Chamada de trabalhos sobre Comunicação, Cultura e Desenvolvimento

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A Revista Quórum Académico, da Universidad de Zulia (Venezuela), está com chamada de trabalhos aberta até o dia 10 de dezembro de 2016 para o dossiê temático “Comunicação, Cultura e Desenvolvimento”, cujos editores convidados são César Bolaño (Universidade Federal de Sergipe) e Mauricio Herrera-Jaramillo (doutorando da USP).

O envio de artigos deve ser feito para os e-mails: : quorum_academico@yahoo.com; bolano.ufs@gmail.com; mauricio.herreraj@gmail.com. A edição será publicada de julho a dezembro de 2017.

Ementa (Acá en español – com as normas de publicação)

A Economia Política da Comunicação e da Cultura e da Comunicação nas últimas décadas tem ganho importante relevância no campo da Comunicação, ao se apresentar como referencial teórico interdisciplinar e amplo, vinculado ao pensamento crítico de origem especialmente marxista. Na América Latina, desde suas origens nos anos 1980, a EPC apresenta características muito particulares, influenciada pelo debate econômico, social e comunicacional do continente. Assim, o livro de César Bolaño de 1988 (Mercado Brasileiro de Televisão), considerado fundador do campo brasileiro, forma parte dos desenvolvimentos da escola dos economistas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), recolhendo além disso as influências de sua formação intelectual na Universidade de São Paulo (USP).

Recentemente, o mesmo autor, em “O conceito de cultura em Celso Furtado” (2015), evidencia a importância que tem a problemática cultural na obra teórica de Furtado, ressaltando as influências antropológicas que marcaram sua formação, assim como as reflexões sobre a economia da cultura, em seus anos de gestão à frente do Ministério da Cultura, sem deixar de lado as influências que a obra de Marx teria sobre esses desenvolvimentos. Para o autor, esse aspecto pouco estudado da obra de Furtado, “pode constituir-se numa rica contribuição para o futuro da Economia Política da Comunicação (EPC) e para o debate teórico internacional neste campo”, apesar da escassez de referências ao tema da Comunicação (BOLAÑO, 2013).

É a partir de uma leitura dialética destas duas propostas – EPC e os estudos estruturalistas do subdesenvolvimento a partir de uma perspectiva cultural – desde onde o autor busca a formulação de um novo programa de investigação no campo acadêmico interdisciplinar da Comunicação. Um projeto no qual o conceito furtadiano de cultura, que transita pelos dois campos (o da Antropologia e as Ciências Sociais em geral, de um lado, e da Economia Política, de outro), apresenta-se como o mediados ideal para esta reconfiguração do debate comunicacional e para a luta epistemológica que se estabelece em seu interior, contribuindo a uma opção por um pensamento crítico.

É claro que a influência do estruturalismo latino-americano nunca deixou de existir, pois constituiu a matriz original de todo o pensamento crítico latino-americano a partir da década de 1950, desde a criação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), e posteriormente incidiu sobre as diferentes abordagens teóricas que buscaram compreender os fenômenos sociais que descreviam a realidade, incluindo as chamadas Teorias da Dependência e como consequência destas, as Teorias da Dependência ou do Imperialismo Cultural, que marcaram profundamente a primeira escola comunicacional latino-americana, sua critica interna por parte da EPC continental e sua crítica externa de parte dos Estudos Culturais latino-americanos. Esta discussão teórica também estaria marcada pela incorporação de diversas perspectivas internacionais, inclusive latino-americanas de grande importância e grande impacto internacional, como aquelas vinculadas ao binômio Comunicação e Educação e ao pensamento de Paulo Freire.

À margem desta realidade, a contribuição de Furtado permaneceu à sombra durante todo o largo período de constituição e desenvolvimento das chamadas Ciências da Comunicação, até nossos dias. Apenas recentemente – a partir dos estudos como os acima citados, estimulados pelo inestimável trabalho do Centro Internacional Celso Furtado para o Desenvolvimento (CICEF), ou através de iniciativas como os Colóquios Celso Furtado organizados pela Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura – esse vazio começa a ser preenchido, aina que estejamos distantes de compreender, em sua totalidade, a contribuição fundamental deste autor, a qual via além das formulações teóricas abstratas ou das propostas de políticas públicas culturais, para se enfocar em esforços para superação dos problemas estruturais dos países da América Latina, fazendo da cultura o eixo estruturante das políticas de desenvolvimento, daquele “verdadeiro desenvolvimento”, que implica na necessidade de uma autonomia cultural que garantisse, sob um horizonte de expectativas renovado, a marcha atrás da lógica perversa entre meios e fins que caracteriza o subdesenvolvimento.

Nesta perspectiva, este número da Revista Quórum busca estimular a acadêmicos, investigadores e especialistas a tecer pontes desde um pensamento crítico que permite desvelar o fundo cultural que atravessa a problemática do desenvolvimento, com especial ênfase, sobre aqueles que o campo da comunicação permite evidenciar historicamente e desde perspectivas teóricas mais recentes.

Sobre a revista

A revista Quórum Académico está no Centro de Investigación de la Comunicación y la Información (CICI), da Facultad de Humanidades y Educación da Universidad del Zulia e é patrocinada pelo Consejo de Desarrollo Científico y Humanístico de la Universidad del Zulia (CONDES).

Quórum Académico representa uma resposta a um ideal compartilhado por nossa comunidade de pesquisadores de criar um fórum de discussão teórica e epistemológica sobre as profundas mudanças nos eixos temáticos do âmbito da comunicação e especialmente na problemática de seu ensino nas universidades. É decisivo portanto gestar mudanças nos enfoques, métodos e temas que devem se abordar na investigação em comunicação, não apenas por constituir um fenômeno planetário cujas extensas redes e vínculos provocam profundas divisões e exclusões sociais e culturas, mas também porque a comunicação guarda  um imenso campo inexplorado desde onde também se pode inventar a emancipação.

