América Latina, Brasil e o progressismo ameaçado

1_05a18_1204-697964Por Renan Martins – Blog dos Desenvolvimentistas

A persistência da crise econômica global gerou uma segunda onda recessiva que desta vez atingiu os países em desenvolvimento. Se antes eram somente a Europa e os EUA que se viam em dificuldades, agora temos Brasil e América Latina forçados a se adaptar ao cenário de baixa na demanda das commodities, enquanto a China revê para baixo suas projeções de crescimento.

Nesse cenário temos ainda forte instabilidade geopolítica causada pela perda de poderio e capacidade de liderança dos norte-americanos, fruto da falência do modelo de globalização imposto depois da queda da URSS. Esta conjuntura pressiona os governos progressistas da América Latina, que chegaram ao poder no final do século XX e início deste século XXI justamente com a missão de construir uma alternativa ao Consenso de Washington. A dependência tecnológica e inserção subserviente de suas economias cobra a fatura na forma de bloqueio dos avanços e perigo de retrocessos no tocante às conquistas sociais.

Para discutir este complexo e turbulento cenário o Blog dos Desenvolvimentistas entrevistou Bruno Lima Rocha, professor de Ciência Política e Relações Internacionais, também editor do site Estratégia & Análise. Lima Rocha considera que a guinada à direita do governo brasileiro pode se refletir em todo o continente por conta de nossa liderança regional, lembra que os governos progressistas de forma geral não contestaram a divisão internacional do trabalho que nos lega a condição de exportador de bens primários, e vê no “reboquismo” um fator de exclusão do povo e vulnerabilidade dos presidentes latino-americanos.

Confira a íntegra:

mapa_america_latinaNa última década a América Latina vivenciou a chegada de diversos governos de caráter progressista (em intensidades variáveis) ao poder. Como explicar esse fenômeno? Quais foram as principais conquistas destes governos?

Bruno Lima Rocha: Eu posso reconhecer que estes governos como de dois tipos: os de centro-esquerda (não-classistas), tal seria o caso de Brasil, Argentina, Uruguai e Chile e os de corte nacional-bolivariano, mais propriamente dito de linha chavista, como é o caso de Bolívia, Equador e Venezuela liderando. Também tivemos – temos governos – semelhantes ou aproximados em El Salvador e Nicarágua, mas com um programa muito brando, mais abrandado do que o venezuelano por exemplo. E, por fim, casos de golpes de Estado contra este tipo de governo como foi o caso de Paraguai e Honduras. Estes governos, e aí podemos traçar uma linha geral entre todos, têm como ponto comum uma reação latino-americana ao neoliberalismo dos anos ’90, a sensação terrível de fim da história e terra arrasada, como foi magistralmente narrada no filme de Fernando Pino Solanas, de 2003, o já clássico “Memoria del saqueo”. Para entendermos o que cada um destes países teve de fazer para conseguir em um período assemelhado emplacar governos de centro-esquerda com inflexões semelhantes (em graus distintos, indo do Chile à Venezuela) seria preciso estudar cada sociedade em específico. Mas, reforço, o traço comum entre todos é uma reação dentro dos limites da democracia representativa e com tensão dentro das regras, abordando da Constituição aos intentos de nova institucionalidade. A principal conquista dentre todos estes governos foi na melhoria significativa das condições materiais de vida sem, no entanto, interromper o ciclo de primarização de nossas economias e menos ainda com o devido protagonismo do povo organizado pressionando estes governos para um caminho menos atrelado ao eleitoralismo e mais vinculados a conquistas de tipo direto.

Concomitante aos avanços assistimos também contradições. Quais as limitações e paradoxos dos governos progressistas latino-americanos?

BLR: Como eu citei acima, eu diria que novamente, cada país merece um estudo em separado e este é o grande dilema dos estudos comparados. Mas, já que estamos considerando a América Latina como ela de fato é, um bloco e um Continente em disputa e concepção semelhante, eu diria para ser sintético que aquilo que se chamava no Brasil de Jango de “reboquismo”, no período do “manda brasa presidente”, é a mazela mais importante reconhecida nestes governos. Temos pouco ou quase nenhum protagonismo popular e por vezes, a Razão de Estado entra em conflito direto com a defesa de interesses ancestrais, como é o caso de Belo Monte por exemplo. Eu tampouco trabalharia com a tese de contradições e sim de concepção construída, onde a guinada rumo ao centro opera como um voto de confiança na institucionalidade das transições democráticas ou da versão oligárquica das democracias. Eu diria que a maior contradição, aí sim contradição interna de projeto, foi buscar uma imaginária burguesia nacional desenvolvimentista ou autônoma ou nacionalista e esta simplesmente ou não existe ou é irrelevante. Dentro dessa busca insana somada às pressões das balanças comerciais, não demos na última década ou década e meia – a contar com a vitória eleitoral de Chávez em 1998 – com inflexões importantes no campo da informação e do conhecimento e tampouco criamos uma co-dependência nas cadeias produtivas e de alto valor agregado dentro do Continente. Ao contrário, toda a América Latina hoje fica interdependente de exportações e de investimentos chineses e os governos em geral, não ultrapassam a maldição continental da síntese entre extrativismo, exploração de recursos hidro-minerais, combustível fóssil ou de agricultura empresarial de escala para exportação.

Atualmente diversos destes governos passam por crises econômicas e políticas. Que fatores atuam nesse quadro?

BLR: É interessante notarmos como as perguntas são concatenadas assim como as respostas. Um dos pontos cruciais é a dependência de exportação de matéria-prima, tal como o cobre no Chile, grãos, gás e petróleo na Argentina, o mesmo no Brasil, petróleo e gás na Venezuela, Bolívia e Equador e assim o padrão vai se repetindo. A crise econômica se dá porque não temos projeto próprio de desenvolvimento como capitalismo periférico – no caso brasileiro semi-periférico e com a liderança brasileira, entrando todos os países por tabela no G-20 e BRICS – e menos ainda de uma nova economia de base sustentável e controle social pleno. O caso mais emblemático é a recuperação da YPF pelo Estado argentino e depois o absurdo acordo com a Chevron. Deveríamos ter, no mínimo, uma cota de partida para investimentos comuns, uma espécie de Celac ou Unasur petroleira. Nem isso. Quanto às crises políticas, aí novamente chegamos a um dilema típico da América Latina. As oligarquias, o andar de cima, a soma de classe dominante + elite dirigente + tecnocracia de portas giratórias com o capital transnacional e seus representantes e intermediários políticos entendem que, e de forma acertada, na América Latina, o governo que tem continuidade e distribui renda acaba conservando uma reserva eleitoral, bloqueando de fato a alternância do poder apregoada nas democracias liberais. Assim, de um lado, a cooptação dos governos através do Poder Executivo e as políticas de centro isolam uma esquerda mais legítima, ou ao menos autônoma, que não vai subordinar os interesses de classe e povo pela “tal da governabilidade”; e, logicamente, o arrivismo é algo inerente à política profissional e a conversão de gente de direita ao governo de turno isola militantes históricos ou correntes mais programáticas. De outro, os ataques são múltiplos, incluindo os partidos midiáticos, como o Grupo Diários América, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a forte presença de capital transnacional (e financeiro) na composição acionária dos oligopólios de mídia de cada um de nossos países. Por fim, de forma mais ou menos acentuada, temos a presença planetária de capitais voláteis a assolar nossas soberanias e coagir decisões de governo.

Como explicar tais conflitos sob a perspectiva geopolítica? É possível dizer que há ingerência estrangeira nesse processo? (Se sim ou não, cite elementos que corroborem com a tese).

