O papel da comunicação pública na crise política brasileira

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Para funcionar como contraponto à cobertura da mídia comercial, EBC tem levantado a bandeira anti-impeachment e aberto mão do equilíbrio jornalístico

Por Mariana Martins* (Blog do Intervozes – Carta Capital)

A repercussão da linha editorial da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), assumida desde o início da crise política e aprofundada na última semana, tem gerado satisfação por parte da direção da empresa, da diretoria executiva ao Palácio do Planalto.

Os recorrentes programas com apoiadores do governo como entrevistados vêm sendo compartilhados pelos partidários da bandeira “contra o golpe”. A EBC está sendo vista como o “contraponto” à Globo neste processo de noticiamento espetacularizado – que eu não ouso chamar jornalismo. Nas redes sociais, tem sido citada como refúgio para os que são contra o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e buscam alguma diversidade na cobertura televisiva.

É fato que a emissora tem acertado ao buscar aprofundar a análise sobre os fatos, por meio de discussões, em estúdio, sobre as falas dos parlamentares, os protestos nas ruas, a crise e suas diversas repercussões. No entanto, a TV ainda está distante de garantir equilíbrio e diversidade de opiniões e informações, elementos fundamentais da comunicação pública.

Um exemplo ocorreu no último domingo (17), durante a fala do relator do processo de impeachment, na abertura dos trabalhos na Câmara dos Deputados. A TV Brasil cortou as transmissões para os comentaristas que defendem abertamente os argumentos do governofalarem. Até as cores escolhidas por comentaristas e apresentadores para vestir no domingo foram consideradas. Na bancada, o jornalista Paulo Moreira Leite, em sua defesa do governo, abriu pouco espaço para o diálogo, mesmo que crítico, com outras posições.

No dia 31 de março, dia nacional de protestos contra o impeachment, a EBC fez plantão ao vivo do seu jornal, que durou aproximadamente o dobro do tempo do plantão feito no dia dos protestos favoráveis ao afastamento de Dilma. As manifestações retratadas, na imensa maioria das vezes, foram acompanhadas de juízo de valor positivo. Por outro lado, quando mostrava o lado pró-impeachment, a emissora limitou-se a exibir imagens. As capas da Agência Brasil também têm sido recorrentemente mais favoráveis ao governo.

Ligados direta ou indiretamente ao governo ou à defesa dele, os principais comentaristas e entrevistados da TV Brasil seguem a mesma linha. Quando o lado contrário é ouvido –como ocorreu quando o jurista Hélio Bicudo participou do programa Espaço Público – o apresentador Paulo Moreira Leite assumiu uma postura de defensor do governo, perdendo a condição original de entrevistador e assumindo uma posição de opositor do convidado.

Comunicação do Palácio do Planalto

Os exemplos, infelizmente, não se resumem a esses. O desequilíbrio na cobertura dos veículos da EBC ocorre neste momento e seguirá ocorrendo se o papel da comunicação pública e de sua autonomia frente ao governo não for resgatado. O grande perigo que a EBC corre é cair no conto do público carente.

É inegável que a mídia comercial brasileira tem lado, descaradamente. É inegável que esta mesma mídia está atrelada ao que há de mais conservador na política nacional e que os grupos privados não apenas reportam mas orquestram o que se configura como um golpe na nossa recente democracia.Também é inegável que o país está órfão de uma comunicação minimante equilibrada. Temos uma carência de jornalismo diverso e equilibrado. Mas este não pode ser confundido com um jornalismo partidário, cuja tarefa já vem sendo cumprida por um conjunto de veículos que não só podem como devem assumir seus lados. Esse não é, no entanto, o papel da comunicação pública.

A comunicação pública não pode se contentar em ganhar audiência baseada no partidarismo ou no jornalismo tendencioso e unilateral, tentando ser o outro lado da mídia privada e conquistar um público carente a partir de uma visão unilateral. O desafio é conquistar sim o público com várias visões, pretensiosamente com todas as visões. A cartilha unilateral da mídia privada não merece ser sequer contraposta, porque, simplesmente, não é jornalismo, não tem como foco a cidadania, a democracia e outros valores tão caros à construção de um Estado Democrático de Direito.

A segmentação pelo político-partidarismo de visão unilateral tem vida curta, muito curta. A mão que afaga hoje poderá ser a mão que apedrejará amanhã, porque dificilmente o Brasil prescindirá de uma alternância de poder. Pior, estamos, nesse processo, mais uma vez ameaçados pela ascensão de um governo não eleito, autoritário.

O perigo de deixar a comunicação pública ao sabor do governo nunca foi tão grave. Logo, se a opção do atual governo, mais precisamente do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, e dos seus indicados para direção da EBC for por umacomunicação ditada pelo Palácio do Planalto, não fará sentido a existência e a manutenção de uma empresa pública de comunicação. Os veículos governamentais – felizmente – existem para cumprir essa função.

Se, ao contrário de se contentar com a audiência carente, que vê refletir na crise política do Brasil a crise do jornalismo nacional, a comunicação pública aprofundar os princípios básicos do jornalismo – como é a sua missão –, obterá não apenas um resultado melhor, mas mais duradouro. A audiência na comunicação pública é, logicamente, desejável. Não há razão de existir sem ela. Mas o diferencial da comunicação que se pretende pública é sobreviver ao seguinte dilema: não viver sem audiência, sem que tenha que viver para ela.

A comunicação pública precisa buscar a sua essência e encontrará toda audiência que busca conteúdo qualitativo, seja no jornalismo, seja na programação de uma forma geral. Ao contrário do que a direção da EBC defende em seu plano de trabalho – no melhor modelo endomarketing de empresas que elaboram planejamentos estratégicos homogêneos –, que é buscar ser “referência”, é preciso voltar à essência.

A EBC deve buscar, como todo veículo de comunicação, ser crível. Referência é uma palavra extremamente vaga. Ser referência de quê, para quem? Ser referência não pode ser o projeto em si. Ser referência prescinde um projeto, e o projeto a ser perseguido pela comunicação pública é baseado na credibilidade, e não na referência. Só a credibilidade fará a comunicação pública conquistar uma audiência duradoura e fiel.

Por fim, credibilidade não se constrói correndo atrás de cliques e compartilhamentos nas redes sociais. A credibilidade se constrói com honestidade, transparência, diversidade, pluralidade, equilíbrio, inovação, foco em cidadãs e cidadãos, trazendo para o conteúdo e para as suas práticas o que é essencial para a construção da própria democracia. Pois a comunicação é parte fundamental da democracia. Ela reflete e é refletida neste contexto.

Portanto, a receita para que a comunicação seja pública é a mesma usada para que um Estado seja democrático: aprofundamento da participação social e dos princípios democráticos em todas as esferas.

*Mariana Martins é jornalista, doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Intervozes.

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