Para conferir outros números da revista, acesse: https://dialnet.unirioja.es/servlet/revista?codigo=17717

Todo mundo odeia o Netflix: as transformações no mercado audiovisual e a possível substituição de monopólios

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Por Edson Ramos de Oliveira Costa*

Todos assistimos filmes, séries e outros programas audiovisuais – aparentemente, isso não vai mudar tão cedo. Mas nem todos assistem mais televisão – aparentemente, isso não pode mais ser mudado. De acordo com o colunista Ricardo Feltrin, do UOL, o Netflix teve um faturamento de 1,1 bilhão de reais no Brasil em 2015 (os números são estimados por fontes dele no mercado financeiro já que empresa não divulga seus ganhos fora dos Estados Unidos)¹.

Esse faturamento está acima do SBT, cuja expectativa de faturamento para o ano passado era de 850 milhões de reais; e muito acima da Rede Bandeirantes, cuja expectativa era de 450 milhões de reais. Estima-se que o Netflix tenha quatro milhões de assinantes no Brasil – alcance muito menor que o desses canais de TV aberta, e um faturamento expressivamente maior.

E não é apenas no nosso país. A agência americana ComScore realizou uma pesquisa em 2015 no México, Argentina, Colômbia, Chile, Peru e Brasil². Foi constatado que 81% do público que consome vídeos em plataformas de streaming (pagas como Netflix, e gratuitas como YouTube), e apenas 71% consomem TV aberta. Especificamente no Brasil, a proporção é de 82% para o streaming, e de 73% para a TV aberta.

Num primeiro momento esperar-se-ia que as empresas dos monopólios tradicionais tentassem simplesmente se adaptar novo formato que surge no mercado, mas a postura que essas empresas têm assumido é de combate às mudanças. E para contrariar ainda mais as expectativas, as empresas dos monopólios tradicionais têm buscado o estado para brigar por elas, tentando impor mais regulamentações às plataformas de streaming de vídeo. Todas essas mudanças no funcionamento do mercado podem ser muito menos democratizantes do que parecem. Aparentemente trata-se apenas de uma briga entre grandes capitais, entre formas diferentes de fazer um monopólio.

Já vimos isso quando as operadoras de telefonia móvel decidiram brigar com o Whatsapp por considerá-lo uma operadora de telefonia móvel pirata. Vimos isso também na briga dos taxistas com o Uber. Agora é a vez das emissoras de TV por assinatura partirem para o confronto. Os clientes desse serviço já vêm diminuindo desde 2014, e as empresas concluíram que o Netflix é o maior culpado. De acordo com Feltrin (2016), elas estão preparando um grande lobby em Brasília para que o governo dificulte a vida do Netflix³.

As medidas propostas são: exigir que a plataforma de streaming tenha que pagar o Condecine (uma taxa de três mil reais sobre cada título do catálogo); obrigar a plataforma a ter um mínimo de 20% de seu conteúdo composto de obras nacionais (desde 2011, as emissoras de TV por assinatura precisam ter pelo menos 30% de sua programação com conteúdo brasileiro); cobrar do Netflix o ICMS pelo serviço prestado; cobrar taxas extras pelo volume de dados gerados.

Tudo isso pode realmente atrapalhar o Netflix? Sim, pois certamente fará com que as assinaturas fiquem mais caras (hoje, o plano mais barato sai por 20 reais). Tudo isso é novidade? Não. Em setembro de 2015 o Congresso Nacional aprovou cobrança de ISS sobre a plataforma, mas o projeto ainda precisa passar pelo Senado. Tudo isso fará as emissoras de TV por assinatura recuperarem mercado? Provavelmente não. Quando o público muda seus hábitos nunca é por uma única razão – além de o Netflix ter um serviço melhor e mais barato, as pessoas podem ter aberto mão de pagar assinatura de TV por conta da atual crise econômica.

Outro forte fator é o cultural – a própria concepção de Televisão pode estar mudando. A tela grande, no centro da casa, de onde emanava toda informação e entretenimento para se consumir em grupo parece ter perdido protagonismo. Hoje cada um tem a sua própria tela, menor, mas interativa. A própria ideia de programação, de ter hora e lugar fixos para assistir uma série ou um programa, é algo que os adolescentes de hoje nem conseguem entender. Ainda que seja apenas num nível psicossocial, sem muita mudança nas bases políticas e econômicas, a chamada cultura da convergência (JENKINS, 2009) parece estar incomodando de verdade os mercados midiáticos tradicionais.

Inclusive, o alto volume de dados consumidos para assistir filmes e séries pelo Netflix é uma das justificativas que as empresas provedoras de internet usam para querer limitar as franquias de dados na banda larga fixa. E a Agência Brasileira de Telecomunicações (Anatel) concorda com elas4. Mas é preciso lembrar que as provedoras de internet também atuam no mercado de TV por assinatura.

Ninguém nunca admitirá que é por causa específica do Netflix, porque o marco civil da internet brasileira proíbe cobrar valores diferentes com base na natureza do conteúdo para evitar discriminação. Se não dá pra cobrar mais de quem usa Netflix, então o jeito é limitar e cobrar mais caro de todo mundo. É fato que o Netflix domina o streaming pago de vídeos na internet, embora a internet só esteja acessível a menos da metade da população mundial5.

O velho de novo

Isso quer dizer que o Netflix chegou para dominar de vez o mercado audiovisual? Talvez não. A empresa indiana Dish Flix, lançada no ano passado e já tendo 17 milhões de usuários, está planejando entrar no mercado brasileiro. O sistema na Índia funciona da seguinte forma: depois de comprar um receptor e contratar uma mensalidade de 100 rúpias (cinco reais, no câmbio de 13/07/2016), os clientes recebem o conteúdo via satélite. A pretensão é manter os preços competitivos no nosso país6.

Também devemos lembrar-nos do Popcorn Time que está de volta – a plataforma é gratuita, com código aberto, e usa plugin em Torrent7. É ilegal? Depende. A plataforma original, que era argentina, acabou fechando com a ameaça dos estúdios produtores. Porém, já que o código era aberto, várias novas versões aparecem e desaparecem ao redor do mundo. Dessa vez, a plataforma original voltou e mais avançada. A legislação sobre direitos autorais muda de um país para o outro: no Brasil não é crime divulgar cópias de um produto cultural desde que não haja nenhum tipo de monetização nessa divulgação. Logo, o Popcorn Time está equilibrado no fio da navalha da lei.

