TVs públicas e democratização: o exemplo argentino para as emissoras universitárias

abtu

Por Carine Felkl Prevedello*

Os recentes impactos provocados, especialmente na América Latina, pela instituição da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (LSCA) na Argentina, conhecida como “Lei de Meios”, envolvem, para além das alternativas apresentadas ao histórico embate entre os monopólios de mídia e a defesa do interesse público, a definição de espaços estratégicos para o fortalecimento de novos canais de comunicação com preservação da diversidade de atores e de conteúdo.

No Brasil, é possível afirmar que a legislação mais progressista para a democratização da Comunicação completou 20 anos em 2015: a Lei n° 8977, que instituiu a TV a cabo, determinou a criação dos canais de utilização gratuita, originando os canais legislativos, judiciários, comunitários e universitários, o que amplia o grupo em torno das TVs educativas já estabelecidas no país desde a década de 1960. A criação posterior da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007, inspirada no modelo da BBC de Londres, representa outro marco na estruturação de um sistema público de Comunicação, com a gestão por meio de Conselho Curador, mas manutenção do financiamento estatal e dificuldades permanentes para a distribuição e circulação do canal em todo o país. Entretanto, ainda que possam ser considerados avanços em relação às legislações anteriores, a permanência do Código Brasileiro de Radiodifusão, de 1962, mesmo diante da norma de complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal, prevista na Constituição de 1988, abriga a proteção às concessões de radiodifusão negociadas politicamente, favorecendo a manutenção dos oligopólios de mídia e a falta de meios de fiscalização, acompanhamento e interferência pública sobre a característica da programação.

Outra limitação do caso brasileiro reside no fato de que os canais de utilização gratuita permanecem restritos à TV a cabo, enquanto os canais comerciais, de propriedade privada e finalidade lucrativa, dominam o espectro aberto de televisão no Brasil, que hoje atinge mais de 95% dos domicílios. O processo de transição para a TV digital, que atinge as emissoras de sinal aberto, iniciado nos anos 2000, apesar de apresentar uma oportunidade para a revisão da dicotomia característica do sistema de televisão no país, parece, até o momento, colaborar para a manutenção dos privilégios dos canais privados, em contraposição ao fortalecimento dos canais públicos. Está garantida, pela legislação que institui o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), a migração direta dos canais comerciais abertos para a TV Digital, enquanto os canais públicos terão de dividir espaços compartilhados, sem previsão de ampliação das concessões para os sistemas público e estatal.

Nesse sentido, é importante reconhecer que a Lei de Meios argentina representa uma vitória consistente em duas frentes. Em primeiro lugar, estabelece diretrizes para impedir a manutenção e formação de oligopólios que concentrem a propriedade de veículos de comunicação – com o claro objetivo de atingir diretamente o conglomerado Clarín, francamente opositor ao governo de Cristina Kirchner -, e em segunda instância determina a concessão de uma série de licenças para operação de canais públicos e comunitários, sem necessidade de outorga ou revisão, atendendo ao objetivo de diversificar, regionalizar e democratizar o acesso à produção e distribuição de conteúdo audiovisual.

Entre sus objetivos principales se destacan la inclusión de diversos sectores en la gestión de medios (estatales, comerciales y sin fines de lucro) y los límites a la concentración de la propiedad, expresados en los topes en cantidades de licencias (24 para operar TV cable, 10 para radiodifusión abierta), en el dominio del mercado (35 %) y en la prohibición de propiedad cruzada, tanto entre el sector de telecomunicaciones y el audiovisual como para la operación de TV abierta y de pago en la misma zona de cobertura. (MARINO, 2014).

Entre os setores onde observamos uma das mudanças mais significativas, está o reconhecimento das universidades públicas como polos potenciais para produção e diversificação do conteúdo audiovisual. Pela Lei de Meios argentina, cada uma das 39 universidades ligadas a 22 províncias recebeu um canal de frequência aberta e outro para emissora de rádio na sua localização central, com permissão para autorizar frequências adicionais, ou seja, emissoras afiliadas. Antes disso, o campo de TVs públicas, estatais ou não-estatais, no país estava limitado em um canal público nacional, 11 canais públicos provinciais, dois universitários e um outorgado à Igreja católica.

No Brasil, desde a instituição da Lei da TV a cabo, foram instituídos pelo menos 46 polos de produção audiovisual distribuídos em 22 instituições do interior dos estados, e outros 24 nas capitais (PREVEDELLO, 2013). Entretanto, esse mapa não representa a estruturação de canais universitários, ou mesmo TVs em operação, permanecendo alguns como produtores periféricos de conteúdo, outros com divisão de um canal local e inserção mínima de programação própria, e ainda os casos de uso do canal com finalidades comerciais. A desigualdade da distribuição regional também representa um entrave a ser superado: na região Norte, a maior em extensão territorial no país, onde se encontram os povos indígenas, há apenas um canal autorizado na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). A ausência de projetos e recursos para incentivo à produção universitária, assim como ausência de definição de diretrizes para as características da programação são fatores relacionados às distorções e ao baixo aproveitamento desses canais como polos de produção audiovisual diversificada.

Uma das exigências da Lei de Meios para as emissoras universitárias estabelece a necessidade de 60% de produção própria e de representatividade regional e comunitária entre os produtores de conteúdo. Outra questão relevante a ser considerada é o fato de que as concessões para as emissoras universitárias argentinas estão destinadas aos canais abertos, com massiva penetração (embora na Argentina as transmissões a cabo já alcancem 70% da população), enquanto no Brasil permanecem restritas ao espectro pago, com alcance de apenas 30% dos domicílios brasileiros, segundo a Anatel.

A partir de la división del país en nueve regiones o polos, se constituyó un sistema federal en red donde las Universidades Nacionales nuclearon a los actores del sector audiovisual televisivo de cada comunidad para conformar Nodos. Los Nodos Audiovisuales fueron pensados como sistemas productivos locales integrados por cooperativas, organizaciones sociales afines al sector audiovisual, productores independientes, televisoras y organismos públicos locales. En los Nodos, las Universidades Nacionales y los actores audiovisuales del medio local trabajaron juntos para desarrollar y consolidar la producción televisiva de las distintas regiones de nuestro país. (MONJE, ZANOTTI, 2015).

Entretanto, passados seis anos de aprovação da Lei de Meios, os debates atuais permanecem semelhantes às dificuldades brasileiras, em termos de implementação das diretrizes e financiamento do sistema. Há editais e programas de incentivo público em andamento, mas com impactos pouco consolidados na transformação da programação televisiva argentina. Essa perspectiva – da dificuldade de consolidação das determinações da legislação – está presente na crítica mais feroz feita à Lei de Meios, debate atual no contexto de eleições presidenciais, crítica que está também relacionada à expectativa pela superação dos oligopólios de mídia, representados principalmente pelo grupo Clarín, mas hoje também, de acordo com os partidos opositores a Kirchner, pelo aparato estatal. Consistiriam dois grandes grupos, um oficialista e outro opositor, trabalhando segundo seus próprios interesses e sem espaço para vozes discordantes. “As corporações existiam antes e seguem existindo: a diferença é que hoje existem duas: ambas são conservadoras e tratam de defender seus interesses, não há democratização de fato”, afirma o candidato do Movimento Social de Trabalhadores (MST), a extrema esquerda argentina, Alejandro Bodart.

Esta crítica, ancorada em um debate político que defende a compreensão de que “a lei nasceu velha”, reflete uma posição de exigência de parte da sociedade argentina que não impede, entretanto, que outros pontos de vista reconheçam a centralidade da Lei de Meios como um marco para a discussão da democratização da Comunicação na América Latina.

La LSCA debe ser comprendida como punto de partida hacia la democratización del sistema de comunicación y cultura. No es la etapa final de un proceso, sino el comienzo de un camino. Ese recorrido que apenas se inicia debería implicar cambios en la estructura y composición del sistema de medios. Además estipula una serie de condiciones que, de cumplirse, podrán modificar la oferta cultural audiovisual, los tipos de discursos y los contenidos, como apertura hacia la diversidad. (MARINO, 2015)

Uma mudança, que, pelo menos nas soluções apresentadas pela Argentina, envolve como questão primordial o reconhecimento da comunicação como bem e direito público e social, – entendimento condicional para a revisão da legislação brasileira para a TV aberta -, a exemplo da história das televisões públicas europeias, e, por outro lado, especialmente na questão audiovisual, visualiza nos polos de produção universitários um elemento central para a articulação de atores não-hegemônicos e para a regionalização e consequente diversificação da programação televisiva.

————————

MARINO, Santiago. Vaivén: desgranar moralejas em la Argentina de la ley audiovisual. Dossiê n°14 do Observatório Latinoamericano do Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (IEALC). Faculdade de Ciências Sociais, Universidade de Buenos Aires, 2014.
MONJE, Daniela; ZANOTTI, Juan Martín. Televisoras públicas universitárias argentinas: el actor emergente. Revista Lumina. Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora (MG), vol. 9, junho 2015.
PREVEDELLO, Carine. TVs universitárias público-estatais: um breve eco da pluralidade rumo à digitalização no interior do Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio do Sinos: São Leopoldo: Unisinos, 2013.
VALOR ECONÔMICO. TV por assinatura cresce 7% no Brasil em março. Disponível na internet em: <http://www.valor.com.br/ empresas/4035116/tv-por- assinatura-cresce-7-no-brasil- em-marco>. Acesso em 31/08/2015.

*Carine Felkl Prevedello é doutora em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos), professora e servidora técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Políticas de Educomunicação e o Movimento de Alfabetização da Informação em países com baixo desenvolvimento social e humano

figura1Por Paola Madeira Nazário*

Na análise do cenário da Educomunicação considera-se que o trabalho pela expansão, mensuração, inserção, fortalecimento e usos da Alfabetização dos Media é dicotômico, contraditório e está rumo ao enfraquecimento. A atividades de educar para os meios de comunicação e informação está expandindo-se em determinados contextos sociais e perdendo sua força em outros, já anteriormente consolidados nessa ação educativa. Sendo pela abordagem teórica, pelo método aplicativo, por questões estruturais de determinados territórios, e principalmente pela falta de uma visão estratégica contra-hegemônica, o fato é que os estudos e aplicabilidades sobre da Media Literacy estão a perder sua força de expansão.

