Entre os dias 28 e 30 de novembro, Maceió foi sede do VII Encontro da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura – Seção Brasil (ULEPICC-Brasil). Centenas de pesquisadores, desde jovens estudantes de iniciação científica a autores consolidados dos estudos em EPC, participaram das mesas de discussão, grupos de trabalho com apresentação de pesquisas e lançamento de livros.
Durante o Encontro, que teve como tema “os 30 anos da Economia Política da Comunicação e o Brasil pós-golpe”, aconteceu também a Assembleia da ULEPICC-Brasil, que elegeu a diretoria da entidade para o próximo biênio.
Com pesquisadores de instituições de quatro regiões do país, a nova diretoria tem Anderson Santos, professor da UFAL, como presidente. Compõem também a diretoria: William Dias Braga (vice-presidente/professor da UFRJ) Carlos Peres de Figueiredo Sobrinho (pós-doutorando na UFS – Secretário-geral); Júlio Arantes Azevedo (professor da UFAL – Tesoureiro); Manoel Dourado Bastos (professor da UEL – Diretor Científico); Patrícia Maurício Carvalho (professora da PUC-RJ – Diretora de Relações Institucionais/Sociais); Marcos Urupá (doutorando na UnB – Diretor de Comunicação).
Para compreender os desafios postos à Economia Política da Comunicação, os cenários do campo da comunicação no Brasil e as perspectivas para a pesquisa crítica, o Portal Eptic conversou com o novo presidente da ULEPICC-Brasil.
Confira a entrevista abaixo, realizada por Paulo Victor Melo.
Portal Eptic: 2018 marca os 30 anos da Economia Política da Comunicação em nosso país. Qual sua avaliação, enquanto presidente da ULEPICC-Brasil, do campo acadêmico da Comunicação no Brasil?
A construção do campo da Comunicação é recente, quando comparado a outras Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, porém segue uma trajetória de constituição de um grupo hegemônico que acaba participando e, consequentemente, controlando algumas instâncias de poder importantes, das associações de pesquisa a definições de avaliações. Como todo campo social, no sentido bourdiano, é necessário observá-lo como alvo de interesses diferentes e, necessariamente, de disputas.
PE: Três décadas após um marco inicial dos estudos, pesquisas e intervenções, quais as principais contribuições até aqui da EPC para esse campo?
Acredito que a formação de um construto teórico-metodológico crítico para a Comunicação, e para além dela, é a principal contribuição dos estudos da EPC. Lembrando que isso foi feito considerando a produção numa perspectiva decolonial, entendendo o que é produzido na América Latina, para além dos grandes centros de pesquisa mundiais.
Muitos dos comentários que vemos em listas da área desde 2013, sobre a necessidade de olhar crítico para os grandes grupos comunicacionais e, especialmente, os cuidados ao analisar o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação são ponderações presentes em publicações distintas, mas sem maior espaço de difusão na área. Outro elemento importante é a perspectiva propositiva dos estudos, no sentido da práxis marxiana, afinal, não basta realizar a crítica à sociedade, mas buscar uma síntese que sirva de possível solução, o que nos faz dialogar bastante, por sinal, com as pesquisas e os movimentos sociais sobre Políticas de Comunicação e Cultura
PE: E quais dificuldades a pesquisa em EPC têm enfrentado nesse período?
Creio que a dificuldade principal é decorrente de ser um eixo teórico-metodológico não hegemônico nos estudos em Comunicação, o que gera falta ou retirada de espaços em determinados eventos e até no âmbito da formação em graduações e pós-graduações. Quantos de nós só encontramos a EPC em espaços fora das universidades em que estudamos? Isso acaba dificultando a formação de novxs pesquisadorxs na área. A transdisciplinaridade que fora a “Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura” é vista como algo que fugiria da formação de um campo propriamente comunicacional, gerando também questionamentos.
PE: Os 30 anos da EPC no Brasil coincidem com os 30 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988. Quais perspectivas você vislumbra para o próximo período, num cenário em que conquistas previstas na Constituição – nas áreas da educação, da autonomia universitária e da comunicação, por exemplo – estão em ameaça?
Sou pessimista quanto aos próximos anos, infelizmente. O processo de contraposição aos governos de centro-esquerda representados pelo Partido dos Trabalhadores, com participação de setores midiáticos, jurídicos e articulação pelo WhatsApp, representou a ascensão da extrema-direita no Brasil, o que nos traz péssimas memórias. Já vínhamos de perdas após a retirada da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e esse processo tende a acelerar num governo eleito com apoio de parte da população e que jamais escondeu os interesses privatizantes e de ter a educação como alvo.
PE: E no que diz respeito ao setor/mercado das comunicações, qual a sua avaliação do estado atual? Quais políticas públicas são fundamentais?
Temos dificuldades em articular com movimentos sociais na luta pela regulamentação da comunicação, ainda que tenhamos avanços na Lei de Serviço de Acesso Condicionado (TV paga) e no Marco Civil da Internet.
A radiodifusão foi imexível mesmo nos governos do PT, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação carecendo de maior desenvolvimento e interesse – e tornando-se alvo fácil para destruição -, enquanto os outros setores conseguiram abrir brechas nas necessárias mudanças de legislação.
Ainda precisamos avançar muito em políticas públicas na área, da regulamentação da radiodifusão, cuja lei principal é de 1962, às ferramentas da internet. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, por exemplo, teve vetos que impedem seu funcionamento de forma adequada.