O próprio Ministério da Cultura está planejando criar uma plataforma de streaming de vídeo!8 Ou pelo menos estava antes da morte e ressurreição… A ideia era criar o “Netflix público” para disponibilizar as produções audiovisuais financiadas por meio do Programa de Incentivo à Cultura. Bela ideia, mas se esse nova versão “diet” do MinC irá executá-la ainda não dá para saber.

Mas, ainda que essas propostas sejam interessantes para evitar a exclusividade do Netflix, dificilmente poderão alcançar seu nível de mercado. Uma vez que a maioria esmagadora do público se concentra em uma rede, ela tende a ter mais poder barganha com as produtoras, e até de investir em produções próprias. Por sua vez, isso só trará ainda mais público. É compreendendo essas dinâmicas que De Marchi (2011) aponta esses mercados em rede como essencialmente monopolistas – algo que começa com os telégrafos e vem até as redes sociais na internet.

O fato de essas empresas começarem sem regulamentação, de forma discreta, e chegarem a incomodar os monopólios tradicionais das comunicações pode parecer uma prova do grande potencial contra-hegemônico da internet, já apontado por Bolaño (2007). Porém, a abertura dessas empresas no mercado financeiro, a parceria com as grandes produtoras que antes abasteciam apenas emissoras de TV, e a luta contra qualquer regulamentação que ouse ameaçar o monopólio crescente mostram que a lógica comercial do entretenimento é a mesma.

Aliás, as emissoras de TV apelam ao Estado para que façam às plataformas de streaming o que nunca quiseram que o Estado fizesse com elas. Irônico, não? Gerações e discursos diferentes brigando pelo domínio da mesma velha prática. E o cidadão que tem direito à informação e cultura o que faz? A verdade é que todos amam o Netflix, embora a maioria não possa tê-lo. Mas desejar o que não se pode ter soa mais do que familiar.

REFERÊNCIAS:

BOLAÑO, Cesar; HERSCOVICI, Alain; CASTAÑEDA, Marcos; VASCONCELOS, Daniel. (2007). Economia política da internet. São Cristóvão: Editora UFS.

DE MARCHI, Leonardo Gabriel. (2011). Transformações estruturais da indústria fonográfica no Brasil 1999-2009: desestruturação do mercado de discos, novas mediações do comércio de fonogramas digitais e consequências para a diversidade cultural no mercado de música. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Comunicação). Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

JENKINS, Henry. (2009). A cultura da convergência. São Paulo: Aleph.

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Notas

¹ Disponível em: <http://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2016/01/11/netflix-fatura-r-11-bi-no-brasil-e-ultrapassa-o-sbt.htm>. Acesso em: 11 jul. 2016.

² Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/tec/2015/11/1701904-streaming-ja-e-mais-importante-que-tv-aberta-na-america-latina.shtml>. Acesso em: 11 jul. 2016.

³ Disponível em: <http://olhardigital.uol.com.br/pro/noticia/empresas-de-tv-paga-preparam-guerra-contra-netflix/54623>. Acesso em: 11 jul. 2016.

4 Disponível em: <https://tecnoblog.net/191752/anatel-franquia-banda-larga-fixa/>. Acesso em: 11 jul. 2016.

5 Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/mais-da-metade-da-populacao-mundial-nao-tem-acesso-internet-diz-relatorio-da-onu-17557878>. Acesso em: 11 jul. 2016.

6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/02/1736214-concorrente-indiano-do-netflix-dish-flix-prepara-entrada-no-brasil.shtml>. Acesso em: 11 jul. 2016.

7 Disponível em: <http://canaltech.com.br/noticia/internet/popcorn-time-ganha-nova-versao-online-57325/>. Acesso em: 11 jul. 2016.

8 Disponível em: <http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2015/08/17/internas_viver,592835/ministerio-da-cultura-pode-criar-netflix-so-com-filmes-brasileiros.shtml>. Acesso em: 11 jul. 2016.

* Edson Ramos Oliveira da Costa é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e integrante do Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM), da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Querem acabar com a internet que você conhece hoje

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Por Helena Martins (O Povo)*

Iniciativas impetradas pelo governo federal, deputados, operadoras de telecomunicações e Anatel pretendem acabar com o caráter democrático e colaborativo da internet, a fim de torná-la mais um espaço de concentração de capital, além de potente arma para a vigilância em massa.

Na Câmara dos Deputados, a CPI dos Crimes Cibernéticos aprovou relatório que afronta o Marco Civil da Internet, porque limita a liberdade de expressão e reforça a criminalização de usuários da rede. O texto propõe Projeto de Lei que permite a remoção de conteúdos, sites e aplicativos hospedados fora do Brasil ou que não tenham representação no País e que se dediquem à prática de crimes. Tratando em pé de igualdade crimes como exploração sexual e crimes contra a propriedade intelectual, a norma poderá criminalizar, por exemplo, o download de músicas e vídeos. A privacidade na rede também fica ameaçada, pois o relatório apoia projeto que obriga provedores a revelar informações para a identificação do usuário (como endereços de IP), sem necessidade de ordem judicial prévia. Vigiar e punir. Essa é a lógica.

Já a proposta de fixar limites de dados para a banda larga fixa poderá limitar o acesso a filmes, jogos e aulas a distância a quem puder pagar (ainda mais) caro. Ao defender a medida, o presidente da Anatel, João Rezende, disse que a era da internet ilimitada acabou. Apesar de falaciosa – afinal, dos 190 países monitorados pela União Internacional de Telecomunicações, 130 oferecem prioritariamente planos de banda larga fixa ilimitada –, é reveladora. Estamos vivendo a disputa pelo rumo que será dado a um serviço essencial à cidadania, como consta no Marco Civil da Internet, mas que é visto como negócio pelas empresas transnacionais, sobretudo, que operam no setor.

Se essas medidas forem efetivadas, a possibilidade de romper o controle da informação, ampliar as vozes que circulam nas esferas públicas e fortalecer mecanismos de participação, transparência e de acesso a direitos será perdida. A expectativa de democratização da comunicação, sempre presente na narrativa sobre a internet, será frustrada, como ocorreu no desenvolvimento do rádio e da televisão. É contra isso que a sociedade deve se mobilizar. Não se trata de defender um bem de luxo, mas de reivindicar uma nova lógica de fruição de informações, cultura e, portanto, de poder.