Vários são os centros de estudos consagrados na temática, por exemplo: na América Latina, Brasil – ECA –USP; América Central – México, América do Norte: EUA (Salzburg for Media and Global Change e Association College and Research Libraries), Canadá (Califórnia: O Center for Media Literacy (CML); União Européia (EMEDUS – European Media Literacy Observatory), Reino Unido, Inglaterra; África (Nigéria); e Ásia.

Alguns dos motivos para o enfraquecimento das ações de Media Literacy é a polissemia do conceito, suas numerosas e diversificadas correntes teóricas, inúmeros métodos e nomenclaturas. Característica que por um lado foi fundamental para o amadurecimento desse campo do conhecimento, mas por outro acaba por trazer uma falta de unidade de seus objetivos e métodos realizados para alcançá-los.

Como exemplo da nominação destaca-se Educomunicação, Educação para a Mídia, Media Literacy, Educação para os Media, Alfabetização Midiática, Competências da Informação. Quanto às diferentes abordagens desenvolvidas por professores e pesquisadores em diversos estados-nação, salienta-se a Proteccionista, Ferramentista, Educação artística da Mídia, Mídia-Movimento de Alfabetização, entre outras. Essa última centra-se em métodos educativos na crítica da ideologia e análise das políticas de representação em dimensões cruciais de gênero, raça, classe e sexualidade; incorporando mídia alternativa à produção; e expandindo a análise textual para incluir questões de contexto e controle social. Diante dessas dinâmicas a Media Literacy encontra-se em um alto grau de desenvolvimento científico, organizacional, legislativo e aplicativo. Em diversos países suas ementas são trabalhadas em sala de aula como disciplina regular do currículo formar, desde o ensino básico ao secundário.

No Fórum Mundial de Educação no ano de 2000 em Dacar, a Unesco liderou as comunidades internacionais de maneira a organizar as metas a serem cumpridas no plano de Educação para Todos.¹ A Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) tem como estrutura o Plano de Ação, o qual se configura em princípios, linhas de ação e objetivos acordados pela Declaração do Milênio, Consenso de Monterrey e pela Declaração de Joanesburgo.

As metas do Plano de Ação para 2015 trabalham pela inclusão, competitividade e acesso das TIC a partir da conexão entre as TIC e as aldeias, universidades, faculdades, escolas secundárias e primárias, centros científicos e de investigação, a população mundial a rádio e a televisão, o diálogo virtual entre governo central e regional, assim como da sociedade civil, com o objetivo de garantir que mais da metade da população mundial tenha acesso a TIC (especial atenção será dada às necessidades dos países em desenvolvimento, e em particular para os países, povos e grupos citados nos parágrafos 11-16 da Declaração de Princípios das normais internacionais de direitos humanos).

Salienta-se que os objetivos do Plano de Ação estão em contradição em relação entre desenvolvimento social e humano e o possibilidades de acesso, onde no detrimento de países com baixo índice de desenvolvimento está a correlação entre forças hegemônicas, principalmente advindas dos Estados as quais asseguram, na sua maioria a lógica da exclusão em prol do desenvolvimento social e humano concentrado.

Dos 46% dos lares do mundo com acesso à internet, 90% desses lares estão em países em desenvolvimento: Asia: 45, 7% – Europa: 19,2% – América Latina/Caribe: 10% – América do Norte 10,2% – Àfrica: 9,8% – Middle East 3,7% – Oceania/Austrália 0,9%.²

Diante dos dados e cenários de articulação social destacados posteriormente, questiona-se se sociedades com baixo índice de acesso à net e alto nível de desigualdade podem vir a atingir um maior nível de impacto na esfera pública, na formação crítica e Desenvolvimento Social e Humano individual e coletivo, do que em sociedades onde as atividades de Media Literacy que já se encontram fortalecidas?

A percepção da ambiguidade na utilização das TIC, tanto para o fortalecimento do poder hegemônico, quanto para a articulação dos movimentos de resistência, abrange a temática das redes sociais atribuindo a essas um valor de novas formas de controle, percebendo-se assim a Educomunicação um assunto indispensável para a participação cívica. Contudo, a distribuição desigual de Competências de Literacia dos Meios, pode levar a uma desigualdade de oportunidades já que as pesquisas demostram que políticas e estratégias nacionais MIL ter maior alcance e programas sustentáveis³ (UNESCO, 2013).

A partir da observação da organização da sociedade civil em movimentos de manifestação pública de protesto salienta-se a importância das aplicabilidades de uma Literacia Crítica dos Media como desenvolvimento de um projeto democrático de participação cívica e progresso social em prol do Desenvolvimento Social e Humano.

Para ilustrar esse argumento destaca-se as Manifestações de 2013 no Brasil, e o conflito entre a base central da REMANO e FADM, em Moçambique (África) no mesmo ano. Observa-se a utilização das redes sociais, diante das especificidades de monopólio da informação e baixo acesso a tecnologia digital podem repercutir de maneira mais efetiva na esfera pública.

No Brasil nota-se a importância das redes sociais, especificamente o Facebook o qual foi utilizado, ao que tudo indica, por essa ser uma das principais fontes de diálogo entre a sociedade civil, visto que o monopólio dos meios de comunicação no país resulta em um conteúdo informativo unilateral e tendencioso, como já comprovado por vertes de análise crítica do conteúdo e estruturas de produção, distribuição e consumo da mídia brasileira.

Já Moçambique situa-se no 124º lugar, de uma lista de 213 países catalogados pela ONU.4 A penetração da internet em Moçambique é de 4,3% dos 23 milhões de habitantes que a compõem. Existem em Moçambique 1011,185 usuários da internet; sendo 45.420 usuários da rede social Facebook, representando 0.2٪ de penetração desta ferramenta entre o total dos internautas moçambicanos.5

Como representação da contradição entre impacto da Media Literacy X Desenvolvimento Social e Humano, em movimento de orquestração contra o ataque repercutiu nesses 0,2% da população que do Facebook, suas manifestações extrapolaram a rede social e a televisão e forma-se um confronto nas ruas (esfera pública). Pois, segundo Raposo, das oportunidades que as redes sociais oferecem, estão a emergir em Moçambique, autênticos centros de cidadania virtual, nos quais cidadãos de vários estratos e níveis acadêmicos trocam informação sobre os diferentes aspectos do país. Assim, estes espaços virtuais se têm afirmado como referentes do debate intelectual, um pouco à margem dos cânones impostos a mídia tradicional pelos grupos de interesses e de pressão.6

Outro país a instigar esse tipo de análise é Cuba, a qual seria uma comunidade onde uma ação de Literacia dos Media adequado ao seu contexto político, econômico, social e cultural como potencialidades para um impacto relevante na esfera pública. A absorção teórico-metodológica absolve a corrente sociológica sobre o Desenvolvimento Social e Humano na perspectiva de um processo de mudanças estruturais trabalhado com base na privação de liberdades de forma dicotômica: baixo rendimento pode ser causa de analfabetismo, e não vice-versa. Nesse sentido percebe-se a Literacia Crítica do Media como fator agregado às especificidades das Liberdades fundamentais.

A inexistência de processos educativos e a alta desigualdade geralmente são intimamente relacionados, sendo o acesso desigual às novas tecnologias de informação e comunicação que se dá entre países dominantes e países emergentes e até mesmo entre zonas ricas e pobres destes últimos.

Demostrando que no contrassenso de teorias, conceitos, métodos de análise e índices sobre o Desenvolvimento Social os quais, na sua totalidade, informam que o acesso e utilização das TIC nas comunidades é proporcional ao seu nível de democracia e rentabilidades, no entanto, percebe-se que as redes sociais estão a estimular cada vez mais as comunidades a organizarem-se a tentar expor injustiças em todas as partes do mundo. Requerendo da Media Literacy uma mudança paradigmática das suas estratégias de ação e objetivos traçados, na necessidade de atualmente criar um foco de estudos em países com alto nível de desigualdade e baixo acesso as TIC.

_________________________________________________

¹ World Education Forum. Unesco. Disponível em: www.unesco.org/education/efa/wef_2000. Acesso em: 20 fev. 2015.

² Internet World Stats. Distribution by Word Regions. Dipsonível em: http://www.internetworldstats.com/images/world2014pie.png. Acesso em: 20 fev. 2014.

³ Media and information literacy: policy and strategy guidelines.

COWEN, Robert; CAZAMIAS, Andreas M.; Unterhalter, Eliane. Educação Comparada: panorama internacional e perspectivas, Unesco, 2014.

Moçambique posiciona-se nos últimos lugares do “ranking” de uso e acesso às tecnologias de informação e comunicação. Observatório dos Países de Lingua Oficial Portuguesa (OPLOP), Universidade Federal Fluminense. Disponível em: http://www.oplop.uff.br/boletim/690/mocambique-posiciona-se-nos-ultimos-lugares-do-ranking-de-uso-acesso-tecnologias-de-informacao-comunicacao. Acesso em: 3 mar. 2015.

RAPOSO; Egídio G. Vaz. A contribuição das redes sociais na formação da cidadania crítica em Moçambique. Centro de Estudos e promoção da cidadania, direitos humanos e meio ambiente (CODD), 2013. Disponível em: <http://egidiovaz.files.wordpress.com/2013/12/a-contribuic3a7c3a3o-das-redes-sociais-par-a-formac3a7c3a3o-da-cidadania-critica-em-moc3a7ambique1.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015.

* Paola Madeira Nazário é jornalista e Publicitária, Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e doutoranda Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade (CESC), da Universidade do Minho-Portugal. Bolsista CAPES de Doutorado Pleno no Exterior.