BLR: Sim há ingerência estrangeira indireta ou direta, variando o país. Nota-se de forma mais direta na Venezuela, por exemplo, ou no caso de Honduras e Paraguai e os respectivos golpes de Estado. Já no Brasil e na Argentina, o que ocorre é a presença de emissários e pessoas de confiança dos EUA na figura de operadores do mercado financeiro e seus representantes políticos no velho jogo do entreguismo ou, como é o termo em castelhano, vende pátria. O jogo geopolítico dentro dos marcos do capitalismo se dá com a criação da Aliança do Pacífico (que interessa diretamente aos EUA e é conveniente para a China) em contraposição ao Mercosul por exemplo. O jogo se dá em maior escala, com a guerra fria comercial entre China e EUA e a reaproximação diplomática entre os governos de Obama e Raúl Castro. Eu diria que a presença de transnacionais e de bancas privadas assim como disputas comerciais importantes – tal como fora no Leilão do Campo de Libra e o debate em torno do regime de partilha, concessão ou monopólio integral – sempre será um imperativo para a tentativa de ingerência ou pressão. Basta ver a presença de tropas terrestres dos EUA ao redor da Amazônia legal brasileira a projeção de poder naval dos EUA e de seu aliado incondicional, a Inglaterra, no sistema de defesa do Atlântico Sul. Mas, eu diria que a maior pressão externa se dá de forma indireta, com a estrutura de mentalidades das elites latino-americanas (como um todo) e da brasileira em particular – parecida com a venezuelana – que são muito alinhadas ideologicamente ao Ocidente e com a ideia de globalização neoliberal transnacional por consequência.

Qual a relação entre o Mercosul e a Unasul e de que tratam estes blocos? Existe algum nível de diálogo deles com o BRICS?

BLR: Se pusermos em uma escala de propostas de integração e organicidade, eu diria que é uma idealização de círculos concêntricos, onde está o Mercosul, na sequência a Unasul e depois a Celac. A integração proposta pelo Mercosul é bem interessante mas passa pelo poder de veto dos sócios menores, no caso, o empresariado argentino para com o sócio maior, o Brasil. A Unasul é mais um intento do que uma realidade e todo este movimento diplomático passa por interromper a Operação Panamericana e o atrelamento dos Estados latino-americanos para a Doutrina Monroe contemporânea, ou integração forçosa como previsto no Consenso de Washington e Documento de Santa Fé I e II. A Unasul ganharia materialidade se o Banco do Sul tivesse uma maior envergadura, uma espécie de BIRD entre nós mesmos e operasse em investimentos estratégicos, como já foi citado no caso dos campos petrolíferos de Vaca Muerta (Argentina) e Libra (Brasil). E, a relação destes blocos com os BRICS eu considero mais apropriado responder na pergunta abaixo.

De que forma se insere o Brasil e o ciclo petista nesse tabuleiro? É possível nos ver como liderança regional?

BLR: Sim, somos liderança regional ainda que uma boa parte dos brasileiros que consomem informação deste nível sequer admita esta realidade. O Brasil se insere no cenário internacional moderno com mais força justamente no ciclo petista e com a ampla política externa de autonomia pela diversificação e a criação dos BRICS. A materialidade deste “bloco” se dá em termos concretos com o novo banco de desenvolvimento e o fundo de contingência. É preciso entender que tanto o Mercosul, como a Unasul e mesmo a Celac se veem “representados” nesta possibilidade de relações com os derrotados da Guerra Fria hoje potências econômicas e/ou militares (caso da Rússia, Índia e China, nesta ordem, e proporcionalmente da África do Sul) através da presença e liderança brasileira. Nós exerceríamos maior liderança se houvesse maior capacidade de investimento e presença brasileira através do Banco do Sul como complemento do Banco dos BRICS. Como tudo isso ainda é muito inicial, ainda corre-se o risco real dos BRICS operarem como um braço ampliado dos interesses chineses e dentro desta projeção alguns países estão jogando como é o caso já citado da reaproximação de Cuba com os EUA, muito em função do novo canal interoceânico – que vai cruzar a Nicarágua – e terá a força protetiva da Rússia através de convênios com Manágua. Neste caso, houve um giro importante nos governos petistas, mais acentuado durante o período de Lula, quando o Brasil protagonizou uma ampla investida diplomática abrindo parcerias e mercados focando na relação Sul-Sul. Mas, como a presença chinesa é muito relevante acabamos todos nós latino-americanos ficando meio esmagados entre a China e a permanente projeção de poder dos EUA e do capital transnacional – volátil em especial.

Que interesses econômicos e geopolíticos o Brasil desperta no cenário internacional? Como o governo tem a eles reagido?

BLR: Para a dimensão geopolítica, interesse é um conceito absoluto. Pela lógica da geopolitik o Brasil desperta cobiça pelo seu enorme território (com maior ênfase na parte menos povoada e com ainda cobertura vegetal, caso da Amazônia Legal); pela soberania da plataforma continental ampliada (Amazônia Azul) por sua população de porte razoável e ainda vigoroso mercado interno; por seus gigantescos recursos e capacidade instalada ou a ser instalada, incluindo a infra-estrutura ainda inconclusa e por sua capacidade projeção pela via do poder “brando” (soft power), o que faz com que aparentemente nossa sociedade tenha ainda abismos sociais mas um elevado grau de tolerância se comparada com outras sociedades de base sectária. Entendo que oficialmente o país reage mal a isso, até porque a composição de governo de centro e policlassista inibem maiores confrontos. As forças armadas – pela lógica da geopolítica – necessitariam maior envergadura e um grau de independência tecnológica sempre existente em potencial, mas nunca alcançado. Tal é o caso da base de lançamento de foguetes de Alcântara, o acidente (ou sabotagem) e o atraso da retomada da mesma. Os exemplos são inúmeros e passam por esta condição de que na América Latina, o nacionalismo não se coaduna com as oligarquias, pertencendo mais ao campo das lutas populares. Assim como nenhuma força reacionária é de fato anti-imperialista, o mesmo ocorre com os governos de grande coalizão de classe como é o ciclo petista sob pacto lulista.

Diante de um quadro de recessão econômica a presidente optou por uma guinada conservadora na política econômica. Que efeitos o arrocho tem sobre o cenário político interno e externo? O não crescimento brasileiro afeta a América Latina?

BLR: Vamos seguir a máxima dos EUA, “para onde vai o Brasil vai a América Latina”, e logo, para onde o Brasil não vai a América Latina tampouco se encaminha. A guinada conservadora da presidente Dilma em seu segundo mandato é uma inflexão importante para deslegitimar seu governo. Não é “apenas” a massa trabalhadora e o andar debaixo do país que sofrerá as consequências do “ajuste”, mas o conjunto do Continente vai se deparar com um Chicago Boy (Joaquim Levy) à frente da maior economia regional. Chicago Boy esse, que é do Bradesco, tem carta quase em branco de Dilma e que não leva em conta o desenvolvimento latino-americano dentro de sua proposta à frente da pasta. É mais do mesmo, mas agora sob a roupagem de combater o golpe e se posicionar contra o retrocesso neoliberal, que também está representado no atual governo. Tamanha contradição e incoerência desmobilizam e podem ser o efeito necessário para abrir mais campo à esquerda do governo de centro e ex-esquerda. O problema é que isto se verifica em todos os campos, pois com a ausência de um projeto de desenvolvimento e a subordinação ao capital financeiro, a continuidade do pacto de classes do lulismo não consegue sequer favorecer seu principal “cliente”, o agente econômico de capital brasileiro (em geral familiar, perdulário e parasita do Estado, como aliás é a característica dos grandes conglomerados capitalistas). O ambiente doméstico e o cenário interno, portanto não são nada convidativos para o segundo “cliente” mais importante do pacto lulista, que é a massa de atingidos positivamente pelos programas de governo e a política econômica anti-cíclica e mesmo a anterior que visava gerar emprego direto e melhoria na qualidade material das condições de vida. Essa multidão de 44 milhões de brasileiros posta dentro do mundo do capitalismo pleno está e é desorganizada e indefinida ideologicamente. Logo, anuncia para os vizinhos que o desenvolvimento de um capitalismo semi-periférico não traz consigo nenhuma garantia sequer de manutenção das melhorias que vieram.

É sabido que as economias latino-americanas tiveram bons ventos quando do boom das commodities, apoiado principalmente na demanda chinesa. É possível dizer que há uma relação de dependência desses países com Pequim? Como estão reagindo frente ao desaquecimento chinês?