* Jornalista, doutoranda em Comunicação Social e integrante do Intervozes.

Chamada de artigos sobre “Internet e Democracia”

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A Revista Eletrônica de Ciência Política está com chamada aberta até o dia 11 de setembro para receber trabalhos ao dossiê “Internet e Democracia”, para Artigos Metodológicos e para a Seção Livre, cuja edição será publicada em dezembro deste ano.

Serão aceitos trabalhos inéditos em revistas, em língua portuguesa, espanhola ou inglesa, cujos autores sejam mestrandos, mestres ou doutorandos. Trabalhos de graduandos e graduados, assim como de doutores,serão aceitos na condição única de coautoria.

Ementa dossiê

O dossiê “Internet e Democracia” tem a expectativa de acolher trabalhos de cunho conceitual ou empírico dedicados a analisar experiências de uso das ferramentas de comunicação digital para aprimorar as práticas democráticas no Brasil e em outros países. Fazem parte do campo de interesses da edição abordagens que envolvam democracia digital; governo eletrônico; parlamentos online; conversação e deliberação na internet; movimentos sociais; ativismo digital; governança da internet; e campanhas online. A edição publicará produções que tratem do tema sob a ótica da Ciência Política, norteadas por orientações teórico-metodológicas diversas.

Sobre a Revista

A Revista Eletrônica de Ciência Política é uma revista produzida pelos discentes do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná. Tem como principal objetivo divulgar a produção científica de jovens pesquisadores – mestrandos, mestres e doutorandos –  em temas pertinentes à área de Ciência Política.

No sentido de fomentar intercâmbios de caráter científico entre países latino-americanos, a Revista Eletrônica de Ciência Política propõe a publicação de textos em português, inglês e espanhol. Desse modo pretendemos proporcionar um canal de comunicação acadêmico e científico entre jovens pesquisadores, vinculados a núcleos de pesquisa e estudos territorialmente distantes que apresentam convergências temáticas em suas agendas de pesquisa.

Sua periodicidade é semestral, e cada número tem 4 seções. A seção central, sob a forma de dossiê, aborda temas de destaque dentro da Ciência Política. A segunda seção é destinada à publicação de artigos relevantes sem relação temática com o dossiê, denominada de ‘Demanda Contínua’. A terceira seção, sob o título de ‘Notas Metodológicas’, propõe a publicização de artigos que tratem de questões métodos, técnicas e o andamento das pesquisas, com especial destaque para dificuldades, desafios e experiências de campo típicas aos pesquisadores em Ciência Política. A quarta e última seção consiste na ‘Tradução’, que, inicialmente, não estará aberta à submissão, ficando a cargo do comitê editorial. Esta seção tem por objetivo a publicização de textos internacionais contemporâneos de relevância metodológica e teórica para o campo da Ciência Política, no sentido de propor a inserção de temas internacionais no meio acadêmico e científico nacional.

Mais detalhes acerca das normas de formatação, do processo de submissão e da linha editorial da revista podem ser obtidos no site: www.ser.ufpr.br/politica ou via e-mail: revistacienciapolitica@gmail.com.

A Comunicação Pública em risco no período Temer

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Por Paulo Victor Melo*

Os avanços e previsões democráticas de quase três décadas sendo destruídos em pouco mais de um mês. Essa é a síntese que melhor caracteriza o período Michel Temer, que, por meio de um processo de impeachment sem base legal, assumiu interinamente a Presidência da República. Conquistas sociais inseridas na Constituição Federal de 1988, algumas materializadas e consolidadas nas décadas seguintes e outras ainda no fundamental estágio de implementação, têm sido ameaçadas por medidas de Temer que buscam, em última instância, reduzir a democracia brasileira.

Uma das áreas em que é possível verificar o que é, na essência, o período Temer é a Comunicação Pública. Fundamental em sociedades democráticas pela capacidade de expressar a diversidade informativa, pelo potencial de produzir e difundir conteúdos e olhares diferentes da mídia privado-comercial, pelo papel indutor da cultura nacional e pelo espaço protagonista da sociedade, a Comunicação Pública, um dos modelos de radiodifusão previstos no artigo 223 da Constituição, tem o seu principal espaço de expressão – a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – ameaçado.

Criada em 2007, a EBC tem constituído uma programação com pluralidade e mais representativa da população (é lá que está, por exemplo, o Estação Plural, primeiro programa dedicado exclusivamente a pautas relacionadas ao segmento LGBT da televisão aberta brasileira), tem levado informação a brasileiros e brasileiras ignorados pela mídia privada (as rádios Nacional da Amazônia e Nacional Alto Solimões, por exemplo, chegam a lugares que nenhuma emissora comercial alcança), tem garantido prêmios internacionais ao jornalismo brasileiro, tem ampliado o espaço para difusão da música e do cinema nacionais e tem possibilitado o compartilhamento de informação e conhecimento (a Agência Brasil e a Radioagência Nacional distribuem gratuitamente conteúdo para milhares de jornais, blogs e emissoras de rádio do país).

Com as tentativas de Temer, é tudo isso e mais – como veremos a seguir – que está em risco. Primeiro, sem qualquer constrangimento ético, Temer desrespeitou a legislação e exonerou o diretor-presidente Ricardo Melo. Vale lembrar que, como forma de garantir autonomia frente ao Governo Federal, a Lei 11.652 (de criação da EBC), estabelece que o mandato do diretor-presidente deve ser de quatro anos, não coincidentes com os mandatos do Presidente da República. Temer só não teve êxito porque uma decisão liminar do STF reconduziu Ricardo Melo ao cargo. Mas os ataques à EBC não cessaram.

Integrantes da gestão Temer se apressaram em ir à imprensa dar declarações como: “o governo não tem interesse em concorrer com a mídia privada” e “gastos supérfluos devem ser revistos”. O Ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, por exemplo, é defensor do fechamento da EBC e chegou a afirmar que, para isso, vai até “o limite de suas forças”.

