganhos dos direitos de propriedade intelectual e autoral, próprios dos ramos baseados na inovação, no conhecimento e na criatividade, de um lado, e a crescente precarização e exploração do trabalho sob a forma de trabalho autônomo, de outro.

O desemprego estrutural, como resultante da reestruturação produtiva e da baixa dinâmica macroeconômica das últimas décadas, corresponde à busca pelas empresas de novas estratégias de corte de custos, em especial em relação ao uso e à gestão da força de trabalho, com a necessidade do sistema de dar conta da massa de trabalhadores que não conseguirá, a partir de então, inserir-se nas estruturas formais de ocupação. Mais que isso, há a busca por estratégias de apropriação da riqueza produzida por esse trabalho não formalmente subsumido, ou seja, como trabalho livre assalariado. Neste contexto, redesenha-se o perfil desejado de trabalhador, projetando-se assim:

[…] a imagem do “novo trabalhador” como um ser que substitui a carreira em um emprego assalariado de longo prazo pelo desenvolvimento individual através da venda de sua força de trabalho em uma série de ocupações contingentes, obtidas através da demonstração pública de disposição e competência para atividades e condições de trabalho em constantes mudanças, isto é, como empresário de si mesmo (SILVA, 2003, p. 165-166).

No interior das próprias estruturas produtivas, as demandas por trabalhador acentuaram aspectos como a “polivalência”, a “multi-habilidade”, estabelecendo um “modelo da competência” em detrimento ao modelo baseado no posto de trabalho. O modelo da competência resultaria das transformações em curso no conteúdo do trabalho, em que três noções devem ser consideradas: 1- a qualidade de evento/acontecimento que tomam as esferas do trabalho; 2- o crescente papel que passa a ter a comunicação nos processos de trabalho, e; 3- a importância/avanço da lógica do serviço às atividades econômicas (ZARIFIAN, 1999).

O trabalho intelectual assume papel essencial no atual estágio de desenvolvimento das forças capitalistas de produção e consequentemente no âmbito das lutas de classes. No contexto da Terceira Revolução Industrial, a questão que se coloca é a da subsunção real do trabalho intelectual (cultural, criativo) no capital “e, simetricamente, da possibilidade de uma superação da divisão entre corpo e espírito no trabalho e do atual sistema de dominação” (BOLAÑO, 2002, p. 62). Bolaño (Ibid.) aponta ainda para o papel crucial do setor de informática ou das TIC para o desenvolvimento do capitalismo, por ampliar a subsunção do trabalho, reestruturando as bases da acumulação. Refere-se mais especificamente ao trabalho intelectual onde está incluído o trabalho dos produtores de software:

O significado revolucionário dessa transformação fundamental do trabalho – e consequentemente da própria estrutura da classe trabalhadora – em que as funções de coordenação e comunicação ganham uma importância nunca antes imaginada, é tanto maior quanto o novo padrão de consumo exige também o aumento da intelectualização do próprio público de interesse, reforçando o caráter de mediador cultural que tem o trabalho intelectual (BOLAÑO, 2002: 63).

O que queremos enunciar, assim, são os limites impostos ao processo de subsunção do trabalho intelectual no capital, tal como defende Bolaño, dado o papel de mediação que esse tipo de trabalho assume no interior das indústrias culturais, garantindo a articulação dos interesses dos capitais e do Estado com as massas nos seus anseios mais íntimos e em diálogo direto aos elementos simbólicos forjados pelas culturas populares.

O quadro se definiria nos termos seguintes:

[…] além da subsunção do trabalho intelectual, necessário a esta nova fase da acumulação capitalista, ensaia-se cada vez mais neste setor novas formas de gestão baseadas naquilo que Pierre-Michel Menger vem chamando de “hiperflexibilidade da mão-de-obra”, traduzido pelo setor como “trabalho por projetos”. Transitoriedades, retração de direitos trabalhistas, enaltecimento das diferenças de remuneração, apologia da concorrência interindividual, auto-emprego, vistos agora, com sinal invertido, como legítimas formas de se valorizar e remunerar os talentos individuais, a criatividade do trabalhador precarizado (LOPES & SANTOS, 2011).

Instala-se o dissenso no interior da classe trabalhadora, já que se perde a identidade comum, transpondo-se em seu lugar a noção de empreendedor, agente individual, cujo trabalho consumido assume a pecha da ação criativa e inovadora. Não podemos, contudo, esquecer que tudo se reduz a trabalho humano, a dispêndio de energia vital, física e mental, que deverá se traduzir na forma mercadoria, no valor, sob a lógica capitalista. O empreendedor cultural é o desdobramento para a área da cultura daquele processo mais amplo, que atinge todo o conjunto da economia:

O trinômio inovação-criatividade-empreendedorismo migra do campo discursivo específico do setor empresarial e invade o setor cultural, e esse fenômeno de colonização discursiva faz crer que o projeto hegemônico do capital continua enfrentando dificuldades para conseguir lograr êxito. Os projetos identificatórios dos anos 1990 são aqui retomados para que desta vez o setor cultural contribua e intervenha em desenvolvimentos científicos, tecnológicos, políticos, industriais e comerciais em níveis cada vez mais amplos (BRAGA, 2015: 220).