PE: Uma das características marcantes dos estudos em EPC é a intervenção crítica junto à sociedade, como forma de relacionar o conhecimento produzido com a realidade social. Como a ULEPICC-Brasil pretende atuar nessa área?
Particularmente, esse é o maior desafio que vejo para a EPC. Por cultura acadêmica, temos muita dificuldade em dialogar com a sociedade, gerar uma relação direta com movimentos sociais, mesmo aqueles que atuam diretamente no setor da Comunicação. As lutas individuais e coletivas no âmbito das nossas instituições de ensino superior e associações de pesquisa exigem uma atenção e um gás grandes, mas precisamos articular melhor as relações com o dia a dia, ainda que tenhamos conseguido no último ano acompanhar mais as discussões na Frentecom (Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular) e tenhamos representação de um ex-presidente no Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Falta o passo de diálogo direto com os movimentos e com a sociedade. Para isso, esperamos contar com a rede de pesquisadorxs em EPC que temos no Brasil, mas é algo a ser articulado e desenvolvido durante os próximos dois anos de uma forma melhor organizada e dialogada com os próprios movimentos.
PE: Em termos de relações institucionais, quais as propostas da ULEPICC Brasil para a aproximação com outras associações de pesquisa?
A gestão que acabou este ano conseguiu aumentar a relação com entidades como a Socicom, Federação das Entidades de Comunicação, e com a Rede Alcar (História da Mídia), no âmbito da comunicação. Além de acompanhar as discussões na Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e no Fórum de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Estas entidades estão diretamente na luta contra os cortes de investimentos na educação superior e na pesquisa científica, com o Fórum atuando nas questões particulares da área de Humanas e Sociais Aplicadas. Custa ainda maior fôlego, mas é necessário participar ainda mais dessas discussões, especialmente na atual conjuntura. Conseguimos também estreitar laços com a área de Ciência da Informação, normalmente escanteada frente à Comunicação e à Cultura, isso deverá seguir sendo desenvolvido.
PE: E em nível internacional?
Nos últimos dois anos mantivemos os laços com a Associação Latino-Americana de Investigadores em Comunicação (Alaic), com mesas em eventos e livros gerados dessa parceria. Com a mudança na diretoria, precisamos manter o elo da melhor forma possível. Temos ainda que articular melhor a participação nos eventos da própria ALAIC e da IAMCR (International Association for Media and Communication), que possuem Grupos de Trabalho em EPC e que envolvem a discussão em âmbito internacional. Além disso, temos que resolver o problema da relação com a ULEPICC-federação, que precisa ser feito da maneira mais transparente possível dentre nossxs associadxs.
PE: Qual grau de importância terá o aspecto da formação de estudantes nessa gestão da ULEPICC-Brasil, no sentido de consolidar dentre pesquisadores/as mais jovens as bases teórico-metodológicas da EPC? Como a entidade pretende dialogar e acessar cursos de graduação, programas de pós-graduação e grupos de pesquisa?
O “trabalho de base” nunca foi tão relevante como agora, em diferentes esferas sociais, para as entidades e associações de perspectiva crítica. Enfrentamos uma barreira gigante que é a falta de presença da EPC ao menos nas disciplinas de Teorias de Comunicação e isso só pode ser enfrentado internamente, em cada situação.
Três alternativas estão sendo trabalhadas por enquanto no âmbito da nova diretoria: produção de um livro eletrônico com conceitos básicos sobre a EPC, algo sempre pedido por quem adere aos estudos do eixo; elaboração de cursos/vídeos básicos sobre essas pesquisas, algo que possa ser feito em pequenos grupos e mesmo à distância; desenvolver o modelo da “Escola de Verão”, presente na Alaic e na Flacso, voltada a estudantes de pós-graduação em EPC.
Além dessas estratégias, também aqui, a participação da rede de pesquisadorxs e grupos de pesquisa atuantes em EPC é fundamental. Pensando rápido, temos grupos em: Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro e Paraná. Além de pesquisadorxs espalhados em outros Estados. A troca de informações sobre como a EPC é tratada na graduação e na pós-graduação é importante para o auxílio na atuação.
PE: Nos últimos fóruns de discussão tanto da ULEPICC-Brasil quanto de outras entidades acadêmicas têm crescido o debate sobre a questão das diversidades (de gênero, étnico-racial, de sexualidade e de classe). De que modo esse tema será tratado pela diretoria da ULEPICC-Brasil?
Este debate vem sendo tratado desde a escolha de nomes para a diretoria, com a anterior tendo, pela primeira vez, mais mulheres que homens; sem esquecer da importância da representação regional, pois há muita coisa diferente fora dos estados mais ricos do país.
Na assembleia realizada em Maceió, a questão da diversidade foi novamente destacada, para que tenhamos cuidado para que os espaços de construção colaborativa, caso de comissões a serem criadas, considerem também a diversidade nas suas mais diversas esferas.
Sabemos que a área tem uma cultura de poder maior para homens brancos, mesmo que isso não seja proposital, pois nem todas as pessoas estão dispostas a participar da diretoria da entidade. De toda forma, acabamos reproduzindo relações do cotidiano e das áreas hegemônicas no campo científico. Não naturalizar este tipo de coisa é fundamental, especialmente para a base político-ideológica que partimos, propondo espaços que tenham a diversidade como uma premissa.