Outra possível medida, que circulou pela imprensa, foi a extinção do Conselho Curador da empresa, órgão que garante participação social na fiscalização e monitoramento dos princípios e objetivos dos veículos da EBC. Vale frisar que a existência de mecanismos como o Conselho Curador é um pressuposto verificado em experiências de comunicação públicas em diversas democracias.

As constantes tentativas de Temer em interferir na autonomia da EBC têm preocupado não apenas instituições e grupos brasileiros. Órgãos internacionais como Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Organização das Nações Unidas (ONU) se posicionaram, caracterizando como “passos negativos” para a democracia as ingerências de Temer na EBC. “A iniciativa de desenvolver uma emissora pública nacional alternativa com status independente foi um esforço positivo para a promoção do pluralismo na mídia brasileira, em especial, considerando-se os problemas de concentração da propriedade dos meios de comunicação no país… O Brasil está passando por um período crítico e precisa garantir a preservação dos avanços que alcançou na promoção da liberdade de expressão e do acesso à informação pública ao longo das duas últimas décadas”, diz um trecho do documento publicado pelos dois organismos internacionais.

Tanto as investidas de Temer quanto publicações na imprensa comercial, a exemplo de editoriais e artigos em jornais impressos, têm se baseado numa ideia de que a TV Brasil, principal veículo de comunicação da EBC, é uma “TV traço”, em referência a uma suposta baixa audiência da emissora. O que as páginas dos jornais e os integrantes da gestão Temer escondem propositadamente é que as pesquisas de audiência da EBC via Ibope são verificadas em apenas seis cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Salvador e Recife). Ou seja, não inclui a audiência nos demais 5.564 municípios do território nacional nem dados sobre telespectadores da TV por assinatura, da antena parabólica ou dos que acompanham a TV Brasil por mídias móveis. O fato do conteúdo da TV Brasil ser veiculado por mais de 50 geradoras e 740 retransmissoras (próprias, associadas e parceiras) é também ignorado.

Mas não apenas isso é ignorado. Os defensores do desmonte da EBC escondem também que, de acordo com monitoramento feito pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), a TV Brasil foi a emissora que mais exibiu longas-metragens nacionais em 2015. Foram 120 filmes nacionais, enquanto a Globo reproduziu 87, a Record veiculou três, a Band um e o SBT nenhum.

É também na TV Brasil que os conteúdos educativos, as produções independentes e a programação feita fora do eixo Rio-São Paulo têm espaço na televisão brasileira. Vejamos:

– Enquanto as emissoras comerciais destinam cerca de 2,8% da grade de programação para programas educativos, a TV Brasil contempla 10,8% de seu conteúdo com essa categoria;

– Por meio do PRODAV TVs Públicas, gerido pela emissora pública, mais de 60 milhões de reais já foram destinados para a produção independente de todo o país;

– E de cada cinco horas de programação na TV Brasil, ao menos 1h30 é ocupada com conteúdos produzidos fora dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Frente a tudo isso, não restam dúvidas: a EBC – que foi fruto de décadas de mobilização social e popular e formulações acadêmicas em defesa da democratização das comunicações – representa a principal tentativa de mudança de perspectiva sobre a Comunicação Pública pelo Estado brasileiro, até então negligenciada ao longo da história e pelos diversos governos. Não que os poucos mais de sete anos de existência da EBC tenham conseguido superar toda a história de secundarização da mídia pública no país, afinal também os governos Lula e Dilma investiram pouco nos veículos que compõem a empresa pública, mas os ataques de Temer à EBC são justamente pelas qualidades e potencialidades – e não pelos problemas – que ela possui. Em outros termos, defender a ampliação da democracia brasileira significa defender mais autonomia e investimentos na EBC e não o seu sucateamento ou fechamento.

*Paulo Victor Melo, jornalista. Professor substituto do curso de Comunicação da UFAL. Mestre em Comunicação e Sociedade pela UFS. Doutorando em Comunicação e Política na UFBA. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Cepos (Comunicação, Economia Política e Sociedade) e do Centro de Comunicação, Cidadania e Democracia da UFBA.

Chamada da Revista Chasqui sobre a subsunção do trabalho intelectual

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Revista Latinoamericana de Comunicación Chasqui convida a todos os investigadores comprometidos com a Comunicação e as Ciências Sociais a apresentar o resultado de seus trabalhos para o dossiê “Capitalismo Cognitivo y Comunicología. La subsunción del trabajo intelectual”. A data-limite de recepção é o dia 30 de setembro.

Esta edição da Chasqui (Qualis A2 CSA1) terá a coordenação de Francisco Sierra Caballero (Universidad de Sevilla/CIESPAL). Para submeter, deverá carregar os artigos através do site da Chasqui: http://www.revistachasqui.org/index.php/chasqui/about/submissions#onlineSubmissions

Ementa

Se os processos de acumulação por despossessão são uma característica do modo contemporâneo de exploração capitalista, discutir os sistemas de propriedade intelectual e seus efeitos no conjunto das indústrias culturais e sistemas de informação e conhecimento da região se torna uma prioridade estratégica. Para o caso, aponta-se a necessidade de repensar as formas de determinação do trabalho criativo, da hierarquização dos discursos científicos e das autoras com as quais hoje se encobrem desigualdades da divisão internacional do trabalho intelectual entre o norte e o sul globais. Assim como, analisar problemas concretos, como a centralização e o oligopólio das plataformas de divulgação científicas baseadas em critérios típicos de um diagrama no qual se valoriza um tipo de rentabilidade alheia à produção do novo conhecimento, ou inclusive a estigmatização de determinados campos dentro das disciplinas por sua baixa rentabilidade econômica.

Neste marco, a Comunicologia precisam definir uma agenda comum sobre tais questões, reconhecendo a centralidade da subsunção do trabalho intelectual. Em nosso âmbito, a politização da descolonização do saber-poder projeta um programa de trabalho a discutir – prioritariamente – desde o princípio de abertura de espaços de cooperação e apropriação do conhecimento, em função das mudanças na produção acadêmica; determinada pela relevância do virtual sobre o presencial e a centralidade da mediação social da ciência. Neste sentido, debater sobre os sistemas de propriedade intelectual e suas lógicas estruturantes, torna-se uma prioridade estratégica pela radicalização crescente do sistema de apropriação do conhecimento (como patentes e copyright) que, com outros tipos de mecanismos regulatórios, impõem-se com força através de diferentes cenários: desde as negociações político-econômicas supranacionais até as agendas políticas que prefiguram a promoção de vidas precárias e flexíveis.