Não devemos esquecer que é exatamente na busca de estabelecer uma estratégia que contrariasse a perda de rentabilidade, que países como o Reino Unido e a Austrália, na década de 1990, propuseram planos de retomada de crescimento econômico baseados nos chamados setores criativos. No interior desses setores, acomodam-se atividades com características próprias, em termos de seu desenvolvimento histórico, em especial no que diz respeito à incorporação da tecnologia e ao uso da força de trabalho. Figuram, dentre estes, desde o design, o desenvolvimento de software para jogos eletrônicos, a música, passando pelos museus e chegando ao patrimônio material e o chamado patrimônio imaterial (conforme Plano da Secretaria da Economia Criativa do MinC, na discriminação dos “setores criativos”, termo em substituição à expressão inglesa creative industries).

Referências bibliográficas

BOLAÑO, César. “Trabalho Intelectual, Comunicação e Capitalismo. A reconfiguração do fator subjetivo na atual reestruturação produtiva”. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 12, p. 53-78, dez. 2002.

BRAGA, William. “Novas Identidades para o Novo Mundo do Trabalho através da Cultura: o velho mantra do capitalismo revisitado”. Revista Eptic Online, v. 17, n.1, p. 218-235, jan.-abr. 2015.

SILVA, Luiz Antonio Machado da. Mercado de Trabalho, ontem e hoje: informalidade e empregabilidade como categorias de entendimento. In.: SANTANA, M. & RAMALHO, J. Além da Fábrica. Trabalhadores, sindicatos e a nova questão social. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 140-178.

LOPES, Ruy Sardinha & SANTOS, Verlane Aragão. Economia, cultura e criatividade: tensões e contradições. Carta Maior, São Paulo, 25 fev. 2012. Disponível em: <http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Economia-cultura-e-criatividade-tensoes-e-contradicoes-%0D%0A/12/16464>. Acesso em: 03 out. 2015.

ZARIFIAN, Philippe. Objectif Compétence. Paris: Liaisons, 1999.

*Verlane Aragão Santos é professora dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e em Economia da Universidade Federal de Sergipe e líder do grupo de pesquisa Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento, que compõe com o grupo CEPOS o Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM).

O consenso fabricado no Brasil: a ausência de contraditório na cobertura da política econômica nacional

manipulação em 10 lições-N Chomsky

Por Bruno Lima Rocha*

É consenso nos defensores da teoria crítica e pesquisadores da Economia Política da Comunicação (EPC) a compreensão de que as grandes corporações midiáticas, além de operarem como agentes econômicos, também são verdadeiros partidos políticos além de produtores de sentido e ideologia no intuito de reproduzir ideias-pensáveis, como afirma o Modelo de Propaganda de Noam Chomsky e Edward Herman.

Em algumas editorias e temas considerados estratégicos para os controladores de meios e seus pares, a cobertura além de ser seletiva, é cifrada. Quando se trata da pauta de economia e especificamente na política econômica, os governos de turno, quando optam pela via monetarista e neoliberal clássica, costumam ser blindados ou ao menos, terem os conceitos-chave preservados. No cenário político brasileiro, a simples presença de professores de economia de linha desenvolvimentista de mais diversos matizes é mínima ou simplesmente inexiste neste tipo de debate.

A fabricação do consentimento está se dando quando a maioria dos brasileiros escolhera um modelo de desenvolvimento no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 e assiste ao governo de Dilma em seu segundo mandato a escolher a inflexão à direita comandada por um Chicago Boy (Joaquim Levy, atual ministro da Fazenda e que defendera tese de doutorado pela Universidade de Chicago, ciências econômicas, em 1993) e ex-funcionário do FMI. Tal opção, que frauda a escolha feita na urna, é reforçada pela ideia transmitida pela mídia hegemônica de que não há alternativa para além da política econômica de redução de gastos públicos, elevação do preço do dólar, diminuição da circulação de bens e serviços, congelamento salarial e, obviamente, pouco ou nada se fala quanto a taxa de juros básica (Selic, batendo 14,25% em média) e os R$ 35 bilhões que a União terá de pagar apenas de juros da dívida pública interna no ano fiscal de 2015.

Neste breve texto, damos uma mostra evidente de como a ausência de contraditório inibe ou mesmo impede o debate aberto, para além do círculo de especialistas ou grupos engajados.

O rebaixamento da nota brasileira pela S&P

No dia 09 de setembro de 2015 a agência de rating Standard & Poor’s (S&P) rebaixou o grau de investimento do Brasil. A nota baixara de BBB- para BB+, o que na prática implica em aumentar o custo do investimento de capital volátil no país, uma vez que a leitura dos operadores de mercado é de que quanto maior for o “risco”, mais vantajosas deverão ser as remunerações para a entrada deste capital. No jogo do Sistema Internacional isto equivale a um sofisticado e contratual mecanismo de chantagem a favor dos agiotas.