O cinema global e os dez anos da Convenção da Diversidade Cultural

capa_site_diversidade1Por Daniele Canedo*

Em outubro de 2015, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, a chamada Convenção da Diversidade Cultural, completa dez anos de existência. Adotada durante a 33a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a criação do documento foi motivada, principalmente, por desacordos internacionais envolvendo o comércio de filmes no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). De um lado, países liderados pela França, pelo Canadá e, posteriormente, pelo Brasil, defendiam barreiras comerciais à entrada de filmes em seus territórios e o direito a financiar a cinematografia nacional. Esses países alegavam que era preciso proteger a diversidade cultural contra a mercantilização e a homogeneização da cultura. Do outro lado, os Estados Unidos defendiam a submissão do cinema às mesmas leis que regem o comércio internacional. Essa posição representava, sobretudo, a liberalização do comércio e a limitação da atuação dos Estados enquanto financiadores das cinematografias nacionais. A peleja levou a Unesco a promover uma ampla discussão que resultou na adoção da Convenção, com a aprovação de 148 países.

Desde então, a diversidade cultural foi incluída nos discursos públicos, substituindo a ênfase anterior na questão da identidade cultural. As políticas passaram a ser justificadas como ações de resistência à homogeneização, que afeta o direito ao acesso e ao fazer cultural. A Convenção garante o direito das nações a realizar iniciativas de fomento ao cinema. Mais do que isso, motiva a realização de parcerias internacionais contra a hegemonia de Hollywood. Todavia, o desafio está no fato de que a política cinematográfica deve conciliar interesses privados, relativos ao modelo de negócio capitalista, e o interesse público, sob o viés da defesa dos direitos culturais. A Convenção não tem caráter mandatório ou valor legal no âmbito da OMC. Cabe às nações fazerem referência aos preceitos da diversidade cultural ao negociarem no âmbito internacional. Até 2015, o documento foi ratificado por 138 países e pela União Europeia. Estados Unidos, Japão e Israel não assinaram e mantêm uma posição liberal em relação ao comércio audiovisual. Portanto, a Convenção da Diversidade Cultural não é, por si só, uma garantia de democratização do cinema global.

Essa fragilidade pode ser exemplificada pela polêmica ocorrida em 2013 durante as negociações entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos do chamado “maior acordo de livre-comércio do mundo”. Durante as reuniões do G8 daquele ano, a França defendeu a posição de que o cinema deveria ser excluído do acordo comercial com o objetivo de proteger a diversidade cultural da Europa. A posição francesa refletia a petição “A exceção cultural não é negociável” assinada por sete mil cineastas europeus, incluindo diversos profissionais renomados, e entregue à Comissão Europeia em abril de 2013 (LA PETITION.BE, 2013). Com a pressão social, o cinema foi excluído do pacote das negociações comerciais UE-EUA, porém com a ressalva de que o assunto poderá voltar a ser discutido posteriormente. 

É fato que a tecnologia, a globalização e outros fatores políticos, ideológicos e econômicos tem motivado a reestruturação do segmento audiovisual mundial em oposição à avassaladora hegemonia de Hollywood. É possível identificar diversos movimentos de contra-fluxo, a exemplo do ressurgimento do cinema europeu, do crescimento da produção na América Latina e dos casos da Índia e da Nigéria, que inovaram o negócio cinematográfico. Todavia, estes fluxos ainda não foram capazes de alterar significativamente o panorama de concentração na distribuição do cinema global. Embora a produção nacional de filmes esteja crescendo, esse acréscimo produtivo ainda não impacta na ampliação da circulação nacional, transnacional e global de conteúdos; e também não representa mais espaço nas salas de exibição e, consequentemente, maior audiência.

O sistema montado pelas corporações de Hollywood controla os espaços de exibição e os canais de distribuição, impondo pacotes e ocupando a maior parte das salas, o que gera distorções no acesso aos bens audiovisuais. Os indicadores de mercado do cinema global ressaltam a homogeneização da oferta nas salas de cinema. Adicionalmente, antes mesmo do filme chegar às salas de exibição, uma ampla estratégia de promoção baseada no star system midiático ocupa programas de televisão, revistas, websites e redes sociais de modo a atrair o interesse do espectador. Disputar espaço em salas comerciais com as produções hegemônicas, de Hollywood ou da Globo Filmes, por exemplo, é uma briga difícil para qualquer obra não produzida e/ou distribuída no sistema comercial hegemônico. Sobra pouco espaço para a experimentação artística e para modelos comerciais alternativos e inovadores.

A ampliação da produção em diversos países certamente é fruto de políticas audiovisuais executadas na última década. Agora, é preciso garantir os meios de difusão e circulação dos conteúdos produzidos. Ampliar a audiência para filmes locais significa criar estratégias para abrir espaços alternativos e tradicionais de exibição e atrair novos e velhos públicos, aproveitando as novas tecnologias. A intervenção pública no setor deve levar em conta que as dimensões cultural, econômica e tecnológica do cinema são interdependentes.

Em junho de 2015, durante a 5ª Sessão Ordinária da Conferência das Partes, a Unesco elegeu 12 novos membros para o Comitê Intergovernamental: Alemanha, Brasil, Costa do Marfim, Eslováquia, França, Indonésia, Marrocos, Nigéria, Paraguai, Peru, República Checa e República Democrática do Congo. Nos próximos quatro anos, tais países devem discutir a implementação da Convenção da Diversidade Cultural, ressaltando a ampliação do Fundo Internacional para a Diversidade Cultural e o impacto das novas tecnologias para a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços culturais. Para os gestores desta nova fase, lembramos que o quadro global de desigualdades de oportunidades na produção e exibição de filmes justifica a demanda pela intervenção dos poderes públicos enquanto promotores de políticas. É urgente que os Estados promovam políticas para a defesa da diversidade cultural que garantam os direitos civis de acesso aos meios de produção e a uma diversificada gama de conteúdos. Sobretudo, ressaltamos o terceiro princípio da Convenção da Diversidade que enfatiza como a cooperação internacional pode representar novas possibilidades para a sustentabilidade do cinema local.

* Daniele Canedo é professora do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (Cecult) da Universidade Federal do Recôncavo do Bahia (UFRB). Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), doutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia e doutora em Mídia e Estudos da Comunicação (Doctor in Media and Communication Studies) pela Vrije Universiteit Brussel.  E-mail: danielecanedo@ufrb.edu.br.

Considerações sobre o Pan na TV brasileira

record-define-a-equipe-que-vai-cobrir-os-jogos-pan-americanos-2015

Por Anderson David Gomes dos Santos*

Estamos na reta final de mais uma edição de Jogos Pan-Americanos. Em meio a uma série de medalhas brasileiras, num evento níveis abaixo dos Jogos Olímpicos de Verão, temos outra exceção à regra quando tratamos de direitos de transmissão em TV aberta no Brasil, pois a exclusividade aqui não é da Rede Globo, e sim da Rede Record.

O Pan-Americano veio na onda de tentativas de disputa por parte da emissora de Edir Macedo, que resolveu ser concorrente neste mercado a partir de 2006. Se nos torneios nacionais de futebol pouco conseguiu – e ainda assim apenas por alguns anos, caso da UEFA Champions League –, os eventos esportivos gerais ficaram por mais tempo, causando problemas ao Globo Esportes, braço do Grupo Globo responsável por isso, pois a direção vira certo menosprezo ao que a Record poderia oferecer, tendo em vista que as barreiras com as instituições olímpicas não são tão fortes quanto às firmadas com as confederações de futebol.

Acompanhamos o processo de transmissões por gosto, já que em 2010 ainda não pesquisava esportes, e por obrigação do ofício a partir de então. Vancouver representou uma surpresa porque a Record deu uma cobertura de Olimpíadas para o torneio de esportes de inverno, a maioria pouco conhecidos no Brasil, tendo sucesso aproveitando as tardes, horário ainda hoje de grande problema para encaixar um programa. Em compensação, 2012 marcou certa decepção aos telespectadores, pela manutenção da grade de programação em detrimento ao principal torneio esportivo do mundo, realizado aquele ano em Londres. Oficialmente no 12º de seus 17 dias (mais três antes da abertura para os jogos de polo aquático), não se leu até agora notícias de que a emissora paulista tenha conseguido números relevantes, como nos dois eventos anteriores.

Toronto 2015

Verificando o calendário de programação, o susto ao ver no site do grupo, o R7, que nenhum evento seria transmitido pela Record, apenas pela Record News, no último domingo (20). Só à noite é que, zapeando pelo Domingo Espetacular, soube que uma partida do futebol feminino seria exibida. Muito pouco para um dia em que a Globo tem Esporte Espetacular pela manhã e jogo à tarde. Com a Band com programa esportivo pré e pós-jogo e até a TV Brasil tem jogo no início da noite e dois programas esportivos, no início da tarde e após a partida da Série C.

A título de comparação, o domingo anterior na Record foi preenchido do final da manhã à tarde com programação do Pan, entre apresentações da ginástica artística, saltos ornamentais, as finais do judô e uma partida de futebol masculino no final da noite. De muito a quase nada em uma semana, mantendo a programação de domingo marcada por Geraldo Luís e Rodrigo Faro.

Segundo o narrador da partida que o Brasil empatou com o Panamá por 3 a 3 no futebol masculino, dia 20, seriam 40 horas alcançadas até ali, em 10 dias de competição, uma média de 4 horas por dia, que imagino que seria tranquila de encaixar na grade diária da Globo, o que é um prejuízo para o apaixonado por esportes, que vê nestes eventos de duas semanas uma representação do paraíso.

Dos esportes coletivos, além do espaço tradicional ao futebol, em suas duas modalidades, privilégio também às seleções de vôlei de quadra. Em compensação, quase nada ao vivo do vôlei de praia, de importantes resultados desde a década de 1990, e menos ainda do basquete feminino, que se encerrou na segunda-feira (20).

É importante a Record lembrar ainda que se em 2012 a concorrência fora com o Sportv, com direito a Galvão Bueno cedido para a narração, os Jogos Olímpicos de Verão Rio 2016 terão transmissão também de Globo e Band. O Pan de Toronto é fundamental para estabelecer a emissora como canal dos esportes olímpicos – não a subsidiária Record News, que funciona em UHF.

