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Por María del Carmen Ramón – CubaDebate 10/12 (tradução de Anderson Santos)*
“Transformar a sociedade num sentido mais democrático e construir formas de relação social que não passem pelo mercado”, essa é a ideia que por anos tem defendido César Bolaño, fundador da rede de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação (EPTIC) e uma das referências fundamentais da sistematizacão da Economia Política da Comunicacão e da Cultura na América Latina. No marco do VIII Encuentro Internacional de Investigadores y estudiosos de la Comunicación (ICOM), encontra-se de visita em Cuba.
De formação jornalística, suas análises deram um giro ao estudar O Capital, momento em que se orientou até à produção de uma teoria marxista da comunicação, campo que se tem desenvolvido na América Latina ao longo de três décadas, influenciado pelo debate econômico, social e comunicacional no continente.
O que significa mirar o campo da comunicação a partir de uma crítica da Economia Política? Segundo explica Bolaño, a comunicação é parte da economia, daí que não seja possível entendê-la como algo isolado Sobre comunicação, cultura, poder e economia na América Latina, Cubadebate conversou com Bolaño.
— Você falava em ma entrevista sobre a importância de recuperar a centralidade da comunicação nas análises dos fenômenos e dentro da comunicação a força do pensamento latino-americano. ¿Por que é tão importante para Bolaño o pensamento latino-americano?
— O pensamento latino-americano sempre teve importância no campo da comunicação em nível internacional. Tem uma história ampla e sempre se caracterizou por ser um pensamento crítico. Foi assim com a primeira escola latino-americana, com as teorias da dependência cultural, durante a investigação dos estudos culturais latino-americanos do professor Jesús Martín-Barbero…
É uma trajetória que em alguns momentos esteve em mais evidência que em outros, porém, sem dúvida, teve significativas contribuições. Na atualidade estamos num momento em que a Economia Política da Comunicação latino-americana tem que apresenta-se como um projeto comum para o campo da comunicação latino-americana, incluindo os estudos culturais, os estudos de comunicação popular e alternativa, no sentido de propor uma nova agenda de investigação.
O campo da comunicação está num momento transcendente. Os grupos transdisciplinares que tentam explicar as mudanças globais que se estão processando necessitam um apoio da comunicação e, por sua vez, este debate deve repensar-se em nível global. Nessa discussão, claro que a América Latina tem muito que contribuir. Para isso é muito necessária a articulação entre os diferentes subcampos em que atua o pensamento latino-americano e eu creio que a Economia Política da Comunicação tem um papel central nisso.
— Que relação existe entre economia e comunicação? Por que você defende o termo Economia Política da Comunicação?
— São dois temas distintos. A comunicação e a cultura tradicionalmente se estudam de forma separada dos processos políticos, econômicos e das estruturas poder. O campo da economia da comunicação e da cultura está preocupado, basicamente, por entender este sector da produção humana no interior das estruturas de poder econômico e político das lutas sociais, essa é sua perspectiva crítica e pela forma em que se constituiu é marxista e interdisciplinar.
A partir daí, há diferentes objetos de investigação desde onde aplicar as análises da Economia Política da Comunicação. Entender, por exemplo, o funcionamento das indústrias culturais, as especificidades dos processos de trabalho, tudo isso também é parte do pensamento em Economia Política da Comunicação. Trata-se de um setor econômico, porém, mais que isto, é um setor chave na organização das estruturas de poder no capitalismo.
A comunicação é uma estrutura de poder e, por tanto, em qualquer sociedade, quem controla a comunicação intervém numa esfera de poder importante. Os estudos de comunicação também estão influenciados pelas disputas de poder que existem no nível da sociedade. A luta epistemológica é parte da luta de classes, pela qual há que se dar conta de que há diferentes paradigmas e intenções, que estão em disputa num campo como este que é absolutamente central como estrutura de poder. A posição da Economia Política da Comunicação nestes processos sociais, econômicos e políticos é uma posição contra hegemônica. Nesse mundo estamos nos movendo e estamos propondo programas de investigação e paradigmas contra hegemônicos.
— Ante o objetivo de construir novas formas de relação social que não passem pelas relações de mercado, o que você acredita que Cuba poderia acrescentar a esse debate?
— Cuba tem uma vantagem num momento como o atual, em que chegamos a uma situação limite no mundo, seja no que se refere ao problema do meio ambiente ou a outros como os que hoje se vive no Oriente Médio ou Europa. Ninguém está fora disto depois da globalização.
O tema é que outro tipo de desenvolvimento é possível que nos tire desta situação. A maioria da gente está tratando de discutir formas de sair da linha tênue que a humanidade se meteu. Creio que Cuba tem uma autonomia cultural importante e uma experiência que pode acrescentar na discussão sobre novas propostas de desenvolvimento humano.
— Você também comentou que a ampliação de acesso à Internet nos propicia precisamente uma maior democratização. Que recomendações vocês faria a Cuba, cujas políticas estão trabalhando para que novas tecnologias possam estar sempre ao serviço das necessidades reais da sociedade?
— A entrada da internet é algo bom porque facilita as comunicações, porém tem que se apreciar de que se está introduzindo uma nova lógica mercantil e uma lógica de individualização e de fragmentação.
Tem que dar entrada a uma nova discussão a níveis mais altos de democracia, porém eu diria que o mais importante é que o Estado mantenha sua capacidade de regulação e de realizar políticas públicas. Todo o mundo conhece a excelência das políticas públicas cubanas. A entrada de lógicas mercantis é muito complicada, porque necessariamente trará lógicas de exclusão pelos preços; então eu creio que esse é o ponto que se tem que cuidar.
— Bolaño é um profundo marxista, que desafios o tem trazido defender isso no que crê?
Em comunicação se conhece muito pouco o pensamento de Marx, em todo o período neoliberal o marxismo sofreu muito pelo avanço do pensamento pós-moderno, foi um mal muito grande a nível internacional, principalmente nos anos 1990, quando o pensamento crítico sofreu muito.
Hoje, por exemplo, na França, as universidades de economia já não ensinam Marx, isto é um grave problema. E na América Latina tem passado bastante. Neste momento há uma recuperação, há um crescimento do pensamento marxista, influenciado porque há um esgotamento do pensamento pós-moderno que deixou claro seus limites. Muita gente jovem está entrando e quer ver outras coisas.
— Você defende muito a necessidade de transformar a sociedade num sentido mais democrático. É possível chegar a um estágio de maior democratização?
— Eu creio que sim. Apesar de que a situação hoje não é muito boa e estamos num momento complicado a nível internacional e também na América Latina, eu confio que a classe trabalhadora poderá buscar formas de organização social mais solidárias.
* César Bolaño é líder do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS (Comunicação, Economia Política e Sociedade) e professor dos Mestrados em Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no Brasil.