BLR: Como disse antes, entendo que as respostas estão concatenadas com as perguntas e, assim, creio que o grosso desta já foi aqui contestada. O problema é de outra envergadura e tem relação com o modelo de desenvolvimento que queremos, se é que queremos apenas um modelo e que este, mesmo dentro do capitalismo, está distante de entrar no primeiro time da divisão internacional do trabalho, que é a cadeia de valor estratégico da informação e conhecimento, além de um ganho de escala com produtividade nacional – hoje inexistente. A reação está sendo muito ruim, até porque temos de fato economia primarizadas, sobreviventes da sanha privatista neoliberal, mas de boa convivência com o capital nacional e mesmo o transnacional gerando emprego direto. Sim, há uma relação de perigosíssima dependência para com a economia chinesa e, logo, para com os desígnios de Beijing que comanda e centraliza as decisões estratégicas daquele país. E, como já disse antes, a reação está se dando de forma equivocada, em especial no Brasil, quando temos um giro ainda mais à direita, sendo que o agente econômico brasileiro deseja desregular a força de trabalho e avançar na loucura insana da terceirização incontrolada.

Quais são os principais desafios a serem enfrentados pelos governos progressistas diante deste quadro? Que fazer para permanecer na rota da inclusão social e autonomia?

BLR: No caso eu entendo que a única garantia de manter as políticas públicas e a orientação para o emprego direto é justamente não ficar a reboque dos governos de turno e menos ainda ir fazer coro com a oligarquia ou os setores neoliberais. Temos na América Latina a péssima experiência do reboquismo ou da presença de lideranças carismáticas que não promovem uma nova institucionalidade justamente por sua presença tão gravitante. Logo, a autonomia e independência de classe, além de um elevado grau de unidade nas lutas populares e um modelo de desenvolvimento que abra caminhos para além do capitalismo periférico seria o mínimo para colocar o direito coletivo e os interesses das maiorias à frente e acima dos pactos de governabilidade e o jogo cínico do Sistema Internacional. A pressão do andar debaixo pode colocar contra a parede os governos “progressistas” para que estes, no mínimo, atendam o interesse da maioria e se arrisquem um pouco mais. Mas, como nos ensina a história política brasileira, qualquer programa social – mesmo quando reformista – não repousa na condução de um bom articulador e sim na capacidade avançada do povo em luta. Governos ainda mais fortes e carismáticos, como o da Venezuela pós-Chávez, poderiam aproveitar a oportunidade da tensão interna e promover uma democratização das bases sociais do chavismo, transformando-as em bolivarianas. E lá, infelizmente, se vê justamente o oposto. Precisávamos impor condições de uma política econômica de duas vias, uma que garantisse no ambiente interno uma rede de proteção ampliada (como na agricultura familiar, camponesa e ecológica) e outra, que para o ambiente externo, diminuísse o grau de dependência tecnológica das cadeias de valor da indústria. Ainda assim, insisto, qualquer medida de governo se tiver caráter avançado, só será garantida no médio prazo se a base social não depender deste mesmo governo para se mobilizar e possa confrontar este governo caso veja seu interesse direto sendo atingido ou mesmo ameaçado. Embora tudo isso exista de forma embrionária e com alguns casos de sucesso e vitória – como a conquista da reforma educacional chilena após as duas rebeliões dos secundaristas, sendo a primeira em 2007 em pleno governo Bachelet – há que se reconhecer que ainda estamos distantes de termos amplos movimentos populares em unidade de luta e com capacidade resolutiva de envergadura. Uma grande responsabilidade desta ausência está justamente na política centralizadora e no reboquismo aos governos de centro e ex-esquerda da América Latina.

O estado da arte das Políticas Públicas para o Audiovisual no Nordeste e no Brasil – Entrevista com André Araújo

andréPor Paulo Victor Melo*

Durante quatro dias, a cidade de Salvador, capital da Bahia, se tornou o palco de encontro entre produtores, realizadores, estudantes, pesquisadores e outros agentes culturais do Nordeste interessados no universo das políticas do audiovisual. Com o objetivo de fomentar o mercado de produção audiovisual nordestino e estimular o debate sobre estratégias de fortalecimento e inserção da produção regional em escala nacional, o Nordeste.LAB, que aconteceu entre os dias 20 e 23 de maio, discutiu questões como interfaces entre audiovisual, novas tecnologias e inovação e modelos de negócio; promoveu espaços de troca de experiências e networking; e possibilitou o diálogo entre produtoras e programadoras, por meio de rodadas de negócios, dentre outras atividades.

Para entender o que foi discutido durante o evento e para compreender a realidade das políticas para o audiovisual na região Nordeste e no país, a Rede EPTIC entrevistou André Araújo, produtor cultural, mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, com pesquisa na área de economia do cinema, e um dos coordenadores gerais do Nordeste.LAB.

Na entrevista, André refletiu sobre o cenário da produção audiovisual no Nordeste, analisou as políticas públicas contemporâneas para o audiovisual no Brasil, como a Lei 12.485, e discutiu as possibilidades e limites do diálogo entre produtoras e programadoras.

André falou ainda sobre a presença do cinema brasileiro na televisão, com destaque para a concentração dos processos de produção e distribuição pelas Organizações Globo, sobre o papel das TVs Públicas para o escoamento da produção audiovisual e apontou desafios e perspectivas para a produção acadêmico-científica voltada à área das políticas públicas do audiovisual.

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Portal EPTIC – O NordesteLAB reuniu produtores e realizadores audiovisuais de toda a região Nordeste para troca de experiências e projetos. De um modo geral, quais desafios foram apontados para a produção audiovisual na região?

André Araújo – Nos últimos anos, a produção nordestina ganhou visibilidade por conta do incremento da produção e pela participação e premiação de filmes daqui em festivais. Entretanto, se verificarmos o montante de recursos federais que foram direcionados para produtoras com sede na região Nordeste em detrimento de produtoras sediadas no eixo Rio-São Paulo, veremos que a disparidade no fomento à produção dessas diferentes regiões ainda continua bastante elevada.  Segundo dados da própria Ancine, entre 1995 e 2013, Rio e São Paulo concentraram cerca de 90% de recursos, um nível de concentração que precisa ser discutido e enfrentado tomando-se a regionalização e a descentralização da produção enquanto prioridades efetivas para o setor.

Entretanto, sabemos que essa ampliação quantitativa e qualitativa da produção nordestina passa pela priorização de ações de outras naturezas, como a ampliação de ações de formação (técnica e na formação de agentes de mercado, como produtores executivos e distribuidoras); o estímulo ao trabalho em rede entre os agentes da região; e a necessidade de conseguirmos acompanhar o desenvolvimento do nosso mercado através de indicadores e mecanismos de  acompanhamento processual, apenas para citar alguns desafios que temos de enfrentar.

Representantes de players e programadoras também participaram do NordesteLAB. A partir da experiência das rodadas de negócio durante o encontro, mas também do ponto de vista da discussão mais permanente, qual o estado da arte do diálogo entre produtores nordestinos e programadoras, que, em geral, estão situadas nesse eixo Rio-São Paulo?

Percebemos que ainda existe um distanciamento entre as produtoras nordestinas e as programadoras localizadas em outras regiões do país. E o distanciamento geográfico é uma justificava importante para entendermos essa dificuldade da produção local ser escoada. Com a proximidade entre produtoras do eixo Rio-SP com os escritórios das principais programadoras e agentes de financiamento do país, sabemos que existe lá um ambiente muito mais propício para diálogo e fechamento de negócios. Por isso, pretendemos reduzir essa distância justamente a partir do fortalecimento de eventos de mercado locais, e também tentando incentivar a participação de produtoras locais em eventos de mercado de amplitude nacional e internacional.

Dados da ANCINE mostram que apenas no mês de abril mais de mil produtoras se registraram na Agência, sendo 10% do Nordeste, e que, em termos de salas de exibição, a região cresceu 50% nos últimos cinco anos. Você acredita que a política pública nacional tem apontado para uma descentralização efetiva no segmento ou ainda é necessária uma política mais incisiva que dê conta de valorizar e democratizar o que é produzido tanto no Nordeste quanto nas demais regiões do país?

Nos últimos anos a descentralização da produção tem sido colocada como um ponto importante nas políticas de fomento ao setor, com a criação, por exemplo, de editais e cotas específicas para determinados estados/regiões, mas acredito que ainda não temos a regionalização/descentralização como prioridade estratégica.