Do que pude acompanhar, em meio a atividades de pesquisa e da construção de uma (necessária) greve docente¹, a primeira percepção é certa falta de costume em transmissões esportivas. Ainda que sejam feitos uma série de testes antes, a falta de um maior cardápio de transmissão esportivas entre eventos prejudica uma melhor prática e entrosamento entre narradores e comentaristas – para além da visível falta de tato com os esportes de quem foi escolhido pela Organização Deportiva Pan-Americana (Odepa) para gerar as imagens do torneio, com direito a momentos sem abertura de sinal e erros de cortes. Análise mais empírica e individual que científica.

É importante frisar que aí pesam as barreiras de mercado estabelecidas pela líder, que detém os direitos de exibição de vários esportes, seja pelo Esporte Espetacular ou pelo seu canal de TV fechada, ainda que simplesmente para que nenhuma concorrente transmita o torneio – com raras exceções, como foi o Mundial de Handebol feminino conquistado pelo Brasil em 2013 que, por desinteresse, foi transmitido de forma exclusiva pelo Esporte Interativo, que perderia os direitos do mundial de 2015 para o Sportv.

Sobre a Globo, ao contrário de 2012, em que chegou a exibir imagens olímpicas mesmo sem adquirir os direitos de transmissão, a emissora manteve a decisão de não pedir o repasse dos vídeos da concorrente, que viriam com a logomarca dela, optando por fotos. Em termos de relato, além de cobrir a locução com as fotografias, um aposta nas histórias dos vencedores – há 3 anos, os patrocinadores dos atletas pediam para que eles saíssem da vila olímpica para as entrevistas com a líder do mercado nacional de TV.

Neste quesito, interessante notar que o modelo usado não é o do que eu chamado de “jornalismo ousadia e alegria”, marca do recém saído do jornalismo esportivo Thiago Leifert em São Paulo, mas algo que busca algum elemento da história de vida do atleta para indicar algum tipo de superação, trazendo o “mito” dos esportes lado a lado dos homens e mulheres que veem a matéria. Algo que, por sinal, eu gosto.

2015 é ainda mais importante porque deve ser o da licitação para o próximo ciclo olímpico, marcado pelos Jogos de Inverno de Pyeongchang (Coreia do Sul), em 2018, e os Jogos de Verão de Tóquio (Japão), dois anos depois. O Comitê Olímpico Internacional considera a maior oferta, mas também as condições de transmissão, como a maior presença do conteúdo olímpico na programação.

Resta acompanhar os demais dias de competição, não acreditando tanto na “programação na TV” do R7 – que nada aponta na Record para a quarta-feira (22), por exemplo – e esperar pelas exibição tripla em 2016, algo difícil de ocorrer nos anos 2000 pela TV aberta no Brasil.

——–

¹ Como não é necessariamente posicionamento do Grupo CEPOS ou do Portal EPTIC, ainda que as colunas sejam assinadas de maneira individual, exponho em nota o repúdio ao corte de R$ 9,4 bilhões da educação, com cortes severos em várias esferas das universidades federais (das bolsas de pesquisa de IC às verbas de custeio de PPGs). Admitindo a evolução nos últimos 13 anos – ainda que trabalhando numa unidade de campus do interior que há 5 anos espera por um prédio próprio –, a “Pátria Educadora” corta dos setores fundamentais para aumentar em R$ 300 bilhões (1,3 trilhão, no total) o valor pago como juros da dívida (o famoso, mas pouco explicado, superávit primário), além de vender títulos da União para manter o pagamento para as universidades privadas, em ritmo de forte concentração internacional do mercado, via Fies.

* Anderson Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), jornalista graduado em Comunicação Social pela UFAL e mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS).

Janela ainda aberta? A democratização das comunicações no segundo governo Dilma

democratizacao-das-comunicacoes

Por Paulo Victor Melo*

Afirmei, num artigo publicado em dezembro do ano passado no Portal Eptic, que o segundo governo Dilma se iniciaria com uma nova janela de oportunidades para a democratização das comunicações. A afirmação era parte de uma avaliação do cenário político daquele momento, mais precisamente a partir da análise de uma conjunção dos seguintes fatores: declarações da então candidata à reeleição defendendo publicamente a regulação econômica da mídia, durante debates entre os presidenciáveis e em entrevista a blogueiros; nova defesa do tema em uma das primeiras entrevistas de TV após a vitória eleitoral; movimentações do PT – que na primeira reunião do seu Diretório Nacional após a reeleição de Dilma definiu o marco regulatório das comunicações como uma das prioridades do novo governo – e do ex-presidente Lula, que em diversos eventos públicos pautou o tema.

A nomeação de Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações (Minicom), a sua conhecida experiência no diálogo com o Congresso Nacional – etapa fundamental num processo de construção e aprovação de um novo marco regulatório que garanta diversidade e pluralismo ao setor das comunicações – e as suas primeiras manifestações públicas sinalizavam que, diferente dos primeiros quatro anos do Governo Dilma e dos oito anos do Governo Lula, a democratização das comunicações estaria, enfim, no centro da ação política concreta do Governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores.

Já na sua cerimônia de posse no Minicom, em 2 de janeiro, Berzoini demonstrou conhecimento sobre o terreno que estava adentrando e defendeu participação social no processo de democratização das comunicações:

todos os setores da economia brasileira que têm impacto grande do ponto de vista social, do ponto de vista democrático e do ponto de vista econômico têm seus mecanismos regulatórios. Então é importante também abrirmos um debate muito fraterno e transparente para que a população brasileira com as suas representações empresariais, sindicais, sociais, possam debater com muita profundidade, com muita democracia, o que significam as comunicações em geral no Brasil, especialmente as comunicações que são objeto de concessão pública.

Na mesma oportunidade, Berzoini sinalizou inclusive por onde, em sua opinião, poderia começar o processo de regulação do setor. “A população brasileira já tem direitos constitucionais assegurados que dependem de regulamentação. Então regulamentar esses três artigos é uma das formas de nós podermos avançar na liberdade de expressão, na democratização da comunicação no Brasil”, disse, fazendo referência aos artigos 220, 221 e 223 da Constituição de 1988.

Em outros momentos – em pronunciamento no Congresso Nacional, durante reunião com integrantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e até mesmo em eventos empresariais – o ministro Berzoini não apenas reafirmou a defesa da regulação democrática do setor como também anunciou que o Governo tinha como pretensão estabelecer o mês de março para início do debate público sobre o novo marco regulatório.

Porém se, por um lado, os discursos de Berzoini apontam uma posição clara sobre a necessidade da democratização dos meios de comunicação para a democratização do país e uma disposição em avançar na discussão sobre o tema, por outro, é fato que nesses seis primeiros meses da atual gestão do Ministério das Comunicações as declarações e disposição não se converteram até aqui em medidas efetivas. Nem mesmo o anunciado debate público foi disparado.

Pelo contrário. Os discursos pró-regulação já não são tão constantes assim e a posição pública de Berzoini parece, a cada dia, minoritária (para não dizer isolada) dentro do Governo. Até mesmo a presidenta Dilma declarou em abril deste ano que “não havia conjuntura para pautar este tema agora” e demonstrou desconhecimento sobre a agenda do movimento pela democratização das comunicações. Questionada sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática – principal instrumento de ação política do movimento no país – disse: “não sei como é, nunca vi mais gordo, mas pode ser uma boa alternativa”.

Fato também é que a conjuntura mudou bastante desde o início do governo. A ausência de correspondência entre o programa defendido por Dilma no segundo turno e o que está sendo implementado, especialmente na política econômica e no que diz respeito a direitos dos trabalhadores; o crescente conservadorismo e antipetismo nas ruas, nas redes e nas instituições, que só se ampliou após o período eleitoral; a força política do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que tem estabelecido uma agenda conservadora e uma postura anti-democrática no Congresso Nacional e que, inclusive, já manifestou a sua contrariedade à regulação da mídia e afirmou que não “aceitará” nem mesmo discutir o tema, são fatores que sinalizam para um possível novo adiamento do debate público sobre o marco regulatório das comunicações.

Nesse sentido, concluído o primeiro semestre do segundo governo Dilma, é difícil crer que as expectativas geradas pelas primeiras declarações do ministro Ricardo Berzoini no que diz respeito a um novo marco regulatório para as comunicações sejam atendidas e, assim, o setor de rádio e televisão no Brasil permanecerão com um marco legal formulado há mais de cinco décadas, em 1962, às vésperas do golpe militar de 1964.

Ainda assim, caso queira manter aberta a janela do compromisso com a democratização das comunicações, o Governo pode assumir, nesse momento, uma agenda de curto prazo, que inclui medidas possíveis de serem adotadas pelo Ministério das Comunicações sem a necessidade de aprovação no Congresso Nacional, como o combate ao controle de emissoras por políticos, o fortalecimento do sistema público, a responsabilização das emissoras por violações de direitos humanos, a redistribuição das verbas publicitárias e a garantia do respeito aos limites da concentração de propriedade já existentes, dentre outras.

As oportunidades estão colocadas. Aguardemos para ver se, com a janela aberta, os bons ventos democratizadores da comunicação que sopram em vizinhos latinoamericanos chegam por aqui.

*Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe, doutorando em Comunicação e Política na Universidade Federal da Bahia e integrante do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), vinculado à Rede Eptic.

Audiência e mediação: tudo junto e misturado no programa Esquenta!

Esquenta_2011Por Bruna Távora*

O ano de 1995 definiu uma nova configuração para o mercado brasileiro de televisão aberta, pois é quando se expande o mercado de TV segmentada, popularizando o acesso à multiplicidade de canais da TV por assinatura. Isto provocou a migração do público com maior capacidade econômica para essa última, alterando o perfil da programação da TV aberta, que se volta para uma perspectiva de caráter popular.