Neste marco, o objetivo central do dossiê é pensar a criação intelectual da Comunicologia ante os novos cercamentos que mediam a atividade científica, ante os diferentes regimes de propriedade nos quais nos movemos; pondo em cena as discussões-chave, buscando desconstruir e descolonizar os cenários nos quais se debatem e se impõem estas agendas. A luta pelo código é também uma prática acadêmica, política e social que gera consciência crítica sobre os esquemas jurídicos e tecno-sociais que continuamente nos regulam em defesa de uma economia social do conhecimento e dos bens comuns frente a agendas, políticas científicas e dispositivos de difusão que cercam e limitam a criação intelectual.

Convoca-se, portanto, a acadêmicos e investigadores a abrir um debate e reflexão significativa sobre os efeitos empírico-teóricos, e as possibilidades emancipatórias frente às derivas dos novos contextos sociotécnicos, propiciados pela reestruturação do modelo de acumulação capitalista e os acordos de livre comércio transatlânticos que afetam dia a dia a prática acadêmica em Comunicação.

Eixos temáticos

Comunicologia e subsunção do trabalho acadêmico pelo Capitalismo Cognitivo;

Sistema de Ciência e Tecnologia e Neocolonialismo Comunicacional;

Gramáticas do Capitalismo Cognitivo e escritura acadêmica;

Difusão do pensamento comunicacional e oligopólios do conhecimento;

Indicadores de impacto e sociometria como limite do trabalho criativo;

Políticas Nacionais de Ciência e Tecnologia e colonialismo interno;

Propriedade Intelectual e Sistemas de Acesso Aberto;

Estratégias de Democratização do Conhecimento e Comunicologia do Sul;

Economia dos Bens Comuns e Política Comunicacional;

Métricas e sistemas não parametrais de avaliação da atividade investigadora.

(En Español)

Si los procesos de acumulación por desposesión son una característica del modo contemporáneo de explotación capitalista, discutir los sistemas de propiedad intelectual y sus efectos en el conjunto de las industrias culturales y sistemas de información y conocimiento de la región se torna una prioridad estratégica. Para el caso, se apunta a la necesidad de repensar las formas de determinación del trabajo creativo, la jerarquización de los discursos científicos y las autorías con las que hoy se encubren desigualdades de la división internacional del trabajo intelectual entre el norte y el sur globales. Asimismo, analizar problemas concretos, como la centralización y el oligopolio de las plataformas de divulgación científicas basadas en criterios típicos de un diagrama en el que se valora un tipo de rentabilidad ajena a la producción de nuevo conocimiento, o incluso la estigmatización de determinados campos dentro de las disciplinas por su baja rentabilidad económica.

En este marco, la Comunicología precisa definir una agenda común sobre tales cuestiones, reconociendo la centralidad de la subsunción del trabajo intelectual. En nuestro ámbito, la politización de la decolonialidad del saber-poder proyecta un programa de trabajo a discutir −prioritariamente− desde el principio de apertura de espacios de cooperación y apropiación del conocimiento, en función de los cambios en la producción académica; determinada por la relevancia de lo virtual sobre lo presencial y la centralidad de la mediación social de la ciencia. En esta línea, debatir sobre los sistemas de propiedad intelectual y sus lógicas estructurantes, se torna una prioridad estratégica por la radicalización creciente del sistema de apropiación del conocimiento (como patentes y copyright) que, con otros tipos de mecanismos regulatorios, se imponen con fuerza a través de diferentes escenarios: desde las negociaciones político-económicas supranacionales hasta las agendas políticas que prefiguran la promoción de modos de vida precarios y flexibles.

En estos contradictorios procesos radica la lucha en común que CIESPAL pretende avanzar con los movimientos políticos y sociales en contra de los abusos y de la radicalización de los sistemas de patentes, copyrights y otras formas de monopolios artificiales sobre bienes materiales e inmateriales en pro de un biosocialismo de los bienes de información y conocimiento, del código compartido.

En este marco, el objetivo central del Monográfico es pensar la creación intelectual y la Comunicología ante los nuevos cercamientos que median la actividad científica, ante los diferentes regímenes de propiedad en los cuales nos movemos; poniendo en escena las discusiones clave, buscando deconstruir y descolonizar los escenarios en los cuales se debaten y se imponen estas agendas. La lucha por el código es también una práctica académica, política y social que genera conciencia crítica sobre los esquemas jurídicos y tecno-sociales que continuamente nos regulan en defensa de una economía social del conocimiento y de los bienes comunes frente a agendas, políticas científicas y dispositivos de difusión que cercan y limitan la creación intelectual.

Se convoca por tanto a académicos e investigadores a abrir un debate y reflexión significativa sobre los efectos empírico-teóricos, y las posibilidades emancipatorias frente a las derivas de los nuevos contextos socio-técnicos, propiciados por la reestructuración del modelo de acumulación capitalista y los acuerdos de libre comercio transatlánticos que afectan hoy por hoy a la práctica académica en Comunicación.

Ejes temáticos:

Comunicología y subsunción del trabajo académico por el Capitalismo Cognitivo.
Sistema de Ciencia y Tecnología y Neocolonialismo Comunicacional.
Gramáticas del Capitalismo Cognitivo y escritura académica.
Difusión del pensamiento comunicacional y oligopolios del conocimiento.
Indicadores de impacto y sociometría como cercamiento del trabajo creativo.
Políticas Nacionales de Ciencia y Tecnología y colonialismo interno.
Propiedad Intelectual y Sistemas de Acceso Abierto.
Estrategias de Democratización del Conocimiento y Comunicología del Sur.
Economía de los Bienes Comunes y Política Comunicacional.
Métricas y sistemas no parametrales de evaluación de la actividad investigadora.

