A REVISTA EPTIC, produzida pelo Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), informa que está aberta até o dia 20 de fevereiro de 2017 a chamada de trabalhos para a edição de janeiro-abril, vol.19, n.1 que terá como tema de seu dossiê temático “Hipótese substancial, valor e produção simbólica: uma “arqueologia” da Economia Política da Comunicação.
Ementa
I) O tema do valor sempre foi presente na Ciência Econômica: desde sua fundação, com a escola fisiocrática, no século XVIII, até hoje, esta problemática é presente, implícita ou explicitamente, na maior parte dos debates teóricos; de Adam Smith à Ricardo, Marx e Sraffa, no que concerne à Escola Clássica e seus desenvolvimentos modernos, de Jevons, Menger e Walras até a teoria das expectativas racionais, no que diz respeito à escola neoclássica. Além de suas diferenças, essas diferentes escolas, incluindo o marxismo, adotam a hipótese substancial: esta hipótese parte do princípio segundo o qual os bens econômicos, ou as mercadorias, possuem um valor intrínseco.
A hipótese substancial corresponde a um duplo processo de reificação e de universalização: reificação pelo fato das trocas se limitarem à troca de bens materiais (coisificação) negando a dimensão social da troca (Dumont, 1985, p. 128) – universalização pelo fato dessas características dos bens ou das mercadorias não dependerem de determinadas especificidades sociais e históricas.
II) Vários abordagens permitem refutar a hipótese substancial: a análise ligada à Antroplogia Econômica moderna (por exemplo Polanyi, 1983) a refuta, mostrando que, nas sociedades não capitalistas, as relações econômicas são embutidas (embedded) no sistema de relações sociais.
Orléan (2011), no âmbito de uma análise econômica heterodoxa diretamente ligada a Keynes, a Akerlof, Grossman e Stiglitz, demonstra que o valor econômico é o produto de relações sociais historicamente determinadas.
III) Encontramos a mesma oposição na Sociologia da Cultura. A Escola de Frankfurt, a partir dos trabalhos de Adorno e Benjamin, raciocina a partir da hipótese segundo a qual a obra de arte possui um valor intrínseco, ou seja, universal: é apenas a partir desta hipótese que é possível afirmar que a indústria cultural em geral constitui uma forma “degenerada” de Cultura, em relação à perda da aura (Benjamin), e que o jazz não é uma gênero musical à part entière (Adorno).
Bourdieu, ao contrário, ressalta a importância dos determinismos sociais nas modalidades de constituição do campo cultural e das mediações que esses determinismos permitem construir, o que ressalta a dimensão histórica do valor cultural; o princípio do Habitus (Bourdieu, 1979) ilustra perfeitamente este mecanismo.
IV) Outro campo de questionamento é dado pela Economia Política da Cultura. Para estes economistas, já nos anos setenta, o setor das produções culturais apresentava particularidades econômicas relativas à determinação de seu valor, às estruturas dos mercados e às modalidades de valorização econômica que o distanciava da hipótese substancial: (a) não existe relação entre os custos de produção e as receitas ligadas à valorização econômica desses bens e serviços (b) na ausência de um preço regulador, esses mercados são altamente especulativos (c) consequentemente, esta valorização é particularmente aleatória e (d) não é possível determinar “objetivamente” um valor fundamental para esses bens.
V) Se, inicialmente, tal questionamento pôde ficar restrito ao setor da Cultura, as mudanças estruturais do capitalismo e o desenvolvimento, a partir dos anos 90, de todas as formas de capital imaterial (Direitos de Propriedade Intelectual, patentes, marcas etc) e das redes sociais implicaram a extensão dessas lógicas à maior parte da Economia; assim, os problemas teóricos e empíricos relativos à Economia da Cultura se relacionam atualmente com a maior parte da produção social.
VI) A generalização dos problemas teóricos e empíricos anteriormente restritos à Economia da Cultura geram novas problemáticas epistemológicas: nenhuma matriz teórica “tradicional” na Ciência Econômica tem atualmente condições de resolver esses novos problemas próprios às diferentes formas de capital imaterial desenvolvidas no capitalismo pós-industrial, nem a matriz clássica ligada ao valor trabalho, nem a neoclássica que utiliza a teoria subjetiva do valor utilidade.
Do ponto de vista da construção de uma “arqueologia do conhecimento”, no sentido empregado por Foucault (1966), a Economia da Cultura foi pioneira em relação à Ciência Econômica.
VII) O presente dossiê almeja tratar deste tipo de problemática. Esta discussão, diretamente ligada à Epistemologia da Economia Política, é hoje uma questão de primeira importância: ela deveria rever, e eventualmente modificar, certas hipóteses que constituem seu núcleo duro, para se adequar às novas realidades que caracterizam o capitalismo pós-industrial, e contribuir assim para o fortalecimento do Programa de Pesquisa Científica da Economia Política da Comunicação.
Referências bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. La Distinction. Critique sociale du jugement. Paris: Les éditions de minuit, 1979.
DUMONT, Louis. Homo aequalis. Genèse et épanouissement de l’idéologie économique. Paris: NRF, Editions Gallimard, 1985.
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Une archéologie des sciences humaines. Paris: Gallimard, 1966.
ORLÉAN, André. L´empire de la valeur. Refonder l´Économie. Paris: Éditions du Seuil, 2011.
POLANYI, Karl. La Grande Transformation. Aux origines politiques et économiques de notre temps. Paris: Editions Gallimard, 1983.
Revista
Além do dossiê, o periódico, avaliado como B1 pelo Qualis Capes (Área CSA1), segue recebendo contribuições para as suas outras sessões. A Revista Eptic recebe colaborações, na área de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, em forma de Artigos, Ensaios, Relatos de Pesquisa, Entrevistas e Resenhas inéditos em periódicos nacionais, que poderão ser redigidos em português, espanhol, francês ou inglês.
Exige-se dos autores das seções ARTIGOS E ENSAIOS e DOSSIÊ TEMÁTICO a titulação mínima de mestree que os mesmos sejam resultantes de estudos teóricos e/ou pesquisa. A seção INVESTIGAÇÃO aceita artigos, fruto de pesquisa em desenvolvimento ou concluída, também de mestrandos e doutorandos, que também podem enviar resenhas de livros para publicação.
Coordenador do Dossiê Temático: Prof. Dr Alain Herscovici
Prazo para submissão de artigos: 20/02/2017
Mais informações: www.revistaeptic.ufs.br