Assim, a constituição da programação das emissoras em geral, e da TV Globo em específico, percebe-se um aumento na visibilidade dos setores populares, o que vem gerando diversas perspectivas de abordagem, e cujo programa dominical Esquenta! foi/é um exemplo. Gerador de opiniões controversas, o Esquenta! ora é ovacionado pelas pesquisas em cultura, que afirmam seu lugar de portador de diferenças em meio a uma programação encharcada do sangue dos programas policialescos e das migalhas do assistencialismo social de programas tipo Caldeirão do Huck, ora é rechaçado pelos setores mais conservadores que não lidam bem com a presença de trabalhadores culturais negros e de origem pobre que protagonizam a atração do domingo.

Nossa perspectiva aqui em questão não se associa às tendências acima citadas, e buscou uma interpretação para explicar esse perfil de programação sob a perspectiva da Economia Política da Comunicação e da Cultura (EPC).

As mudanças

Além da diversificação tecnológica dos meios de distribuição do conteúdo, deve-se destacar que a chegada dos anos 2000 e do governo Lula também cumpriram um papel importante no interesse dos anunciantes por esse setor da população, o que possibilitou o investimento no programa aqui mencionado. A ampliação das políticas de transferência de renda permitiam a implementação limitada do consumo dos setores populares aumentando o poder de compra desta audiência, principalmente no que toca aos bens domésticos, eletrônicos e de varejo. A partir de então, se observa que “a visibilidade dos pobres se fez notar com muita força no cinema, na TV e na música, tanto na produção sustentada pelo mercado quanto nas políticas culturais do governo federal” (ROCHA, 2013, p. 572).

Já em 2009, o diretor-geral da emissora à época, Octavio Floribal, concedeu entrevista ao jornalista Maurício Stycer confirmando o cenário apresentando e justificando que as modificações na programação partiram da necessidade da TV em se direcionar para a emergente “classe C”, destacando que a grade ficaria “um pouco mais popular, sim, mas sem perder qualidade”.

As classes C, D e E têm mais presença, mais opinião. Eles ascenderam. Têm um jeito próprio de ser. Você tem que atendê-los melhor. Eles têm que estar mais bem representados e identificados na dramaturgia, no jornalismo. Antes, você fazia uma coisa mais geral. Hoje, não. Esta discussão está presente na Rede Globo. E todos nós estamos, de uma maneira geral, aprendendo.¹

Para preservar a capacidade de inserção e legitimação entre o público que compõe esta audiência, a empresa vem implementando novas estratégias de mercado na TV de massa, cujo objetivo é reacomodar a programação para atender a esse perfil do público. Ou seja, a programação passará a voltar-se, crescentemente, para a faixa de audiência popular, setor que até esse momento contava como número, mas importava menos da perspectiva dos anunciantes, visto sua baixa capacidade de compra.

Do ponto de vista econômico, desde o Plano Real, os segmentos do mercado situados mais abaixo na pirâmide passaram a contar decisivamente para as empresas, provocando uma corrida por este tipo de audiência na TV e no setor publicitário, processo intensificado no começo do século XXI pelo aumento dos níveis de emprego, do valor do salário mínimo e pelas políticas sociais (ROCHA, 2013, p. 572).

A inclusão pelo consumo levou a um aumento do interesse pelo segmento de mercado constituído por esse setor populacional ampliando, graças ao incremento limitado de sua capacidade de compra, sua importância na dinamização das vendas. Assim, com novas estratégias de marketing, os anunciantes passam a investir no “fenômeno da nova classe C”. Com as modificações, uma fatia do mercado passa a se interessar por esse público, o que exige modificações na programação das mídias massivas que veiculam a publicidade financiadora das emissoras. Assim, a TV Globo na fase da multiplicidade da oferta (BRITTOS, 2001) se voltará para a constituição de uma programação orientada para essa “nova classe média”, visando preservar sua posição no mercado.

Para implementar essa estratégia de mudança da programação, será necessária uma renovação e diferenciação do padrão tecnoestético consolidado. Deste modo, uma série de experimentos encabeçados principalmente pelo setor experimental da emissora, o Núcleo Guel Arraes (Central da Periferia, Palace II, Muvuca, dentre outros), apresentam como síntese o Esquenta!. Também tanto o jornalismo, quanto as telenovelas ganham ares diferenciados, buscando o diálogo com este setor populacional. Na “faixa nobre” (19h – 22h), a estratégia diante dessa nova “classe média” teve início no ano de 2012, com o lançamento das novelas Cheias de Charme e Avenida Brasil. Embora os experimentos voltados para atingir esse setor da população já vinham sendo implementados desde, pelo menos, o lançamento do filme Cidade de Deus (2002), que tem em seu elenco trabalhadores culturais das periferias, é na programação das telenovelas que a estratégia se faz notar.

De um modo geral, no mercado televisivo, a programação que se volta para os setores de menor faixa de renda apresenta um mau gosto estético concentrado em reality shows, programas de auditório ou jornalismo policialesco, com exacerbação de imagens que exploram a violência social, as mazelas da vida privada e a precariedade dos sistemas públicos de assistência, privilegiando a “tragédia e a pobreza dos mais desassistidos que são abordadas como show, sob o manto da prestação de serviços” (BRITTOS, 2001, p. 288).

Justificado ainda pela desculpa “de que o povo gosta”, a real explicação é aquela já sabida e óbvia: esse tipo de programação é implementada não pelo gosto da população (visto sua grande heterogeneidade) mas pela necessidade de baixar custos e produzir conteúdo sem contratos de trabalho, com não-atores e em esquemas flexíveis. Embora esse tipo de programação garanta o corte dos gastos com a produção televisiva, sua implementação generalizada interferiria diretamente no padrão tecnoestético da TV Globo, desafiando suas barreiras à entrada “erguidas tendo em vista públicos massivos, mas sem privilegiar o popularesco” (idem, p.288).

Além disso, mostram-se pouco funcionais às estratégias do capital que, em seu conjunto, devem dinamizar discursos sobre o trabalho que se voltam para “valorização do trabalhador” (FRIGOTTO, 2010, p. 160), buscando sua integração a um mercado de trabalho demandante de habilidades como empreendedorismo e criatividade. Algo inversamente operado pelo conjunto do padrão popularesco, que tende à humilhação e à apresentação das mazelas sociais e dos dramas pessoais, mas muito bem realizado por programas tipo Esquenta!, cujo roteiro sempre enfatiza as habilidades criativas e os casos particulares de membros da periferia que ascenderam socialmente, numa espécie de pedagogia para o “novo” mundo do trabalho. Este, que por não poder mais garantir condições mínimas de inserção profissional, passa a demandar novas habilidades profissionais, cuja criatividade e cultura são motes largamente apropriados, seja pelos discursos do empreendedorismo cultural, seja pelas políticas estatais da economia criativa.

É nesse sentido, que na perspectiva da EPC, os produtos culturais tipo Esquenta! cumprem duas funções principais: dialogar com os setores populares e fidelizar a audiência para garantir o financiamento da programação da TV aberta e também atuar na mediação dos discursos do capital para o trabalho (BOLAÑO, 2012; BRAGA, 2015), criando as condições para uma integração desse setor populacional à dinâmica do sistema econômico. Para que a mediação entre a empresa e a sua audiência se efetive, evidentemente, sua programação não pode orbitar em elementos vexatórios e humilhantes, mas terá sim que projetar seus referenciais culturais e seus valores.

É nesse contexto que o funk, o samba, o hip-hop e diversos outros referenciais culturais das periferias que já se viabilizavam economicamente, e já movimentavam economias em seus locais de origem, são incorporados, contratados e apropriados pela emissora servindo de matéria-prima para suas produções. Além disso, a estratégia crescente é a contratação de trabalhadores culturais desse extrato populacional, o que possibilita a incorporação de suas aprendizagens e suas temáticas, e garante o desenvolvimento, em menor tempo e a um menor custo, de uma programação voltada para esta audiência.

Assim, revestida de um senso ideológico, que, ao final, busca associar o papel da emissora como uma espécie de merchandising social e serviço público, a programação se reorganiza para atender a uma nova fisionomia mercadológica que, por fim, atende a essas duas demandas do capital: dinamizar o mercado consumidor e o investimento dos anunciantes da emissora e contribuir para a preparação de uma mão de obra profissional para o setor de serviços e empreendedorismo. Mesmo sem abrir mão das formas populares como no caso dos reality shows e de programas do tipo Zorra Total, a reorganização da programação da Globo evitará a exploração dessas formas, procurando assim desenvolver programas inovadores, voltados para “a classe C”, sem, contudo, afastar-se muito do auto-denominado “Padrão Globo de Qualidade”.

Essa mudança será amparada por temáticas relacionadas à diversidade cultural que marca a lógica cultural do capitalismo em sua fase atual explorando temas como a diferença, o multiculturalismo e, especificamente a “mistura”, no caso aqui estudado. É essa a explicação aqui sugerida para entender porque a emissora passa a implementar programas voltados paras as faixas populares que apresentam como matéria-prima a diversidade cultural da população em uma perspectiva de visibilidade afirmativa (ROCHA, 2008) e cujo Esquenta! é apenas um dos exemplos.

Referenciais citados

BOLAÑO, César. Campo Aberto. Mimeo. 2012

BRAGA, William Dias. Novas identidades para o novo mundo do trabalho através da Cultura: o velho mantra do capitalismo revisitado. Eptic Online – Revista Electrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. ISSN 1518-2487. Vol. XVII, n.1. Jan.–Abr. 2015.

BRITTOS, Valério. Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão por assinatura e expansão transnacional. Tese de doutorado, UFBA, 2001

ROCHA, Maria Eduarda. O Núcleo Guel Arraes e a reconstrução da Imagem da TV Globo; Guel Arraes: leitura social de uma biografia. In: FECHINE, Yvana. FIGUEROA, Alexandre (Orgs). Guel Arraes. Um inventor no audiovisual brasileiro. Recife: Ed. CEPE, 2008

_______. Em busca de um ponto cego: notas sobre a sociologia da cultura no Brasil e a diluição da mídia como objeto sociológico. Revista Sociedade e Estado. Vol. 26, n. 3, Set.-Dez. 2013.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São. Paulo: Ed. Cortez, 2010

1 Entrevista concedida ao jornalista Maurício Stycer, disponível em http://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/05/09/globo-muda-programacao-para-atender-a-nova-classe-c.jhtm. Acesso em 20/11/2014.