Deslegitimar a EBC: a falsidade como estratégia política

20160628-ebc

Por Eduardo Silveira de Menezes (Sul 21)*

O Brasil de hoje, sem sombra de dúvidas, é o país dos falsos paradigmas. Falsa polarização política. Falsas soluções para a crise econômica. Falsa legitimidade para que o governo interino aprofunde um projeto neoliberal fracassado, o qual, ao contrário do que dizem os inconformados com a derrota nas urnas, já estava em curso durante as gestões petistas. Falsas justificativas para as medidas impopulares tomadas contra a base social responsável por eleger esse governo de coalizão. A falsidade é grande no país. É estratégica. É ideológica.

No âmbito das discussões que não chegam ao grande público é ainda pior. Reside um dos resultados menos perceptíveis desse processo: uma “preocupação” traiçoeira com o uso político de entidades como a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Tal argumento, aliado aos gastos dos governos Lula e Dilma com essa iniciativa – quase R$ 4 bilhões –, considerando o atual período de recessão, tendem a fundamentar um discurso que, na prática, golpeia a complementaridade dos serviços de radiodifusão e, consequentemente, atenta contra a própria Constituição.

Confundir para deslegitimar

Não é preciso muito esforço para entender o que está por trás da intenção em invalidar um projeto público de comunicação, que, obviamente, assim como ocorre no âmbito das empresas privadas de rádio e TV, apresenta problemas. O plano é se ressaltar apenas os evidentes aspectos negativos que afligem a EBC. Assim, para as forças políticas que se opõem à complementaridade do sistema de radiodifusão – previsto no artigo 223 da Constituição – torna-se estratégico, embora desleal, recorrer ao argumento da “crise econômica” para denunciar um gasto elevado com esse tipo de serviço.

Quem usa desse expediente, no entanto, não se dá ao trabalho de esclarecer, primeiramente, qual a diferença entre comunicação pública e comunicação estatal. A confusão é premeditada. Ao invés de aceitar, tacitamente, a interferência na EBC e o possível fechamento dos seus canais de comunicação, a sociedade deveria estar suficientemente esclarecida para cobrar que o governo – seja ele qual for – respeite e aprimore os mecanismos capazes de assegurar o direito a uma comunicação pública de qualidade.

É uma atitude impensada negar a importância da empresa pública de comunicação – instituída pela Lei 11.652, de 2008 –, embora seja plenamente aceitável discordar de alguns aspectos da forma como tem sido gerenciado esse serviço. A tática utilizada pelas forças políticas que estão ao lado de Temer, entretanto, tem se operacionalizado por meio da tentativa de convencimento de que o problema é a própria comunicação pública. Agindo assim, falta-se com a verdade, uma vez que a melhor aplicabilidade desse serviço pode ser uma solução para a forma já defasada de se fazer comunicação no Brasil.

Ao longo dos últimos anos, quem defende a democratização dos meios de comunicação tem alertado para isso. Da mesma forma que tem questionado o proselitismo político e religioso de algumas concessões públicas – como ocorre com afiliadas da Rede Globo, Rede Record, Rede Bandeirantes, RedeTV! e SBT. Os serviços de comunicação prestados por essas concessionárias, cuja qualidade é, no mínimo, questionável, têm sido responsável por formar uma plateia de analfabetos funcionais. Esse público, hoje, reivindica o fim de algo que, na sua essência, ainda está em disputa, utilizando-se do argumento de que “falta qualidade” na programação de emissoras como a TV Brasil.

Não é de se espantar. A forma como a mídia comercial (hegemônica) os alfabetizou, fez com que se tornassem consumidores de produtos esteticamente atraentes, mas que possuem a profundidade de um pires. Justifica-se, portanto, que programas como: Observatório da Imprensa, Estação Plural, Café Filosófico e a reedição do Provocações – para citar alguns poucos – não caiam no gosto de quem está acostumado com shows de auditório, blockbusters e telenovelas.

Público não é estatal

Desfazer a confusão entre as propostas de comunicação essencialmente públicas e público-estatais deveria ser prioridade nesse debate, pois as pessoas precisam entender no que consistem os diferentes projetos. No entanto, essa discussão não tem chegado ao grande público. A verdade é que a EBC apresenta pontos que podem parecer contraditórios quanto à sua natureza jurídica – o que possibilitou que Temer tentasse afastar o jornalista Ricardo Melo do comando da empresa. O artigo 19, da Lei 11.652, diz que a diretoria executiva da EBC deve ser composta por um diretor-presidente e um diretor-geral, sendo ambos nomeados pelo presidente da República. Acontece que ela também assegura que os nomeados só podem ser depostos pelo Conselho Curador da empresa. O mecanismo de nomeação é o mesmo utilizado por empresas estatais, a nível estadual, cujo governador de um determinado estado escolhe o presidente da Fundação responsável pela gestão das emissoras de televisão e rádio ligadas a essa empresa de comunicação. A diferença consiste na atuação do já citado órgão de caráter consultivo e deliberativo, que é próprio da EBC.

Vale ressaltar, ainda, que o vínculo direto com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e as competências impostas pelo artigo 8º, da referida lei, apontam para a necessária “transmissão de atos governamentais” e para a “execução de atividades fins que forem atribuídas pela Secom”. Esses dois pontos, se mal administrados, podem levar, sim, a uma relação ilegítima da empresa com o governo de turno, cabendo uma atenção especial da sociedade civil. Para que a autonomia ambicionada por meio da Lei 11.652, de fato, não seja abalada, seria importante se pensar, por exemplo, na aplicabilidade de um modelo de financiamento próximo do que é adotado pela BBC, de Londres, cuja cobrança de uma taxa compulsória da população atesta um afastamento necessário entre os poderes público e estatal.

Lamentavelmente, a maior parte da sociedade brasileira não está interessada nesse debate. Desconhece a exigência constitucional da complementaridade dos serviços de radiodifusão, a qual prevê a distribuição do espectro entre: comunicação privada – que, em verdade, são as concessões públicas –; estatal – onde o executivo nomeia o diretor-presidente da empresa e financia o projeto –; e pública – cujos recursos, geralmente, provêm de taxas cobradas dos próprios cidadãos, sem a interferência direta do governo.