Além disso, acredito, também, que políticas locais e regionais, implementadas pelos próprios estados do Nordeste, são primordiais para que a produção dessa região seja fortalecida. O papel da ANCINE e da SAV [Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura] nesse processo é importante, mas sem ações locais que complementem e fortaleçam políticas dessa natureza – por exemplo, com o fortalecimento de mecanismos locais de financiamento, políticas de fortalecimento de produtoras e de outros segmentos da economia do audiovisual, políticas de formação continuada de técnicos/profissionais, dentre outras – essa descentralização não irá ocorrer de fato.

A meu ver, defenderia a adoção de duas políticas para estimular a produção local: o estabelecimento de cotas efetivas de participação de produtoras de outras regiões (para além do Sudeste) dentro do tempo de veiculação obrigatória de produção independente pelos canais fechados, trazida pela Lei 12.485/2011. E o estímulo à regionalização da produção através da obrigatoriedade de veiculação de produção local independente nas TV’s abertas em todo o Brasil, tendo em vista que a maior parte das TV’s locais ficam presas à programação das chamadas “cabeças de rede”.

E no que diz respeito à ampliação da diversidade de produtores dentro da própria região Nordeste? Também há uma tendência à concentração dentro da região?

Mesmo na região Nordeste, percebemos que alguns estados se sobressaem em detrimento de outros. Estados como Bahia, Pernambuco e Ceará têm adotado ações mais fortes de fomento ao setor, apesar de ainda serem insuficientes (cada estado tendo pontos fortes e pontos frágeis). Se tomarmos a Bahia como exemplo, percebemos que realizadores do interior do estado tem criticado um “soteropolicentrismo” da produção, fazendo referência à concentração de recursos na capital, Salvador. Ou seja, quando falamos em descentralização e diversidade, estamos abordando um universo muito mais complexo que a divisão regional brasileira, e apenas políticas nacionais e locais interligadas podem proporcionar uma produção mais diversa, tanto do ponto de vista cultural quanto do ponto de vista econômico.

Ainda no que diz respeito à política pública nacional, mais precisamente na questão do financiamento e das questões legais e normativas, como está o audiovisual brasileiro em comparação com outros mercados?

Em relação ao financiamento, estamos num momento interessante, pois nunca houve tanto recurso voltado para o setor na história do país. Acredito que essa política de estímulo e fomento possibilite a ampliação dos agentes de mercado e, naturalmente, a demanda por recursos também acabará crescendo no mesmo ritmo. O desafio para o setor, então, do ponto de vista do fomento à produção, é que o volume de recursos não fique estagnado nos próximos anos.

Mas, para além do volume de recursos, vejo dois principais problemas a serem atentados: em primeiro lugar, o aprimoramento nos mecanismos de tramitação e avaliação dos projetos pela ANCINE, pois há uma crítica recorrente em relação à demora na avaliação dos projetos e na liberação dos recursos para projetos. E outra questão é o estímulo a outros segmentos do setor, como a distribuição e a exibição, que também são atendidas por mecanismos específicos, mas ainda não na mesma proporção que o setor da produção/ realização.

Outros dados, também da ANCINE, mostram que 21% dos filmes exibidos na televisão aberta brasileira são nacionais. No que diz respeito ao escoamento da produção via TV, a concentração também se verifica ou há uma política de descentralização?

Esses números não podem ser enxergados e analisados sem uma analise qualitativa, especialmente de três aspectos: quais filmes são esses? Quem produz esses filmes? E onde esses filmes são veiculados? Três questões que são intimamente relacionadas entre si, pois uma análise mais detalhada dessa questão talvez confirme uma impressão minha que a maior parte desses filmes são veiculadas na Rede Globo, coproduzidas pela Globo Filmes, e produzidas por produtoras que possuem relação direta com a Rede Globo. Além dela, apenas a EBC (através da TV Brasil), dentre as TV’s abertas de alcance nacional, possui hábito de exibir cinema brasileiro. Em outras TV’s como a Record, o SBT, ou a Bandeirantes, o cinema brasileiro praticamente não existe. Então, falar de concentração parece até redundante. A ocupação do cinema brasileiro na TV aberta ainda é uma bandeira importante, especialmente se for aliada com o estímulo à inserção da produção independente nacional nessas janelas de exibição.

A Lei 12.485, em vigor desde o final de 2011, estabelece cotas de produção nacional e independente na televisão por assinatura. Qual a sua avaliação até aqui sobre a implementação da Lei? Em que medida ela tem contribuído para potencializar, de fato, a produção audiovisual independente em nosso país?

De forma geral, a avaliação é positiva. Todos os agentes do campo audiovisual – sejam produtoras, sejam programadoras, seja a própria ANCINE – ainda estão apreendendo a lidar com essa nova conjuntura. Mas percebemos que a aprovação e regulamentação dessa lei tem sido um fator importante para fortalecer o setor e estimular a entrada de novos agentes, pois existe uma demanda concreta para ocupação desse espaço. O esforço dos agentes locais – pensando enquanto Nordeste – deve ser, então, o de disputar sua entrada nesse espaço, avaliando inclusive, a meu ver, a criação de cotas de produtos regionais dentro do tempo obrigatório. Ainda estamos no começo da implementação da lei e precisamos acompanhar de perto os seus impactos, inclusive através desses pontos de vista: o do fomento à produção independente e o do incremento de outros centros de produção.

Sobre a Televisão Pública, um dos seus papéis é, justamente, o de dar vazão ao que é produzido de forma independente pelos quatro cantos do país. Esse papel vem sendo desempenhado de forma satisfatória pela TV Brasil e pelas emissoras públicas estaduais?

No Nordeste.LAB, por exemplo, a TV Brasil foi um dos principais players presentes, dispostos a licenciar produtos prontos. Isso é algo importante, pois sabemos que existe uma grande quantidade de longas e curtas metragens finalizados, e que pouco foram exibidos em janelas de grande visibilidade, como a TV. Do ponto de vista local, o Irdeb [TV pública da Bahia] lançou um edital de licenciamento há pouco menos de dois anos, uma iniciativa interessante para ocupação da sua grade de programação por produções locais. Não sei até que ponto essa ação se converteu no efetivo licenciamento de produtos, mas as TV’s públicas estaduais, certamente, poderiam cumprir um importante papel para desenvolver produções locais, saindo de uma lógica de produtora de conteúdo, e passando para um papel de transmissora de conteúdo produzido por produtoras independentes.

E no que diz respeito à pesquisa científica, qual o espaço que o tema das Políticas Públicas para o Audiovisual tem ocupado nas universidades brasileiras? Quais são os principais desafios nesse aspecto?

Ao mesmo tempo em que é necessária uma analise interdisciplinar entre os campos do cinema, da economia, da administração e das ciências sociais – apenas pra citar alguns exemplos – para se entender a dinâmica de políticas de fomento ao setor, essa é uma área de estudos que acaba sendo negligenciada por todos esses campos. Se verificarmos os anais do principal congresso de estudos em cinema do país – o encontro da Socine [Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual] – perceberemos que os estudos voltados para a dinâmica produtiva e a análise de políticas públicas ocupam a minoria do espaço da programação. Isso não quer dizer que não existam pesquisas e grupos dedicados a esse universo, que se localizam especialmente no campo da economia política da comunicação e da cultura – especialmente atentos aos processos de regulamentação do campo da radiodifusão e da internet no país – e em algumas iniciativas de grupos de estudos em economia da cultura. Mas são ainda insuficientes para termos um panorama analítico mais complexo.

O Observatório do Cinema e Audiovisual (OCA) da ANCINE tem grande importância para a divulgação de analises e pesquisas de acompanhamento de mercado, mas percebemos que sua capacidade de produção de dados mais regionalizados ainda é pequena. Recentemente, a iniciativa de implementação de Observatórios da Economia Criativa, numa parceria entre Ministério da Cultura e diferentes instituições de ensino superior do país, aparece como um sopro interessante no estímulo à produção de pesquisas locais, mas poucos foram implementados até o momento. Ou seja, o campo da economia e das políticas públicas para o setor ainda são um grande universo a ser explorado.

Por fim, nos fale como o Nordeste.LAB terá continuidade e quais as suas perspectivas.