* Bruna Távora é professora substitua do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e mestre em Comunicação e Sociedade pela UFS e membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS).

Na tevê e nas ruas, gatilho contra jovens negros é disparado todo dia

Foto: Alese

Foto: Alese

Por Ana Carolina Westrup¹²

Neste momento em que se discute o aumento da violência e possíveis soluções para enfrentar esse cenário, uma importante publicação traz à tona informações que elucidam quem são as reais vítimas das mortes violentas e em quais circunstâncias esses fatos ocorrem.

Lançado no dia 14 de maio, o Mapa da Violência no Brasil 2015: mortes matadas por armas de fogo traduz a cruel realidade escondida como migalha embaixo do tapete, longe das reuniões de pauta dos grandes meios de comunicação: o crescimento do número de mortes por armas de fogo na população em geral e, de forma alarmante, da juventude brasileira entre 15 a 29 anos, sobretudo quando se trata de pessoas negras.

Segundo a pesquisa, a arma de fogo mata quase cinco pessoas por hora, no Brasil. Apenas em 2012, foram 42,4 mil pessoas vítimas de homicídios, suicídios ou acidentes. Coordenado pelas Secretarias da Juventude da Presidência da República e da Igualdade Racial, em cooperação com a Unesco e com apoio da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) e do Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos (Cebela), o mapa é desenvolvido desde 1998 com o objetivo de contribuir com dados sobre as formas de violência.

Atualizado, ela agora disponibiliza um panorama geral sobre a incidência de morte violenta nas diferentes regiões do país, com recortes de gênero, raça e faixa etária, até o ano de 2012.

O estudo aponta o crescimento de 556% no número de homicídios provocados por arma de fogo na população total, entre 1980 a 2012, sendo a juventude a maior vítima desse aumento, passando de 4,5 mil vítimas no ano de 1980 para 24.882 em 2012.

Outra situação reveladora está relacionada às taxas de mortalidade por arma de fogo, quando analisada a faixa etária entre 0 a 70 anos. O maior número de vitimização se dá, justamente, nas idades de 17, 18, 19 e 20 anos, tendo como pico os 19 anos de idade, com quase 63 mortes para 100 mil jovens, sendo 95% do sexo masculino.

Aterrorizadores, os números destacam a existência de um recorte racial claro. Enquanto as taxas de homicídios de brancos por armas de fogo caíram de 14,5 para 11,8 em 100 mil brancos no período analisado, as taxas de homicídios de negros aumentaram de 24,9 para 28,5.

O mesmo ocorre com o público feminino, em que as taxas de mulheres brancas vítimas caem 18,7% e as negras aumentam 14,1%. Também no caso das mulheres, a incidência de 95% dos casos recai sobre as jovens.

Em síntese, os números relatados no Mapa da Violência 2015 são claros no diagnóstico: a população jovem e negra é a maior vítima das mortes por armas de fogo, um cenário que não coincide com o que vemos, de forma sistemática, nos programas “policialescos” na grade de programação da TV aberta de todo o Brasil.

Basta assistirmos a cinco minutos de qualquer tipo de programa deste calibre – sem ser redundante – para termos a definição de cor, classe e faixa etária daqueles apontados como marginais e assassinos.

Não é difícil ouvir um discurso como o propagado por um programa em Fortaleza, capital do Ceará, ainda em 2011: “três bandidos armados, entre eles um pivete com um 38, mataram um policial rodoviário que ia ser pai dentro de poucos dias. O que fazer com esses bandidos? Hotel e três refeições por dia? Não precisa prender, é só cegar, principalmente o menor. Duvido que ele mate mais alguém”.

Ou mesmo o conhecido caso da repórter do Brasil Urgente, veiculado na TV Bandeirante da Bahia, em 2014, que, entre outras coisas, constrange um jovem negro, acusado de ter praticado estupro, que é condenado, ao vivo, sem direito a julgamento e, ainda por cima, em meio a uma série de humilhações.

São os programas policialescos responsáveis por reproduzir os jargões mais preconceituosos que acabam entrando no gosto popular, virando piadas e formas de abordagem que não só reproduzem o preconceito, mas, de forma proposital, distorcem a realidade de violência que jovens negros e negras vivenciam diariamente.

São também os programas policialescos a mercadoria cada vez mais interessante para as empresas de comunicações, dado o nível de audiência alimentado pela abordagem sensacionalista. Isso, por si só, já explica a proliferação deste tipo de programação em todas as regiões do Brasil, com formato e horários praticamente iguais. A fórmula está pronta, basta aplicar e lucrar com ela.

Diante desse cenário, não é difícil termos, como fruto de programas “policialescos” e da mediação que constroem com o público, a pauta da redução da maioridade penal como uma das principais discussões envolvendo a juventude brasileira, ao invés de estarmos discutindo como aplacar a nítida seletividade de promoção da violência no Brasil. Ou seja, na televisão e nas ruas, a arma já está apontada para os jovens negros brasileiros. E o gatilho é disparado todo dia.

¹ Ana Carolina Westrup é integrante do Intervozes, jornalista, mestranda em Comunicação Social pela UFS e membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS).

² Texto publicado originalmente na Carta Capital.

A judicialização do jornalismo

Por Sergio Mattos¹²

Estamos atravessando um período em que o conceito de equilíbrio entre os Três Poderes, tal como concebido por Montesquieu em “O Espírito das Leis” está sendo posto em xeque, sofrendo alterações, devido ao fenômeno da Judicialização do Estado. Como diz Ricardo Kotscho

Com o enfraquecimento do Legislativo, dos partidos e das lideranças políticas, sindicais e empresarias, o Poder Judiciário foi aos poucos ocupando o espaço vazio para ordenar a vida nacional num processo que chegou ao auge no ano passado [2013] durante o julgamento do Mensalão, em que as leis vigentes passaram a ser apenas um detalhe. […] Depois da “politização do Judiciário”, chegou a vez da “judicialização da vida cotidiana”, como pudemos notar em vários fatos recentes nos quais, por qualquer motivo, as pendências na sociedade são encaminhas para os homens de toga decidirem sobre o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado (KOTSCHO, 2014).

Neste novo cenário, o Judiciário tem assumido um papel de agente político, ocupando espaços nas áreas de atuação do Legislativo e do Executivo, no sentido de atender às necessidades sociais cada vez mais diversificadas. O chamado Quarto Poder também tem sido atingido pelo processo de judicialização, tanto de forma direta como indireta, gerando conflitos entre o judiciário, a imprensa e os jornalistas, quando entra em jogo as ameaças à liberdade de imprensa por meio da indústria de liminares que tem crescido, impedindo a publicação de material jornalístico, constituindo-se em verdadeiros atos de censura judicial.

O processo de judicialização tem atingido a imprensa também no que concerne às rotinas de produção de conteúdos através da, já denominada por alguns, como a “Judicialização da pauta jornalística” que de certa forma tem valorizado mais o Judiciário do que os outros dois poderes. Quem está em evidência na mídia brasileira nos últimos anos é o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, os juízes e promotores que passaram a ser fontes diárias de matérias jornalísticas. Instituições como a OAB, advogados e juristas especializados nos mais diversos ramos do Direito passaram a ser fontes requisitadas ganhando cada vez mais espaço na mídia. No entanto, essa judicialização da pauta jornalística não eliminou os conflitos na relação entre o judiciário e a imprensa, muito pelo contrário. Isto porque existem os que afirmam que a mídia tenta influenciar as decisões da justiça com o peso da pressão da opinião pública e outros que se queixam da “censura jurídica”, apesar da Constituição vetar a censura (SILVEIRA, 2011).

A Constituição de 1988 assegura em seu artigo 5º, inciso XIV, o acesso à informação, resguardando-se o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional, entre outros dispositivos que também tratam da atividade da imprensa. Com relação à censura, a Carta de 1988 apresenta texto específico sobre comunicação social (capítulo V), em seu artigo 220, no qual afirma que a manifestação do pensamento não sofrerá nenhuma restrição e, nos parágrafos 1º e 2º, veda totalmente a censura, impedindo até mesmo a existência de dispositivos legal “que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social”.

Apesar dessas garantias, a nossa Constituição, segundo Nelson Jobim, então no exercício a presidência do Supremo Tribunal Federal, é de “absoluta obscuridade no que se refere a conflitos entre direitos individuais e direito à informação”, o que na interpretação de juristas, torna-se difícil lidar com essa questão no âmbito da lei quando esses direitos estiverem lado a lado em um mesmo processo, porque são incompatíveis e opostos (MATTOS, 2005). Diante disso surgem perguntas como as que o próprio ministro Nelson Jobim coloca: A liberdade de expressão sobrepõe-se aos direitos individuais? É possível compatibilizar os dois? Se não, algum deles sobrepõe-se ao outro?

Essas perguntas ainda estão sem respostas diretas, necessitando, segundo Jobim, de uma ampla discussão nacional “para resolver essa incompatibilidade, ou uma hierarquização desses dois direitos, e isso deve ser promovido pelos jornais, pois quem não cuida de si mesmo deixa os outros cuidarem”. Enquanto o debate nacional não esclarecer o conflito ficaremos a mercê de interpretações. A Constituição diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação” (MATTOS, 2005, p. 19-20).

O Código Civil, no artigo 20, diz que “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização de imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”.

O artigo 21 completa a possibilidade de censura por intermédio da Justiça: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Considerando essa brecha jurídica foi que, durante o I Encontro regional de Liberdade de Imprensa, realizado em São Paulo, no ano de 2005, os participantes concluíram que “os meios de comunicação devem estar permanentemente atentos para que a busca a notícia nos casos que envolvam a privacidade das pessoas não desqualifiquem o direito à informação. É preciso respeitar os limites do bom senso, mas esses limites devem ser definidos pela própria mídia”(Jornal ANJ, março 2005, p.11). Foi recomendado ainda que os veículos de comunicação devem estar atentos aos artigos do Código Civil que permitem, na prática, a censura prévia.

