TV Globo vai para ZAP: TV por assinatura em Moçambique e concorrência

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Por João Miguel e Inácio Júlio Macamo*

A corrida pela conquista do mercado moçambicano de televisão por assinatura conheceu um crescimento considerável nos últimos tempos. Neste novo cenário ora constituído, a disputa da audiência por parte dos principais players deste setor ganhou contornos dignos de serem realçados.

A TV Cabo foi a primeira empresa a operar neste setor. Pertencente a Telecomunicações de Moçambique (TDM) e em parceria com o grupo português Visabeira-SGPS, caracteriza-se por ter uma abrangência limitada, em função de depender do alargamento do cabo para as residências, fator complicado para uma país sem tradição de uso desta plataforma.

Entretanto, desde 1995, o mercado de TV codificado passou a contar com a presença da Multichoice África (MCA), uma multinacional sul-africana, a introdutora da televisão distribuída via satélite, direct to home (DTH), no país. Trata-se de uma plataforma televisiva multicanal com canais da África, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. São cerca de 100 canais oferecidos pela Digital Satelite TV (DSTV). A MCA tem seus escritórios em Johannesburg e possui sucursais em seis países da África Austral, além de Moçambique.

Durante quinze anos esta operadora deteve o monopólio neste ramo. O cenário começou a configurar-se diferentemente a partir de 2010 com a entrada, neste sector de negócios, da ZAP, do grupo Zon TV Cabo, a maior operadora portuguesa de televisão, internet e telefone. Isabel dos Santos, a filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos é a acionista majoritária, com 70% de capitais. Assim, com a aparição desta empresa, como se pode deparar, quebra-se o caráter monopolista até então ostentado pela MCA e instala-se uma disputa sem precedentes.

O primeiro grande transtorno sofrido pela MCA foi a perda dos direitos de transmissão da liga portuguesa de futebol, preferida pelos portugueses que vivem nesta região (concretamente Moçambique, Angola e África do Sul) e também por muitos moçambicanos que nutrem alguma simpatia por clubes lusos. Na altura, a MCA teria feito todos os possíveis para continuar a transmitir, de forma exclusiva ou parcial, a liga portuguesa de futebol nos seus canais desportivos Supersport. Contudo, o esforço teria agourado. Os motivos do fracasso foram traduzidos em comunicado que a MCA enviou aos órgãos de comunicação social:

“Infelizmente, motivos que vão para além do controle da Supersport levaram a uma perda de direitos de transmissão da Liga de Futebol Portuguesa […] Foi uma decisão política da Sport TV apenas sub-licenciar os direitos para uma das suas empresas acionistas e não torná-lo disponível para os concorrentes, neste caso a Supersport. O canal Supersport estava mais do que disposto a pagar o preço pedido por estes direitos, mas a decisão final não foi sua…”

O segundo sinal da pressão que a ZAP exerceu sobre a MCA iniciou quando foi anunciado que para Moçambique e Angola, a partir de 1 de Julho de 2015, esta operadora luso-angolana iria adquirir, com exclusividade, o direito de distribuição de conteúdos simbólicos da Rede Globo do Brasil. Este episódio significava a retirada de um dos principais motivos de fidelização do telespectador por parte da MCA.

Contrariamente ao que terá acontecido no negócio que envolveu a entrada da Sport TV para os pacotes da ZAP, a migração da TV Globo da MCA para a ZAP, segundo Ricardo Scalamandré, diretor dos negócios internacionais da Globo, terá sido transparente, na medida em o fator proximidade linguística pesou muito no momento da decisão sobre o caminho a escolher. A própria reação da MCA, na voz do diretor-geral interino MCA – Angola à imprensa, deixa antever que a questão linguística foi o fator determinante do ingresso da Globo nos pacotes da ZAP.

“Reconhecemos que a percepção das pessoas é mesmo essa que a DSTV é uma empresa estrangeira”. De fato isso é verdade, a DSTV é uma multinacional com a sua sede na África do Sul. Em outro desenvolvimento, este gestor mostra que que apesar da MCA ser uma operadora estrangeira, na realidade angolana, ela conta com 99% de angolanos no seu quadro de pessoal.