Durante o processo de produção do Nordeste.LAB, sempre apontamos que essa seria uma plataforma de encontros, seja entre produtoras e outros agentes de mercado; seja em espaços de formação; seja no estímulo ao trabalho em rede. Assim, acreditamos que a continuidade do Nordeste.LAB perpassa pela ampliação desse objetivo, com o aumento no número de participantes tanto da Bahia quanto de outros estados do Nordeste, quanto pela ampliação de espaços de formação e comercialização. Felizmente, nessa primeira edição já conseguimos ter participantes de 8 dos 9 estados da região, e ela serviu para testarmos formatos e termos uma melhor dimensão das demandas do segmento audiovisual. Estamos em processo de avaliação dos resultados, mas nossa intenção é que ele se torne uma ação anual, tendo atividades preparatórias de formação e um evento de culminância. Aliado a isso, também estamos discutindo a realização de uma ação específica voltada para o campo de pesquisa, articulando academia e agentes do setor a partir de um mapeamento mais sólido do mercado regional, a construção de indicadores e mecanismos de acompanhamento do mercado.

 

* Paulo Victor Melo é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas na Universidade Federal da Bahia (UFBA)  e integrante do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), vinculado à Rede Eptic.

Lalo Leal: Comunicação eletrônica padronizada e conservadora rema contra o Brasil

laloleal_eptic_obscom_entrevista“O Brasil possui uma comunicação eletrônica padronizada nos moldes mais atrasados, mais conservadores e sempre com propostas antipopulares. A Rede Globo não está aí por acaso, ela ocupou um espaço deixado de lado pelo Estado brasileiro desde a formação desse mercado”, avaliou o pesquisador Laurindo Leal Filho, ao fazer balanço dos atos realizados contra a Rede Globo neste último dia 26 de abril. Segundo ele, podemos definir que a comunicação eletrônica da forma que se consolidou rema contra o Brasil.

“A Rede Globo ocupou um espaço e até hoje nenhum governo brasileiro teve coragem de reorganizar esse setor, que é público. Esse movimento, por exemplo, poderia abrir espaço para fortalecer e fomentar a comunicação pública”, destacou.

Proposta alternativa

Lalo Leal, que comanda o programa VerTv, exibido pela TV Brasil, destaca duas vias possíveis para se democratizar a comunicação no país. “Existem dois caminhos principais. O primeiro é a regulação, ou seja, o Estado abrir espaço para que outras vozes possam falar também. O segundo é fortalecendo a comunicação pública, precisamos ter uma comunicação de conteúdo alternativo ao que até então foi apresentado“, sinaliza.


Ele ainda destacou um terceira via. “Também precisamos ter em mente a importância de se fortalecer os movimentos alternativos nas redes. A internet é um espaço imenso e o movimento de blogueiros tem sua presença. Esse movimento carece de mais atenção por parte do Estado”, defendeu.

Congresso conservador

Ao refletir sobre as contradições e lutas no seio do Congresso Nacional mais conservador desde 1964, Laurindo Leal ponderou que “o país já viveu momentos melhores que o atual. Infelizmente, nesse Congresso atual dificilmente seria aprovada uma lei que regulasse o sistema de comunicação. Em outros momentos também, mas no atual isso ainda fica mais difícil”.

Para ele, era difícil e ficou pior, porque no Congresso se combinam vários interesses empresariais. Primeiro, os interesses empresariais da própria mídia, são inúmeros os parlamentares que são proprietários de concessões. Isso sem falar dos interesses dos latifundiários e das organizações religiosas, que acabam se combinando com os primeiros.

“Colocar no Congresso Nacional, hoje, uma lei de meios é algo muito difícil. Porém, são dificuldades que nos tornam mais fortes. Penso que a Campanha para Expressar a Liberdade é importante, pois além de propor um projeto de lei de iniciativa popular, ela promove o debate em torno do tema. Só isso, já vale a luta e mobilização em torno dessa importante bandeira”, explicou Lalo durante a entrevista.

Fonte: Rádio Vermelho

Interatividade na TV Digital fortalece comunicação pública no país, afirma Cosette Castro

cosettecastro_interatividade“Interatividade na TV Digital abre espaço para democratização E permite reescrever a historia das TVs públicas abertas do país”, afirmou Cosette Castro, coordenadora do Observatório Latino-Americano das Indústrias de Conteúdos Digitais (OLAICD)/ UCB e pesquisadora em Comunicação Digital, ao falar sobre o que significa garantir a definição da interatividade nas caixas de conversão para a TV digital no Brasil.

De Brasília, Cosette explicou como anda o debate entre sociedade civil, academia, Estado e empresariado e indicou o que está em jogo nessa disputa. “A interatividade era uma grande desconhecida no país em que foi criada. O patinho feio é um cisne que permite reescrever a historia das TVs públicas abertas do país (TV Brasil, TVs educativas estaduais, TVs universitárias, TVs do legislativo e do judiciário, TVs comunitárias e outros canais públicos que ainda poderão ser criados) através da multiprogramação usando o controle remoto e canal de retorno pelo ar. Significa a possibilidade histórica de oferecer”.

 

Acompanhe a íntegra da entrevista:

 

Ela lembra que a interatividade é uma grande inovação e não é por acaso que ela chegou em 17 países. A pesquisadora explica que o uso da interatividade em outras partes do globo serve de exemplo para as potencialidades que essa ferramenta, ou tecnologia, pode oferecer à população.

“A interatividade é uma forma de inclusão que ajuda na construção da cidadania e do desenvolvimento do país”, defendeu. Com a multiprogramação, argumenta Cosette, a população teria acesso a novos camis, pois isso aumentaria o número de subcanais disponíveis, a programação e também, consequetemente, a demanda por profissionais de comunicação.

É importante lembrar que a decisão tomada implicará na perspectiva de haver, ou não, possibilidade de interatividade e acesso à multiprogramação para os usuários da TV aberta.

 

Campanha ganha força pelo Brasil

A interatividade está ganhando o espaço que merece entre os formadores de opinião, entre os movimentos sociais, na academia e também entre os partidos políticos. Mas há um longo caminho a ser feito. Conheça as entidades que apoiam essa luta.

Fórum Nacional pel Democratização da Comunicação (FNDC)
Sindicato dos Jornalistas DF
Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radio e TV – Fitert
GT Conteúdos Digitais e Convergência Tecnológica- Intercom
Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (OBSCOM/UFS)
Associação Brasileira das ONGs- ABONG- RS
CFEMEA Feminista
Blog do Luis Nassif
Conselho Consultor da EBC
Comunidade Ginga -DF
Comunidade Ginga Bolívia
Empresa Brasil de Comunicação -EBC
Observatório Latino-americano de Indústria de Conteúdos Digitais – OLAICD/UCB
Frenavatec
Nação Hip Hop Brasil
Barão do Barão De Itararé Rio de Janeiro – DF – Nacional
Projeto Brasil 4D/EBC
Blog do Chico Sant’Anna
Associação Nacional dos Estudantes de Pós-Graduação (ANPG)

Fonte: Portal Vermelho

“Boa parte dos grupos de mídia no Brasil se alinha em primeiro lugar com a lógica rentista e o fluxo transnacional de capital”

Vitória do Syriza na Grécia, com “Mercadblro” temendo pelo não cumprimento dos acordos e pagamentos frente à “crise” instalada na Europa; e medidas econômicas em prol deste mesmo “Mercado” no Brasil. 2015 começou com a economia marcando espaço importante nas pautas jornalísticas. Mas até que ponto sabemos quem é quem em meio a matérias sobre aumento de taxas de juros, superávit primário, dívida externa, austeridade, etc.?

Para nos ajudar a decifrar um pouco do porquê somos tão desinformados pela grande mídia e da participação da informação na fase financeiro do sistema capitalista, o Portal EPTIC entrevistou o coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG-CEPOS), Bruno Lima Rocha.

Bruno é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e graduado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É também editor do site Estratégia & Análise, onde podem ser encontrados textos, artigos acadêmicos e entrevistas. Atualmente, leciona em cursos de Relações Internacionais, Ciência Política e Jornalismo na ESPM-Sul, Unifin e Unisinos, todas no Rio Grande do Sul, além de ocupar a diretoria de relações sociais na atual diretoria do capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-BR).

Portal EPTIC – Você é coordenador de um núcleo de estudos que parte da importância da informação para o atual estágio do sistema capitalista, em sua forma financeira. Pode nos explicar esta relação?