Além de todas estas particularidades, deve-se destacar outra, tão danosa quanto a censura policial ou judicial, que é a concentração da mídia nas mãos de uns poucos grupos. Esta concentração de propriedade tem crescido mais ainda diante da convergência tecnológica, favorecendo aos conglomerados exercerem o poder de seleção, para não dizermos de censura, sobre o que deve ou não ser divulgado. A mídia tem denunciado ameaças à liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que defende conceitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa, que numa análise mais apurada, podemos constatar que o que estão defendendo mesmo é a liberdade de empresa.

Apesar de a censura oficial, formal e regimental ter acabado com a promulgação da Constituição de 1988, continuam a existir variadas e novas formas que visam o controle do fluxo da informação e ou do seu conteúdo por meio da manipulação sutil da informação, quando a imprensa perde a capacidade de estabelecer diferenças e passa a trabalhar os fatos baseando-se em generalizações; por meio do constrangimento, da omissão (autocensura) e da indiferença, que a meu ver é a pior de todas as formas de censura porque pode ser praticada abertamente por qualquer pessoa física ou jurídica e independe de leis. Um dos principais problemas de censura enfrentados pela imprensa brasileira refere-se às decisões e interpretações da Justiça.

Desde 2009, quando a Lei de Imprensa foi extinta e a cassação do diploma de jornalista efetivada, como sendo resquícios da ditadura, que a prática do jornalismo ficou mais vulnerável, devido ao volume de ações ajuizadas contra jornalistas e seus veículos com o objetivo de intimidação. A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso IV reconhece a liberdade de pensamento como direito fundamental e assegura a plena liberdade de imprensa.

No entanto, a cada escândalo ou denúncia veiculada pela imprensa surgem inúmeras ações ajuizadas contra jornalistas e veículos de comunicação que resultam no impedimento da publicação de notícias sobre tal pessoa ou tal assunto, na retirada imediata dos conteúdos disponibilizados em plataforma digital (sites e blogs na internet), seguido da condenação da reportagem e de seu autor por crime e danos morais calúnia, injúria e difamação, inibindo a imprensa, disseminando a autocensura e subjugando os veículos economicamente mais frágeis.

É por isso que a censura e a judicialização da imprensa continua despertando as atenções dos pesquisadores, com a produção de estudos específicos e os debates em torno desses temas têm sido frequentes. As estatísticas são os fundamentos para esses estudos, debates e encontros.

Atualmente, 2015, qualquer pessoa hoje pode entrar com processos de qualquer natureza contra um jornal ou um jornalista na tentativa de intimidá-los.

Há alguns anos, a revista eletrônica Consultor Jurídico veiculou matérias abordando a assustadora judicialização da imprensa. Segundo o levantamento realizado pela ConJur, em 2007 havia praticamente uma ação para cada jornalista de um grande grupo de comunicação (3.133 processos para um universo de 3.237 profissionais que exerciam jornalismo nas princípios empresas de comunicação (FIDALGO,2014).

Apesar de inúmeras demandas contra a imprensa com o objetivo de intimidar e impedir a veiculação do noticiário, não se pode deixar de reconhecer que os Tribunais de Justiça têm corrigido a maioria dessas violações constitucionais e são poucos os processos deferidos. No entanto, devido ao descompasso entre a abertura do processo e a sua decisão final, o mal já foi feito, atingindo principalmente a figura do jornalista que intimidado pode adotar a partir daí a prática da autocensura.

Na Bahia, nos últimos anos temos acompanhado inúmeras tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa com o ajuizamento de inúmeras ações nas quais tentam processar apenas o jornalista como pessoa física, deixando muitas vezes a empresa de comunicação fora do processo, numa ação de intimidação para fazer calar o profissional e estimular a prática da autocensura. A título de exemplos citarei apenas dois casos. Um acontecido em 2008, quando só a Igreja Universal entrou com 35 ações contra o jornal A Tarde e contra um de seus repórteres, o jornalista Valmar Hupsel, em várias cidades brasileiras.

Outro caso, mais recente, ocorrido em 2014, quando empresários imobiliários da Bahia ajuizaram ações contra o jornalista de A Tarde, Aguirre Talento,em três varas distintas contra o mesmo profissional pelo fato dele ter denunciado que eles (os empresários) estavam destruindo o resto da Mata Atlântica de Salvador. O juiz da 15ª Vara Criminal acatou as acusações de calúnia, injúria e difamação contra Aguirre Talento, condenando-o à pena de seis meses e seis dias em regime aberto revertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de 10 salários mínimos para reparação dos danos causados. Considerando este fato como tentativa de intimidação, de atentado à liberdade de imprensa, jornalistas, reunidos em Maceió, em abril de 2014 aprovaram moção de repúdio apresentada pelo SINJORBA, da qual transcrevemos trecho a seguir:

Os jornalistas reunidos no 36º Congresso Nacional dos Jornalistas realizado em Maceió, Alagoas, manifestam veemente repúdio à sistemática perseguição que vem sendo empreendida por empresários do setor imobiliário baiano, que processam as pessoas físicas dos jornalistas baianos, sem processar a empresa A Tarde que publicou as reportagens sobre a destruição da Mata Atlântica em Salvador, nos últimos cinco anos. São alvo das ações os repórteres Biagio Talento, Regina Boschichio, Patrícia França, Vitor Rocha, Felipe Amorim, Aguirre Talento e Valmar Hupsel Filho, este alvo de uma ação civil com pedido de indenização de R$ 1 milhão (BLOG DE JADSON, 2014).

Estamos hoje (20/05/2015) aqui reunidos, neste 1º Encontro Justiça e Imprensa na Bahia, para discutir aspectos da relação entre a Justiça e a Imprensa, o que louvamos, parabenizando as instituições promotoras do evento, ABI, AMAB e SINJORBA, além dos profissionais envolvidos na organização do mesmo. No entanto, queremos deixar bem claro que somos contra todo e qualquer tipo de cerceamento da liberdade de expressão e da liberdade de informação, pois a censura é a ferramenta usada para defender os interesses políticos e econômicos do momento. A censura sempre foi usada para isso, para manter o status quo, dos interesses políticos e interesses econômicos.

A censura nunca foi defendida por ninguém de sã consciência, pois ela só interessa àqueles que carregam o espírito arrogante dos ditadores. A censura é um instrumento por meio do qual se pode manipular a realidade e, exatamente por isso, ela deve ser execrada.

Diante do exposto, o que não podemos aceitar, sem protestar, é a postura adotada por alguns juízes, que tem se arvorado como árbitro da liberdade de imprensa e por meio de liminares vem amordaçando a mídia e intimidando os profissionais.

———-
Notas

¹ Sérgio Mattos é professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Mattos é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) – onde é professor aposentado – e tem mestrado e doutorado em Comunicação pela University of Texas (EUA). Ele é membro do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS/UFS) e líder do grupo de pesquisa CEPOS-Capítulo Cachoeira (UFRB).

² Texto apresentado durante o 1º Encontro Justiça e Imprensa na Bahia, realizado no dia 20 de maio de 2015, no Shareton da Bahia Hotel, promovido pela Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e  Sindicato dos Jornalistas Profissional do Estado da Bahia (SINJORBA).

REFERÊNCIAS

BLOGDEJADSON. Empresários imobiliários da Bahia esbanjam arrogância contra jornalistas e a liberdade de expressão. Disponível em: http://blogdejadson.blogspot.com.br/2014/04/empresarios-imobiliarios-da-bahia.html Acesso em 15/05/2015.

FIDALGO, Alexandre. Indústria de liminares ainda ameaça liberdade de imprensa. Disponível em: http://www.gazetabragantina.com.br/cotidiano/industria-de-liminares-ainda-ameaca-liberdade-de-imprensa/ Acesso em 15/05/2015.

JORNAL ANJ. Liberdade de imprensa: Rede revela pressões e ameaças. Brasília, Associação Nacional dos Jornais, mar., 2005, p.11.

KOTSCHO, Ricardo. Os perigos da judicialização da vida cotidiana. Disponível em:
http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/2014/01/13/agora-e-a-vez-da-judicializacao-da-vida-cotidiana/ Acesso em 15-05-2015.

MATTOS, Sérgio. Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo. São Paulo: Editora Paulus, 2005.

SILVEIRA, Santamaria Nogueira. Conflitos entre Judiciário e Imprensa estão mais expostos. In Consultor Jurídico, setembro 2011. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-set-24/ Acesso em 15/05/2015.

Globo 50 anos: radiodifusão no Brasil e o ‘Sudeste way of life’

Por Joanne Mota**

“Um país de dimensões continentais, com sede de diversidade e liberdade de expressão”. Essa é uma posição comum aos movimentos sociais e ativistas que lutam pela democratização da comunicação e que entendem que falta cor e tom na televisão brasileira.

Após cinco anos da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), pouco, ou quase nada, se avançou no quesito regionalização dos conteúdos transmitidos nos meios de comunicação. Medida ao sabor do mercado, a radiodifusão no Brasil impõe o que pode ser chamado de “Sudeste way of life”.

Ao criticar o modelo de televisão caricata e que mais referenda estereótipos e arquétipos do que informa e fomenta a diversidade cultural, Leci Brandão, cantora e deputada estadual pelo PCdoB/SP, cobra: “Queria ver na TV a peleja dos negros e negras, dos nordestinos e nordestinas, a multiplicidade do Norte, a simplicidade do Centro-Oeste. Mas, o que vemos é a interpretação sem sentido do que realmente é o Brasil. Nosso país é muita mais do que a mídia mostra”.

De acordo com informações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), compiladas no livro “Conselhos de Comunicação Social”, a luta pela regionalização passa pela defesa de uma programação de rádio e TV que incentive a produção independente, que reflita a diversidade e pluralidade de um país de limites continentais. A entidade também ratifica que essa pauta se converteu em um dos eixos centrais do Projeto de Lei da Mídia Democrática, de Iniciativa Popular – conhecido também como PLIP.

De acordo com o texto do projeto, fica garantido que no mínimo 30% dos conteúdos transmitidos em um dia deveriam ter concepção e produção local para as emissoras, sendo que 10% da produção, em horário nobre, seria destinado a produções independentes.

Pesquisa publicada em 2013 pela Fundação Perseu Abramo
aponta que mais de 40% da população no país não se sente representada pelos programas transmitidos na TV. O levantamento (confira a íntegra aqui) indica que 51% dos entrevistados acham que a TV não mostra de forma clara a variedade do povo brasileiro e 23% concorda que muitas vezes a TV costuma esconder essa diversidade.

O estudo ainda avança ao indicar que não costumam se reconhecer na TV 43% e 25% dos entrevistados, que se veem retratados negativamente – só 32% de modo positivo. Além disso, a maioria considera que a TV trata as mulheres às vezes (47%) ou quase sempre (17%) com desrespeito, assim como os nordestinos, às vezes (44%) ou quase sempre (19%), e ainda a população negra (49% e 17%, respectivamente) – sendo esta retratada menos do que deveria (52%).

Outro estudo, publicado em 2009 pelo Coletivo Intervozes, entidade que também luta pela democratização da comunicação, indicou que os índices de produção local ocupam apenas 10,83% da programação da TV aberta. De acordo com a entidade, a pesquisa foi aplicada em 11 capitais brasileiras, com uma amostra de 58 emissoras, incluindo públicas e comerciais.

A luta no âmbito parlamentar

Defensora da diversidade na mídia, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ) trava essa luta no Congresso Nacional há mais de duas décadas. É dela o projeto mais antigo encaminhado para a casa em 1991 e que levou 12 anos para ser aprovado na Câmara Federal. Até hoje o projeto navega nos mares do Senado, refém dos lobistas da radiodifusão.

De acordo com Jandira, o Projeto de Lei obriga as emissoras à veiculação, entre 17h e 0h, de programas produzidos regionalmente. Ela explica que é preciso entender como “produzidos regionalmente” um processo que vai desde a concepção até a finalização desses conteúdos.

Pesquisa desenvolvida pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) revela, em números, os níveis da concentração da produção de conteúdo no Brasil,

Jandira pondera que o projeto ainda define que no mínimo 10 horas e no máximo 22 por semana de programas devem, obrigatoriamente, ser regionais. Esse tempo deveria aumentar, em cinco anos, para o mínimo de 22 e o máximo de 32 horas.

Segundo a parlamentar, “além do ganho para a cultura e a propagação da diversidade e pluralidade brasileiras, também surgiriam oportunidades de fomento de toda a cadeia do setor audiovisual por estado e região. O fomento à produção independente também precisa ser priorizada, já que às vezes ele [o produtor independente] não consegue ter oportunidade, devido à ausência de recursos técnicos e humanos”, acrescenta.

Ao falar sobre a concentração da produção de conteúdo para a TV, o diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), Mauro Garcia, reafirmou que não há como pensar em regionalização sem a sua “irmã gêmea”, a produção independente.

“A regionalização é parte de um processo que compõe a cadeia da produção do audiovisual no Brasil. Para tanto, pode ser cumprida com a produção independente local, fomentando trabalho e gerando renda localmente”, referendou.

Contra um Brasil caricato

Ao opinar sobre a questão, Luciana Santos, presidenta da Frente Mista em Defesa da Cultura do Congresso Nacional e deputada Federal (PCdoB/PE), destaca que a luta apenas começou e cobra o respeito à Constituição Federal Brasileira, amparada no Art. 221: “Lá está colocado que a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender a princípios, entre eles “a regionalização da produção cultural, artística e jornalística”. Segundo ela, essa defesa também passa fomento da produção independente.

Para Luciana Santos “o Brasil é muita mais do que vemos na TV”. Ela confirma sua defesa contra a hegemonia cultural do eixo Rio-São Paulo. “Queremos ver os quilombolas, nossa herança indígena, nosso cinema, o hip-hop, as feiras e tudo que representa nossa matriz cultural. Essa cultura não é retratada. Estamos cansados do Brasil caricato”.

Nessa mesma linha, a deputada Leci Brandão reafirmou que é chegada a hora de colocar um fim na “ponte aérea” que reina na televisão desde a sua formação. “O Brasil é gigante, com culturas gigantes, que tem fome e sede e precisam ser reveladas. A internet, por exemplo, ajuda. Mas, queremos ir além, queremos povo e vida na TV”.

 *Texto originalmente publicado no na série especial da Eleições 2014 do Barão de Itararé.

**Joanne Mota é pesquisadora do OBSCOM/CEPOS; editora do Portal Eptic Online e jornalista do Portal Vermelho.

Joanne Mota: Rede Globo, 50 anos de ataques à democracia

“Hoje, a Globo que determina o que as pessoas vão conversar, de forma quase monopolista, sem que haja qualquer tipo de alternativa a esse debate. Com uma política editorial de manipulação contra os interesses populares, sempre a favor das elites.”, disparou Laurindo Lalo Leal Filho, professor aposentado da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e apresentador do programa VerTv, exibido pela TV Brasil, ao comentar os 50 anos da Rede Globo no Brasil.

O pesquisador lembra que “as Organizações Globo ocuparam um espaço que foi aberto na sociedade brasileira a partir da ideia de que não deve existir regulação para os meios de comunicação. A TV Globo é herdeira do jornal e da rádio Globo, que ocuparam, desde o início, sem nenhum tipo de controle, o espaço eletromagnético, as ondas de rádio e TV. Com isso, criaram uma estrutura que acabou se tornando praticamente monopolista. As concorrentes que surgiram acabaram por adotar o seu modelo, mas nunca conseguiram atingir os mesmos graus e índices de cobertura”.

E completou: “A Rede Globo quer o monopólio total, o controle absoluto das ideias, informações e valores que circulam no país e, por isso, utilizam todos os recursos para que a liberdade de expressão seja uma liberdade controlada por eles”.

50 anos de poder e hegenomia

Laurindo Leal ainda destaca que o poder e hegemonia da chamada vênus platinada se deu graças, primeiro, à total falta de regulação e, segundo, às relações que ela sempre buscou ter com os membros do poder, particularmente, aqueles mais conservadores. Hoje, é a Globo que determina o que as pessoas vão conversar: é sobre novela, futebol ou escândalo político. São esses três eixos de conteúdo que ela oferece, de forma quase monopolista, sem que haja qualquer tipo de alternativa a esse debate”.

O pesquisador salienta que a maior empresa de comunicação do Brasil se tornou um poder que impede uma maior circulação de ideias e a ampliação da liberdade de expressão. Hoje, o debate público é controlado pela Globo.

 Globo e sua relação com a ditadura

Durante a entrevista, Laurindo Leal Filho lembrou da relação golpista que a Globo manteve com o regime militar.

“O início da história golpista da Globo, ainda com a rádio e o jornal, pode ser localizada na tentativa de golpe contra o governo Vargas. Ali se tentou um golpe que foi adiado por dez anos: de 1954, com a morte de Vargas, para 1964, com a deposição do Jango [como era conhecido o ex-presidente João Goulart]. Houve uma campanha sistemática contra ele – como a que fazem hoje contra a presidente Dilma –, dando todo o apoio ao golpe militar e, depois, fazendo a sustentação política da ditadura, em troca de favores e vantagens”.

Luta de ideias

Ao apontar a influência da rede no debate político nacional e seu objetivo com essa atuação. ele indicou que a Rede Globo é a responsável pelo não aprofundamento da democracia no Brasil.

“Ela [a Globo] faz isso através de dois mecanismos. O primeiro é a questão cultural, mantendo a população alienada, afastada do processo político através de uma programação que faz com que as pessoas deixem de prestar atenção a aquilo que é essencial à vida delas enquanto cidadãs, distraindo com a superficialidade da programação. A Globo é responsável pela despolitização do brasileiro”.

Partido de oposição

Para o pesquisador, a Rede Globo se consolidou como um grande partido de oposição. “Não sou eu quem digo. A própria ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais disse isso há alguns anos. “Como a oposição está muito frágil, a imprensa tem que assumir seu papel”. Então, nos governos Lula e Dilma a oposição está centrada nos grandes meios de comunicação que, inclusive, pautam os partidos de oposição”

E lembrou que são inúmeros os casos. “Hoje, a mídia é o grande partido de oposição e a Rede Globo é o principal agente desse partido”.

Democratização da comunicação

Ao final da entrevista, Laurindo Leal Filho falou sobre a luta central pela democratização do setor e criticou os que acham que regular é censurar.

“Na verdade, eles são os censores. Eles é que fazem a censura de inúmeros assuntos, temas e angústias da sociedade brasileira, que não têm espaço na sua programação. Apesar de estarmos há mais de 30 anos sem censura oficial, eles usam um conceito de fácil assimilação pela população, e que ainda tem reverberação por aquilo que ocorreu durante o regime militar, para taxar aqueles que querem justamente o contrário, aqueles que querem o fim da censura estabelecida por esses meios e a ampliação da liberdade de expressão”.

Para o pesquisador, “a batalha pela liberdade de expressão é uma batalha difícil, porque nós temos que contrapor um conceito de fácil assimilação, um conceito que tem de ser explicado em seus detalhes, que é o da liberdade de expressão. Quando se quer a regulação dos meios de comunicação, se quer que mais vozes possam se expressar na sociedade brasileira”.

Domingão do Povão

A Pós-TV, projeto do coletivo Fora do Eixo, produziu um vídeo, que circula pelas redes sociais, sobre as contradições do jornalismo da Rede Globo.

*Joanne Mota é pesquisadora do OBSCOM/CEPOS; Editora do Portal Eptic Online e jornalista do Portal Vermelho.