Logo depois do anúncio de pareceria entre a Globo e a ZAP assistiu-se, em Moçambique, uma fuga de consumidores da MCA para ZAP. A propósito deste episódio, um dos colaboradores da MCA, em Maputo, confirmou a debandada dos clientes da sua instituição desde 1 de Junho de 2015. Segundo ele, este é um cenário normal que acontece nas duas operadoras sempre que um deles apresente os melhores pacotes para o público. Os consumidores, sublinhou, não anulam os contratos com a operadora, mas sim, deixam de ativar a subscrição, nessas condições a operadora fica sem saber se o cliente deixou ou não de contar com os serviços disponibilizados. Há situações em que os consumidores, por motivos financeiros, deixam provisoriamente de renovar as subscrições.

Diante deste novo cenário que se constituiu com a saída da Globo dos pacotes oferecidos pela MCA, observa-se três modalidades de posicionamento em relação aos telespectadores. No primeiro, fazem parte aqueles que não se deixaram abalar pela saída da TV Globo, muito menos, pela retirada da Sport TV. Trata-se do grupo de consumidores ligados ao futebol europeu, sobretudo, à liga dos campeões europeus, à liga inglesa e à liga espanhola. Estes telespectadores estão menos interessados em novelas e também fazem pouco caso da liga portuguesa de futebol.

O segundo grupo é constituído por consumidores que, de forma explícita, nutrem simpatia pelas novelas brasileiras. Duas tendências foram aqui constatadas: por um lado, os que, possuindo condições financeiras estáveis optaram por contratar os serviços das duas operadoras; por outro lado, situam-se aqueles que podem apenas optar por uma ou por outra. Para estes, logo que a informação sobre a saída da Globo dos pacotes da MCA chegou ao domínio público, não pensaram duas vezes e preferiram contratar os serviços da ZAP.

Por último, observa-se aquele grupo de consumidores dos pacotes baratos das duas operadoras que, impossibilitados de aceder estes serviços que têm em média o custo aproximado de US$ 60 (equivalente ao salário mínimo do país), ficam indiferentes quanto às movimentações dos telespectadores de uma operadora para outra. É preciso salientar que não são todos os moçambicanos beneficiários da disputa no mercado de televisão por assinatura. Grande parcela da população está à margem dessa agitação que acirrou-se nos últimos tempos, como consequência de objetivos claramente mercadológicos, onde os verdadeiros ganhadores são os atores econômicos que encaram o negócio como fonte de inversão de capitais.

Ainda nesse clima de competição entre a MCA e a ZAP e, sobretudo para fazer face à perda do canal Sport TV, a empresa sul-africana lançou a GOtv, em 2014, como forma de reforçar a sua presença no país. A GOtv é um serviço de televisão digital atualmente alternativa para aqueles locais não abrangidos pelo sinal de TV aberta. Além do mais, a subscrição está acessível para as populações desfavorecidas, considerando que este serviço disponibiliza três pacotes acessíveis. O mais caro, o GOtv, custa 660 MT (cerca de US$ 17). Existem ainda os serviços GOtv Plus, com a mensalidade de 295 MT (cerca de US$ 8) e, por fim, a GOtv Value que custa 225 MT (cerca de US$ 6) . Com a estratégia virada para a televisão digital terrestre (TDT), a MCA posiciona-se estrategicamente para conquistar uma fatia significante de consumidores modestos.

Em termos gerais, mesmo antes de introduzir a GOtv, a MCA vinha oferecendo cinco pacotes. A DStv-Fácil que custa 300 MT (cerca de US$ 8), a DStv-Mini que custa 783,44MT (cerca de US$ 20), a DStv-indiano com 23 canais e custa 1350 MT. Há também o pacote em Português com 4 canais custa 1350 MT (cerca de US$ 36), pacotes com canais em HD (9 canais) que custa 400 MT (cerca de US$ 11), DStv-Bué com 105 canais, custa 2450 MT (cerca de US$ 60), e por fim, DStv Premium com 115 canais custa 2900 MT (cerca de US$ 75).

Por seu turno, a ZAP oferece os seguintes pacotes: ZAP Premium que conta com mais de 120 canais, por valores que rondam os 2.200 MT (cerca de US$ 58); ZAP Max com cerca de 90 canais custa 1.100 MT (cerca de US$ 29); ZAP-Mini com mais de 40 canais custa 550 MT e ZAP-Plus por 500 MT (cerca de US$ 14), a razão de 8 canais.

*João Miguel é doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); docente na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM). Inácio Júlio Macamo é graduado em Jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA-UEM); docente na Universidade São Tomás de Moçambique (USTM).

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