Bruno Lima Rocha – No congresso mundial da IAMCR, em nosso grupo de Economia Política da Comunicação, nas duas edições em que me fiz presente (Istambul 2011 e Durban 2012), a relação entre mídia especializada em “economia”, circulação acelerada da informação e a forma financeira do capital formava um consenso. Se formos observar a circulação de dados através de satélites e a capacidade de compensação bancária através do Sistema Swift e do BIS (Banco da Basileia) já vamos observar esta capacidade sendo gestada no início dos anos 1970. Como o BIS compensa e opera 99% das relações interbancárias sem passar pela intermediação de nenhum Estado soberano (apenas os dígitos e registros são declarados), podemos afirmar que há uma relação de semi-autonomia – na rubrica da circulação do capital financeiro – entre as pessoas jurídicas que operam estas redes. Há a subordinação sim aos Estados líderes, como a relação umbilical entre a vigilância dos EUA e a absorção de dados através de códigos e palavras-chave na internet. Mas, dentro das relações econômicas e financeiras, podemos afirmar sem dúvida que a velocidade da informação acelera a capacidade transacional entre as instituições que operam no circuito financeiro de negociarem para além de qualquer capacidade de regulação das autoridades estatais indicadas para tal função.

EPTIC – O NIEG lançou um livro há um ano em que o título traz “a farsa com o nome de crise”, uma descrição que perpassa o entendimento da esquerda radical sobre os ciclos capitalistas, que necessitaria de uma crise para se reestruturar. Por que no caso da iniciada em 2007 nos EUA e passando à Europa logo em seguida vocês preferem não chamar de crise?

BLR – Primeiro, gostaria de observar que nem toda esquerda radicalizada (ou seja, as correntes que entendem a relação entre classes como conflito e que intentam criar, ou ajudar a criar, novas formas de relações sociais) assume a teoria das crises cíclicas. Mais, ainda quem absorve a tese das crises cíclicas – e logo as políticas anticíclicas – compreende que este sistema não se desmonta por crises geradas em seu interior e sim pode ser enfraquecido pela organização das bases das sociedades atingidas por estas “crises”. Não afirmamos a crise, pois a entendemos como farsa, uma vez que quando há informação perfeita dos agentes-chave não pode haver aleatoriedade e sim comportamento de manada forçosamente gerado pelos maiores interessados. A reestrutura gerada pela “crise” é simplesmente a receita do “austericídio” e a necessidade (imposta) de garantir margens asiáticas de ganhos. No Fórum Econômico de Davos em 2015 ficou constatado que os 1% mais ricos do planeta controlam maior fluxo e acumulação de riquezas do que o restante do planeta junto. Não afirmamos crise e sim farsa, pois os poderes de “regulação” e os agentes financeiros – cujos executivos transitam entre as esferas política, econômica e ideológica – tinham informação perfeita do que ocorria dentro do sistema hipotecário dos EUA. Logo, houve uma farsa diante da não-aleatoriedade.

EPTIC – Falando em crise, este foi um dos temas da campanha presidencial brasileira. Lá atrás, o ex-presidente Lula disse que ela seria para nós uma “marolinha”. 7 anos depois, com a economia mundial ainda estagnada, pode-se dizer que realmente só foi uma marolinha para o Brasil? Se houve efeitos aqui, quais foram?

BLR – Os efeitos no Brasil podem ser observados no chamado esgotamento do modelo de partilha, entre a garantia dos ganhos do capital financeiro (cuja lógica rentista é a grande vitoriosa no chamado 3º turno das eleições no Brasil) e uma espécie de tímido keynesianismo tardio. Diante da recessão europeia e da frágil recuperação da economia dos EUA e mesmo na desaceleração da economia chinesa (cujo tamanho é tão absurdo que quando há crescimento de 7 pontos parece ao mundo que a expansão capitalista na China está “devagar”), o Brasil não foi mal em suas políticas anticrise ou anticíclicas. Os efeitos são sentidos na diminuição do crescimento econômico e na rendição ao capital financeiro já no início do 2º mandato da presidenta Dilma Rousseff. Realmente, o Estado brasileiro não aguentaria o financiamento da expansão interna sem uma poupança à altura e, logo, sem entrar no montante dos mais de 40% do compromisso do orçamento federal para rolagem da dívida odiosa (este é um conceito, uma dívida duvidosa que atravessa a capacidade cotidiana de exercícios de direitos básicos e da função do Estado, como sustentar o Sistema SUS), o modelo se veria esgotado. Estamos muito dependentes da economia chinesa, tal e como a maioria dos países do Continente, e precisaríamos urgentemente de aumento da poupança interna para dar conta da expansão da economia aqui existente e atender as funções básicas desta limitada democracia liberal.

EPTIC – Ainda sobre as eleições, tivemos um embate marcante na TV aberta: a entrevista do Bom Dia Brasil com a presidenta Dilma Rousseff com a participação da comentarista econômica Miriam Leitão, com direito a correção do telejornal após a exibição. Esta foi uma eleição em que os comentaristas econômicos globais (incluindo aí o Sardenberg) expuseram mais seus pontos de partida ideológicos de produção?

BLR – Sim. Eu diria que, na verdade, isto foi notado, pois nossas pesquisas indicam que há esta exposição ideológica dentro de um paradigma neoclássico vulgar – também chamado de neoliberal – além de uma vontade infinita de coagir a soberania popular (já ínfima na definição do voto) diante de um discurso tecnicista sempre a ocultar as premissas neoliberais. O acirramento que houve no final do 1º turno e ao longo de todo o 2º turno para eleições presidenciais decorre da estratégia de campanha do lulismo, que faz sempre o apelo de classe quando vê o páreo apertado, e a consequente opção por um debate onde o Estado Nacional seria o único vetor possível de desenvolvimento capitalista menos injusto. Isto acirrou a contraposição dos meios hegemônicos, o que culminou na capa de Veja em edição antecipada na semana das eleições e o escrache contra a sede do grupo controlador da publicação na véspera do pleito. Se formos observar o tema da relação orgânica entre Estado e empresa capitalista, estamos relendo os fundamentos da crítica da economia política, logo, teríamos de condenar esta relação execrável que garante o caráter de classe de todo e qualquer Estado para com sua elite dirigente, fração (frações) de classe privilegiadas no acesso aos recursos coletivos, evidenciando também o acesso desigual aos recursos de poder e de empreendimento.

EPTIC – Por fim, poderia falar sobre a relação dos grandes grupos midiáticos brasileiros com o capital financeiro, se é que há alguma, que possa justificar a defesa de prática de modelos econômicos mais neoliberais que os dos últimos governos, mesmo partindo de um setor econômico cuja liberdade de atuação é quase que infinita?

BLR – Há duas dimensões neste sentido. Há presença de porcentagem de controle acionário por parte de fundos de investimento de risco (hedge funds, fondos buitres), mas o ataque ao aparelho de Estado e a diminuição da capacidade de intervenção dentro do modelo cepalino [desenvolvimentista por substituição das importações], estruturalista e cujo ápice na América Latina foi o Estado Nacional-Desenvolvimentista, já vem desde a segunda metade da década de 1980, reforçado após a queda do Muro de Berlim e do lamentável Consenso de Washington. Ou seja, não é porque as empresas de mídia estão com presença acionária de fundos duvidosos que seus colunistas e a linha editorial faz aberta pregação neoliberal. A ideologia não está diretamente vinculada às condições materiais de existência e a ideia de modernização da sociedade brasileira sempre foi uma mímica de sociedades ocidentais europeias ou europeizadas. Existe um sentido de crença dogmático na suposta racionalidade dos agentes de mercado, na retração destes diante de ambientes pouco convidativos aos investimentos e da defesa de que pouca regulação implica em garantia de liberdades fundamentais. Do ponto de vista da geografia econômica básica e do Sistema Internacional os pressupostos acima são simplesmente absurdos, formando uma perigosa fantasia voltada para converter sociedades em indivíduos atomizados e mão de obra precária no fluxo do pós-fordismo mais cruel. Como o tema é hermeticamente vedado à capacidade de compreensão da população e as garantias jurídicas para a crueldade – a meu ver beirando a sociopatia – dos investidores-especuladores em escala mundo nos leva a crer que não há alternativa, logo a diminuição da capacidade de intervenção do Poder Executivo na economia nacional é uma bandeira permanente dos grupos e setores de classe que querem o Estado para si, suas crenças e seus interesses diretos. Há que ressaltar que o modelo de desenvolvimento a todo custo tampouco é justo e faz do Executivo a antessala dos capitais que operam no Brasil. Um bom exemplo disso são as hidrelétricas de Juruá e Belo Monte e o desastre socioambiental destas decorrentes. Enfim, trata-se de dois embates simultâneos. Um, cotidiano, se dá entre os grupos de mídia aliados aos especuladores financeiros comandados no Brasil pelos bancos de correntistas (basta observar o titular do Ministério da Fazenda indicado no 3º turno para acalmar “os mercados”) e, de outro lado, todos os que compartilham da crítica ao neoliberalismo, sendo estes tanto keynesianos como autogestionários. O segundo embate se dá dentro do campo da crítica à economia política capitalista, quando a maior parte das escolas não rompe com o capitalismo em nenhuma circunstância (por exemplo, como o NEP leninista e suas tenebrosas consequências) e por isso mesmo se defronta contra grupos e movimentos em defesa dos interesses coletivos dos atingidos por esta expansão capitalista a todo e qualquer custo. Aí, neste segundo caso, os grupos de mídia se aliam aos capitais empreendedores e criminalizam o protesto social. De um modo geral, boa parte dos grupos de mídia no Brasil em suas editorias especializadas se alinha em primeiro lugar com a lógica rentista e o fluxo transnacional de capital. Mas, dentro do campo dos que são contra o neoliberalismo temos embates tão duros quanto os que ocorrem na crítica ao capital financeiro e seus porta-vozes oficiosos dos grupos de mídia.

“Essa cidadania, e como ela é tematizada na programação [da Globo], configura-se como prática capitalista”

JLD

Os pesquisadores da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura no Brasil trataram de análises gerais ou particulares partindo das indústrias culturais, desenvolvendo estudos específicos como a Economia Política da Televisão – representada por livros como “Mercado Brasileiro de Televisão” (BOLAÑO, 1988/2004) e a produção de Valério Brittos – e a Economia Política da Internet, desenvolvida a partir do Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM/UFS) e que gerou duas edições de uma obra com este título.

Nos últimos anos, na Universidade Federal do Piauí, a professora Jacqueline Lima Dourado assumiu o desenvolvimento da Economia Política do Jornalismo, cujo ápice foi a realização do Seminário Internacional de EPJ, em 2012, que gerou a publicação, no ano seguinte, do livro organizado com o mesmo nome da área em que se situa e com o subtítulo “campo, objeto, convergências e regionalismo”.

Líder do Grupo de Pesquisas em Comunicação, Economia Política e Diversidades (COMUM/UFPI), professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação PPGCOM/UFPI (Mestrado) e chefe de Departamento de Comunicação Social (DCS-CCE) da Universidade Federal do Piauí, em entrevista ao jornalista Anderson Santos do Portal EPTIC, Jacqueline trata da EPJ, dos trabalhos desenvolvidos no COMUM e comenta o livro de sua autoria, “Rede Globo: mercado ou cidadania”, publicado em 2010 – com segunda edição em 2012 –, que traz como proposta metodológica a análise da grade transversal.

Portal EPTIC – Uma das novidades nos estudos da EPC no Brasil nos últimos anos foi a sua proposição de uma Economia Política do Jornalismo, com artigos, um evento e um livro sobre o tema. O que a motivou a criar esta especificidade a partir desse eixo teórico-metodológico?

Jacqueline Lima Dourado – A necessidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação de centrar esforços em jornalismo. A nossa linha de pesquisa é “Processos e práticas em jornalismo”. Nesta linha o jornalismo é investigado a partir da análise crítica de seus processos e práticas dentro de sistemas produtivos de significações, tendo como referentes: a relação com os discursos sociais, a memória e a história, a economia política do jornalismo, os impactos sociais da atividade jornalística e sua inter-relação com as tecnologias. Foca o papel do jornalismo na construção do espaço público, na produção de visibilidades, na legitimação de instituições e nas transformações decorrentes da disseminação das Tecnologias da Informação e da Comunicação nas sociedades contemporâneas. Esta linha comporta pesquisas que investiguem o jornalismo em seus aspectos de regionalização e globalização, em questões relacionadas ao poder e à formação de hegemonias, gêneros, formatos, linguagens, técnicas e tecnologias jornalísticas e políticas (de mercado, públicas e editoriais).

EPTIC Outra novidade originada no Piauí a partir de você é o grupo de pesquisa que lidera, o Comunicação, Economia Política e Diversidade (COMUM), que articula um olhar sobre a produção de conteúdos televisivos regionalizados.

JLD – Estamos detendo o nosso olhar nos processos de regionalização. Os grupos empresariais regionais estão se organizando e marcando espaços por meio de grupos midiáticos. Estes grupos vêm impondo regras de mercado, agenda política, entre outros. Estamos orientando dissertações nesse sentido.

EPTIC – Em 2011, você lançou o livro “Rede Globo: Mercado ou Cidadania?”, oriundo da sua tese orientada pelo professor Valério Brittos na UNISINOS. Então, qual o interesse mercadológico do Grupo Globo em manter espaços voltados à construção de cidadania, mesmo que isso possa aparecer como uma contradição, dado seu histórico de relações de poder?

JLD – Procurei nesta pesquisa fazer um estudo de como o tema cidadania está dissolvido por toda a grade de programação da Rede Globo de Televisão. Observei como acontece a seleção dos temas, gêneros dos programas e a relação com as várias agendas. Trabalhei uma metodologia que denominei grade transversal de programação para melhor observar conteúdos veiculados. E com base nessas investigações metodológicas cheguei a algumas conclusões com relação à construção da cidadania na programação e às contradições históricas da empresa. São elas:

– Em geral, a programação global trabalha os temas sociais por meio da inclusão de personagens, que repetem modelos de comportamento normatizados pela moral vigente, embora em alguns momentos tenha-se a impressão de ruptura, o que não avança para se tornar concreto. Na imensa maioria das vezes, esse fato é justificado pela rejeição da audiência, que não está preparada para assistir na tela a situações que são parte da vida real;

– A Rede Globo se auto-referencia como local de encontro da cidadania na sua programação. Isso reflete a posição da emissora como conformadora de um espaço público, pelo qual os cidadãos participam, em alguma medida, do debate sobre as questões sociais. Um espaço público que, como tal, se caracteriza por promover o exercício da cidadania, apesar das precariedades, advindas do fato de ser organizado por um agente privado;

– Essa cidadania, e como ela é tematizada na programação, configura-se como prática capitalista, ou seja, é uma forma de administração do capital. O capitalismo, como qualquer sistema, mesmo que seja injusto, não pode ser só censurável de forma contínua, caso contrário não haverá adesão ao sistema. Tem que oferecer minimamente um rol de vantagens para combater a exclusão ao próprio modelo e ajudar a mantê-lo ou superá-lo. No que concerne às políticas de redistribuição de renda para a manutenção do capitalismo, a própria cidadania é engajar no sistema. Se a ideia da cidadania é isso, pode servir para melhor gerir o sistema e então a cidadania global estará cumprindo seu papel;

– Ao se questionar o posicionamento da Rede Globo frente à nova configuração capitalista contemporânea das indústrias culturais, concluiu-se que a emissora colabora para a manutenção do sistema capitalista contemporâneo do qual faz parte, enquanto produtora e distribuidora de produtos culturais. Ao longo de sua história, isso foi demonstrado quando traz para si conteúdos sociais e se auto-referencia como emissora cidadã, trabalhando o marketing e o merchandising social em sua programação.

Respondendo ao problema de qual o papel da temática cidadania nas estratégias da Rede Globo, é correto afirmar que a empresa, produtora de conteúdos culturais, aproveita-se do merchandising social como uma forma de conquistar e fidelizar audiência no disputado mercado de mídia televisiva. A Rede Globo, ao exibir conteúdos sociais, demonstra uma imagem pública de emissora socialmente responsável, com uma programação que educa para audiência por meio de programas produzidos em padrões de qualidade técnica e estética de alto nível.

A pesquisa mostrou que as ações de marketing social atuam na promoção de cidadania, incluindo merchandising nestas ações, com temáticas, sobretudo, vinculadas aos direitos sociais, políticos e econômicos. Isto embora esta cidadania, muitas vezes, ocorra somente como uma possibilidade de proposta.

EPTIC – Ainda sobre sua tese, você cria como proposta metodológica a grade transversal. Você pode nos explicar o que a motivou chegar nesta proposta, que parte do materialismo histórico-dialético para alcançar a presença da cidadania na grade da TV?

JLD – O primeiro pensamento foi imaginar um dia ideal de programação. Esse dia ideal de programação deveria contemplar uma amostragem abrangente da programação da TV Globo, ou seja, daquilo que cotidianamente o telespectador comum assistiria. Com a captura dos programas, seria criada uma grade com todos os gêneros que fossem analisados. Essa grade seria denominada de dia ideal, embora não necessariamente esse dia tivesse exatas 24 horas, já que o horário nobre da emissora, com maior índice de audiência, vai das 18h às 23h, tendo programação diferenciada a cada dia, daí ser considerável analisar o conteúdo dos programas que se revezam na grade, como forma de cobrir a programação de modo ampliado, o que confere maior consistência ao campo analítico. Este dia ideal, no entanto, não abarcava o que se pretendia em toda a programação. Então optei por fazer um corte transversal na programação, incluindo todos os tipos de gêneros encontrados na grade de programação da TV aberta do Grupo Globo. Desse modo, é preciso que se tenha em mente que o enfoque analítico volta-se, exatamente, sobre a questão de a cidadania estar, ou não, inserida no contexto da programação e de que modo ela é apresentada e representada, por meio de temas, da seleção ou adequação destes, frente aos diversos gêneros de programas e da relação com as diferentes agendas. Para isso, foram concentradas diferentes fontes de evidências, além de um incremento prévio de proposições teóricas que administraram a excelência na construção e análise de dados.

Partindo desse pensamento é que se elegeu o método materialista histórico-dialético como quadro referencial desta pesquisa, por contemplar a importância da capacidade de conceber o conhecimento a partir de interpretações ativas da realidade, construídas pela experiência social, única para cada indivíduo, que produz o raciocínio lógico, necessário para a interpretação das regras próprias do ambiente pesquisado. Buscou-se nos conteúdos dos programas globais as manchas de cidadania, a fim de estudá-las sob as premissas do materialismo histórico-dialético, confrontando-as com a teoria revisada e os objetivos propostos.

EPTIC – Para finalizar, quais os focos de atuação do COMUM neste momento no âmbito dos estudos da Economia Política da Comunicação e quais os desafios para o grupo a partir de 2015?

JLD – Estamos trabalhando com pesquisas sobre o processo de regionalização da televisão no Piauí, estudando o reposicionamento de mercado destas emissoras familiares e grupos emergentes. Em 2015, vamos começar a estudar a discussão sobre televisão pública ou estatal, que é outro imbróglio que merece o nosso olhar aqui no Piauí. Vamos também começar a trabalhar o volume dois do livro Economia Política do Jornalismo.

Adilson Cabral debate comunicação e o segundo governo Dilma Rousseff

adilsoncabraluffPor que é importante debater comunicação em um país de dimensões continentais? Essa pergunta é a mola que move a edição de novembro do Boletim EPnoTICias da Rede Eptic. Entre os convidados para refletir sobre o tema está o Professor Doutro Adilson Cabral (Universidade Federal Fluminense – UFF/RJ/Brasil).

Em entrevista a jornalista Joanne Mota do Portal Eptic, o pesquisador falou sobre suas impressões e, objetivamente, refletiu sobre a corrida eleitoral e o papel dos meios de comunicação tradicionais nesse processo. Adilson ainda refletiu sobre o primeiro mandato de Dilma Rousseff e sobre os desafios que se avizinham.

Portal Eptic – O Brasil acaba assistir a uma das eleições mais acirradas da história recente, na qual os meios de comunicação tiveram um papel emblemático. Há nos seio social um coro de denúncia sobre o posicionamento desses meios e mais uma vez o grito “democratiza” corre pelas ruas e redes. Como pesquisador, qual avaliação dessa relação meios de comunicação cobertura eleitoral?

Adilson Cabral: São o reflexo da ausência de enfrentamento do tema dos meios de comunicação pelos governos petistas, bem como um dos efeitos colaterais do privilégio ao pacto de governabilidade a despeito da efetivação de um projeto político em bases democráticas capaz de envolver e proporcionar uma cultura de participação política na sociedade. Isso se manifesta tanto na ausência de limites que os meios tradicionais privados acabam tendo, como na ausência de meios alternativos de larga escala, que acabaram sendo substituídos pelas redes nas mídias sociais.

Portal Eptic – Na sua visão, quais os impactos dessa cobertura midiática em tempos de bloqueio de uma maior participação social?

A cobertura midiática existe desta forma em virtude da concentração dos meios e do alcance territorial concentrado num meio. Em termos de Brasil, trata-se da maior concentração do planeta. Aliada a essa concentração, o padrão de qualidade técnica e profissional empreendido pela emissora de maior amplitude no país proporciona um padrão de agendamento da opinião pública, ao mesmo tempo em que minimiza outras frentes no espaço eletromagnético. A participação social se desloca para as redes nas mídias sociais e nas formas tradicionais de ativismo e militância.

Portal Eptic – Por que é tão difícil inserir na pauta parlamentar a agenda de um novo marco regulatório das comunicações no Brasil?

AC: Porque não há interesse significativo por parte dos parlamentares, na medida em que o tempo de exposição é agendado nos mesmos moldes de concentração e os mesmos não se arriscam a não serem mais agendados. Além disso, há não só o desconhecimento, como um conhecimento rasteiro que não compreende a comunicação como cultura, desenvolvimento e indústria, mas como negócio, na pior acepção do termo.

Portal Eptic – Diante do acirramento entre sociedade civil e setores dominantes,  acha que o atual momento pode favorecer a realização de uma 2ª Conferência da Comunicação no Brasil? Sem sim, acha que ela daria maiores passos que a primeira?

AC: A 2ª CONFECOM se faz extremamente necessária para a sociedade em geral e o movimento pela democratização da comunicação em particular, bem como uma ampla gama de movimentos e setores sociais. Não se trata de dar maiores passos, mas passos mais precisos: dado o resultado da 1ª CONFECOM e o decorrente afinamento de suas resoluções, cabe encaminhar das formas mais adequadas – à regulamentação ou à implementação – as propostas já aprovadas, compreendendo atores a serem envolvidos e níveis de prioridade em termos de cronograma de atuação.

Portal Eptic –  No que se refere ao setor das Comunicações, quais suas expectativas com o segundo governo Dilma Rousseff? Podemos esperar uma composição ministerial diferente da anterior que garanta avanços na pasta?

AC: O governo precisa ser melhor que o anterior, na medida em que sendo no mínimo igual já será o suficiente para desmontar qualquer possibilidade de crença numa continuidade do projeto político empreendido pelo PT nos últimos 12 anos.

Cultura y desarrollo: propuesta de un nuevo modelo

César Bolaño, Joanne Santos Mota

“En busca de un nuevo modelo”. Es como podemos resumir la discusión que tuvo con Prof. Dr. Arturo Guillén, quien habló acerca de los métodos histórico-estructurales propuestos por Celso Furtado a fin de contribuir para entender los problemas sociales y económicos actuales. Destacando la importancia de la cultura en el proceso de e aplicación de un proyecto de desarrollo verdaderamente nacional. Guillénes profesor en el Departamento de Economía de la Universidad Autónoma de México y actualmente es presidente de la red Eurolatinoamericana de Estudios para el Desarrollo” Celso Furtado”.

A Dimensão crítica da EPC e sua luta epistemológica

Cesar Bolaño
Possui graduação em Comunicação Social Com Habilitação Em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1986) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Foi o fundador da Rede EPTIC, o primeiro presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura e presidente da Associación latinoamerica de los investigadores de la Comunicación – ALAIC. Atualmente é professor associado IV da Universidade Federal de Sergipe e diretor da Revista Eptic online.

Por Alain Herscovici