Esse diagnóstico é importante para se refletir sobre o fato de que, tanto a TV Brasil, pertencente à EBC e, portanto, vinculada, mesmo que indiretamente, ao governo federal, quanto a TV Cultura, de responsabilidade do governo do estado de São Paulo, embora apresentem programas de boa qualidade – como o Jornal da Cultura e o Repórter Brasil – estão, na prática, agindo de forma muito semelhante. São empresas de mídia que tendem, em sua programação, a trazer um olhar mais próximo das forças políticas envolvidas com cada um dos projetos. Não há neutralidade possível em nenhum grupo de mídia. É sempre louvável ressaltar os lugares de fala.

Para se chegar a um modelo essencialmente público é preciso mais do que foi feito até aqui. Os discursos oportunistas atuam sempre nas brechas. O argumento de que os canais ligados à EBC possuem pouca audiência não é critério de qualidade. Por outro lado, seguir o modelo “chapa-branca” dos tradicionais grupos de comunicação estatais também não é uma saída inteligente. A crítica com relação ao gasto público é apenas uma cortina de fumaça para uma justificativa ideológica, que, em verdade, visa minar a democratização dos meios de comunicação.

O governo ilegítimo de Michel Temer não medirá esforços para sepultar, de vez, qualquer iniciativa que possa levar ao avanço na direção da complementaridade dos serviços de radiodifusão, pois sua base aliada tem interesses particulares sobre o tema, sendo muitos deles sócios ou donos de grupos de comunicação – o que, aliás, é proibido pelo artigo 54 da carta constitucional. A comunicação é um serviço público. É um direito de todos. Não é hora de deixar esse debate apenas para quem a utiliza como forma estratégica de disputa pelo poder.

*Jornalista, mestre em Ciência da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Letras pela UCPel. E-mail: dudumenezes@gmail.com

Vale do Paraíba debate futebol, mídia e democracia

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Fonte: Barão de Itararé

O Núcleo do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé no Vale do Paraíba promove, no sábado (2), debate sobre futebol, mídia e democracia. A atividade tem início marcado para às 10h30, na sede do Esporte Clube XV de Novembro (Rua Cel. João Afonso, 301 – Largo do Chafariz), em Taubaté. Participam da discussão os jornalistas Felipe Bianchi e Thiago Cassis, do Coletivo Futebol Mídia e Democracia, além de Ronaldo Casarin (Revista Vitti) e Irani Lima (Blog do Irani e Núcleo Regional do Barão de Itararé).

O Coletivo Futebol Mídia e Democracia foi fundando em 2015 a partir do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. A proposta do grupo é reunir jornalistas, torcedores (organizados ou não), movimentos sociais e todos os interessados no debate sobre políticas e questões relacionadas ao futebol brasileiro. Dentre as iniciativas do Coletivo, destaca-se a campanha Jogo 10 da Noite, Não!, que critica, a partir do horário imposto pela Rede Globo, o monopólio da emissora sobre os direitos de transmissão.

Acesse a página e conheça o Coletivo.

Bolaño discute comunicação e conjuntura política à convite de central sindical uruguaia

césar

Por Carlos Figueiredo

O papel da comunicação sindical e a produção de conteúdo a partir da perspectiva dos trabalhadores foram os eixos da palestra proferida por César Bolaño, líder do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Obscom/Cepos), em Montevidéu, na sede da PIT – CNT (Plenario Intersindical de Trabajadores – Convención Nacional de Trabajadores), central sindical uruguaia, no último dia 20 de maio.

A palestra aconteceu poucos dias após a inauguração da emissora de televisão Mi Canal, de sinal aberto e controlada pela PIT – CNT, um fato raro na América Latina, região cujos países primam pela concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas empresas privadas.

Bolaño discutiu a conjuntura política da América Latina, e o papel dos grandes meios de comunicação na defesa de posições hegemônicas e no esvaziamento de políticas sociais de implantadas por governos progressistas. O pesquisador apontou também a importância de trabalhadores organizados possuírem meios de expressão e difusão de ideias como contrapeso aos grandes meios de comunicação de massa.

César Bolaño é eleito para Comitê Internacional da IAMCR

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Por Carlos Figueiredo

O líder do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Obscom/Cepos), César Bolaño, foi eleito integrante do Comitê Internacional da International Association for Media and Communication Research (IAMCR). O resultado do pleito foi divulgado no último dia 14 de junho, o anúncio formal do resultado será realizado durante a Assembleia Geral da Entidade na próximo dia 31 de julho, na cidade de Leicester, Reino Unido.

A IAMCR é uma associação internacional de pesquisadores de comunicação que conta a participação de estudiosos de todo mundo. Sua fundação em 1957 contou com a chancela e apoio da Unesco.

A eleição apontou 15 integrantes para o Comitê Internacional da associação, e contou com a participação de 28 acadêmicos de várias localidades do globo. Bolaño obteve a oitava melhor votação com 184 votos. Outra pesquisadora brasileira eleita para o Comitê é Denize Araújo (Universidade Tuiuti do Paraná). O sistema de votação foi online, e envolveu os membros da IAMCR.

O comitê é composto por 30 pesquisadores. Os outros quinze integrantes são os líderes das seções temáticas/ grupos de trabalho da associação, e serão escolhidos durante a Assembleia Geral da IAMCR. Os mandatos vão até o ano de 2016.

A estrutura organizacional da IAMCR conta com a Assembleia Geral, corpo decisório máximo da associação, o Conselho Executivo composto por um Presidente, dois vice-presidentes, um Secretário Geral e um Tesoureiro, e o Comitê Internacional. César Bolaño já ocupou o cargo de tesoureiro da associação entre 2004 e 2008.

César Bolaño

César Bolaño é economista político e jornalista, professor da Universidade Federal de Sergipe, onde lidera o Obscom/Cepos (CNPQ). O pesquisador brasileiro foi presidente da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC), um dos fundadores e o primeiro presidente da Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICC). Suas atuais linhas de trabalho são a Economia Política da Internet, da televisão brasileira, da Comunicação, da Cultura e os estudos sobre o desenvolvimento.