Obviamente a ausência de contraditório em rede aberta foi quase inexistente ou simplesmente nula. Observando com atenção a cobertura da política econômica promovida pelo portal G1 (em ampla nota de 09 de setembro de 2015, com o título “Standard & Poor’s tira grau de investimento do Brasil”, matéria assinada) e complementada por vídeos de comentaristas e notas televisivas da Globonews, o contraditório foi relativizado e sem o impacto necessário. Uma forma básica de gerar o debate e abrir a possibilidade de que o público receptor percebesse o que implica esta nota, seria uma simples narrativa factual da história recente (última década ou década e meia) desta mesma empresa.

Infelizmente, a lacuna de informação é proporcional à concentração dos meios de comunicação. Pouco ou nada se leu a respeito das manobras desta empresa de “análise” em 2008, dando dera nota máxima para o banco de investimentos Lehman e logo depois – na mesma manhã da falência a S & P ainda dava nota AA (a segunda maior) vendo o banco quebrar. Na cobertura econômica há um consenso fabricado em torno do reforço de uma mesma opinião com nuances de variação. O objeto deste artigo de análise começa na cobertura da Globonews, e vale citar que a própria não fez sequer uma checagem no que o portal G1 publicara a este respeito.

Mesmo sem aprofundar, o G1 dera a nota em 03 de fevereiro de 2015, afirmando que a S&P terá de pagar uma multa de US$ 1,37 bilhões de dólares por seu papel durante a “crise de 2008”. Obviamente a nota não explica que papel foi esse e quem fabricara a crise da bolha imobiliária, e menos ainda quais são os grupos de investidores que mais faturaram – e ainda faturam – com a mesma. Mesmo assim, bastaria esta citação para que a audiência abrisse uma posição de desconfiança diante do enunciado com a S&P no lide, atuando como Quem, o agente da ação.

A nota completa da S&P apresenta uma ode ao superávit primário, a ficção contábil que legalmente justifica o espólio rentista:

A proposta orçamentária de 2016, apresentada em 31 de agosto, incorporava ainda outra revisão das metas fiscais do governo em um curto período de tempo. O orçamento proposto tem como base um deficit primário de 0,3% do PIB, ante a meta de superávit anteriormente apresentada de 0,7% do PIB, anunciada em julho. Esta mudança reflete os desacordos internos acerca da composição e da magnitude das medidas necessárias para reparar o deslize nas finanças públicas.”

O agendamento fortalece a inflexão neoliberal

Impressiona a sequência lógica dos fatos quando em 14 de setembro o ministro da Fazenda Joaquim Levy e o do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciam o pacote de ajuste, visando economia direta (corte de gastos) de R$ 26 bilhões de reais e a previsão de aumento de ingresso. A meta é garantir a “economia” através de ficção contábil para bater meta de superávit, assegurando o pagamento dos juros de rentistas, banqueiros e especuladores.

Em ritmo avassalador, o governo de Dilma Rousseff termina por aceitar a maioria das teses do adversário derrotado e termina por demonizar o primeiro mandato e a gestão de Guido Mantega à frente da Fazenda neste período. Não por acaso, as pressões midiáticas só aumentam, assim como desaparecem vozes dissonantes, ainda que dentro dos defensores de uma economia de tipo capitalista embora no rumo do desenvolvimento. Obviamente também que ao anunciar que o país “tem de economizar R$ 35 bilhões de reais para pagar em juros da dívida pública em 2016” e ao defender ardorosamente o enxugamento da máquina pública esta mesma cobertura já aqui citada nunca lembra o fato da maior despesa corrente líquida do país ser com os gastos de juros e rolagem da dívida interna. Este volume atingiu 45% em 2015 dentro do orçamento executado e deve bater meta igual ou semelhante quando fecharem as contas do orçamento da União em 2015.

A conta é simples e deve ser feita de modo direto. O orçamento anual da União equivale a cerca de 40 a 42% do PIB brasileiro. Ou seja, de cada 10 reais circulando no país, R$ 4,20 passam pelo orçamento federal. E, de cada 10 reais gastos pela mesma União, R$ 4,20 vão para o bolso de agiotas, especuladores e banqueiros. É preciso ir além para ultrapassar a cortina de fumaça. A lista de credores do Estado brasileiro é esta: 1) Bancos nacionais e estrangeiros, 47,24%; 2) Fundos de Investimentos, 17,77%; 3) Investidores estrangeiros, 11,32%; 4) Fundos de Pensão, 12,84%; 5) Seguradoras, 3,13%; 6) Fundos administrados pelo governo, 4,58%; e, 7) Outros, 2,12%. (Alerta Total, 02/04/2015, artigo do economista Hélio Duque).

Não por acaso, as duas instituições que mais faturam com a rolagem da dívida são os dois maiores bancos privados do Brasil, Itaú e Bradesco. Será tudo coincidência? Será tudo tão óbvio que o mero enunciado de dados concretos e fatos inequívocos e irrefutáveis faz com que o anúncio do rebaixamento da nota e a “defesa dos fundamentos da economia” venham a parecer uma farsa evidente? Fico com a segunda hipótese.

* Bruno Lima Rocha é professor de ciência política, relações internacionais e jornalismo, e vice-líder do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS).