#FicaBBB: ativismo digital, hashtags e fadas sensatas

Por Aianne Amado (1) e Carlos Figueiredo (2)

No mesmo dia que Tiago Leifert anunciou aos participantes que, pela primeira vez na história, a edição do Big Brother Brasil seria estendida devido ao apelo do público, ouviram-se da janela gritos em celebração quando o brother Babu Santana terminou sua participação na prova do líder como favorito, como numa copa do mundo de um jogador só. Na timeline do Twitter, memes surgiam numa velocidade humanamente impossível de consumir em totalidade.

Horas antes, o presidente Jair Bolsonaro havia demitido o então ministro da saúde, em meio à pandemia global do COVID-19. A janela também anunciou: dessa vez com panelas. Os memes tinham um tom mais fatalista que aqueles que viriam mais tarde, mas ainda regados de humor.

Essas duas situações nos levaram a algumas reflexões que tentaremos levantar aqui. Começando pelo artigo “How the world’s collective attention is being paid to a pandemic: COVID-19 related 1-gram time series for 24 languages on Twitter” (3), que analisa os principais termos ou símbolos utilizados nas três primeiras semanas de março de 2020 para cada língua no Twitter. Dos 20 resultados para a língua portuguesa, 13 estavam relacionadas ao reality show da Rede Globo e seus participantes, contra 5 sobre a pandemia. A dessemelhança com os resultados de outras línguas também chama atenção:



Lista dos termos mais recorrentes durante as três primeiras semanas de março dentre as 6 línguas mais faladas do site de rede social Twitter. Fonte: ALSHAABI et. al, 2020

Ao longo dos anos, o debate sobre pautas sociais no Big Brother Brasil vem crescendo, já desenhado desde a seleção dos participantes pela produção do programa, tendo dentre eles ativistas e defensores de causas como gênero, raça e sexualidade (curiosamente, debates partidários não são comuns entre o elenco – ou, se são, não passam pelo corte da edição). Nesta 20ª edição, essas pautas ganharam destaque central para o desenrolar da competição, especialmente as duas primeiras problemáticas citadas. Ademais, essa também é a primeira edição em que participam pessoas já famosas antes do programa, com uma base de seguidores fiéis nas redes sociais, o que acalorou as rivalidades dentro e fora do confinamento.

Os fãs sempre estiveram inseridos na lógica do programa: Bruno Campanella mostra fandoms altamente organizados em sua tese, escrita há 10 anos (4). E, como em todo consumo de fã, o afeto interfere imediatamente na interpretação do texto, mas, especificamente em realitys de votação pública, há a certeza de interferência no resultado final mediante participação. Contar com um público fiel e parcial já antes da disputa começar proporcionou uma vantagem única.

Como eficiente programa de entretenimento, o Big Brother dá ao público a oportunidade de criar narrativas maniqueístas, de fácil acompanhamento até para aqueles que não assistem assiduamente. O primeiro grande arco narrativo do BBB 20 aconteceu logo nas primeiras semanas do programa e foi pautado pela desigualdade de gênero, com denúncias de assédio e machismo por alguns homens da casa, os “machos escrotos”; e exaltação do comportamento da maioria das mulheres, que receberam o carinhoso apelido de “fadas sensatas”, com base na identidade da campanha virtual da participante Manu Gavassi, a mais famosa pré-BBB. As fadas sensatas são as que “nunca erraram”, que percebem as injustiças sociais e não têm medo de combatê-las, defensoras da verdade e igualdade. Já os machos foram prontamente eliminados, um a um.

Entretanto, a temática central da edição ainda estava por vir: o preconceito racial. E, num plot twist hollywoodiano, eram as fadas quem assumiriam o papel de vilãs para o mocinho Babu, que tinha uma certa proximidade com o grupo dos machos. Babu é negro e anda pela casa orgulhosamente ostentando seu pente garfo preso no cabelo crespo. Do outro lado figura um autointitulado “grupo hippie”, com membros brancos à exceção de Thelma, amiga e protegida do ator carioca. Dentre alguns posicionamentos infelizes, o grupo associou Babu a monstruosidades e macumbas. As fadas sensatas agora são, jocosamente, chamadas por alguns de “fadas senzalas”. As disputas, claro, são definitivamente resolvidas no paredão (que, por sinal, bateu o recorde mundial do formato com 1,5 bilhões de votos na disputa entre Prior, melhor amigo de Babu, e Manu Gavassi). Isso não impede que o debate ganhe espaço também nas redes sociais, como deixa claro o levantamento citado acima. Não basta votar, é preciso expressar o voto, se posicionar, fazer campanha, cobrar posicionamento de celebridades e figuras públicas (até o eterno Luke Skywalker, Mark Hammil, entrou para a briga). As hahstags tomam lugar de bandeiras, sendo usadas para evidenciar, orgulhosamente, de que lado está. #FicaFulano e #ForaCiclano. Enquanto isso, o discurso social que iniciou a disputa se esvazia, dando lugar a memes, fake news e ameaças. Não há teoria ou embasamento. Surgem duas competições: uma interna, pela vitória nas votações; e uma externa, pelo fandom mais forte.

Olhando bem, parece até que já vimos esse filme antes.

A participação do público ao BBB 20, programa de TV frequentemente visto com maus olhos pela academia, ilustra diversos pontos discutidos atualmente pelos teóricos da Comunicação Social no Brasil: desde as próprias causas sociais e a respectiva aderência dos espectadores, própria dos Estudos Culturais, até discussões sobre convergência e segunda tela – algo que a Rede Globo demorou para dominar mas hoje usa com maestria. Dentro do campo da EPC (5), alguns pontos que merecem aprofundamentos são: o crescente interesse da emissora nos debates sociais e como ocorre a apropriação desses temas pela Globo; a função interação e as formas de captar o engajamento do público; as maneiras usadas para incorporar a movimentação nos sites de rede social que, inicialmente, não trariam lucros diretos para a produção; e a incorporação da lógica dos fandoms em movimentos políticos.

Sobre esse último, propomos destacar dois conceitos que vem ganhando espaço dentro dos Estudos de Fãs: o fanactivism, ou ativismo de fã, quando a presença no fandom influencia a participação em algum movimento social ou militância; e o fã político, aquele que, mais que um eleitor, possui um comportamento interativo com a figura pública. Até onde vai a causa? Onde o afeto passa a imperar? É possível reconhecer que seu ídolo pode se tornar vilão? Teria meu candidato se tornado uma fada sensata?


Postagem do ator, escritor e comediante Gregorio Duvivier no Twitter.

Grande de parte dos movimentos sociais e partidos de esquerda fazem uso irrefletido das plataformas digitais como ferramentas de comunicação, e acabam aderindo à lógica mercantilista dessas empresas ou ainda usando a ferramenta sem qualquer estratégia ou análise de conjuntura adequada. Gramsci (8), ao analisar como os partidos progressistas poderiam transformar o senso comum, usou uma metáfora comparando as estratégias de convencimento com táticas de guerra. Ele notou que, assim como nos confrontos bélicos de seu tempo, as lutas ideológicas estavam passando cada vez mais da guerra de movimento, realizada em campo aberto onde as forças se confrontavam diretamente, para a guerra de trincheira em que o exército vencedor derruba as trincheiras dos adversários uma a uma. Dessa forma, os partidos progressistas, para transformarem o senso comum e criarem novos consensos, deveriam quebrar resistências culturais, aproveitando-se de elementos progressistas presentes na cultura popular.

O uso da guerra de trincheiras enquanto tática não significaria não usar a guerra de movimento, mas utilizar um conjunto de táticas em diferentes contexto. Tanto que ao citar o exemplo de Gandhi, Gramsci observa que o indiano utilizou três formas de tática: a guerra de movimento, a guerra de posição e a guerra subterrânea para livra a Índia do jugo britânico. A Greve, por exemplo, é considerada guerra de movimento, mas deve vir conjugada com outras táticas para ser efetiva. Os algoritmos utilizados pelas plataformas digitais, ao enclausurarem os usuários de acordo com suas preferências políticas, musicais etc; tornam difícil a guerra de trincheiras e assemelha a disputa política a guerra de movimento em que dois exércitos se enfrentam em campo aberto.

Assim, a esquerda encontra dificuldades para derrubar trincheiras nas redes sociais. Os fandomssejam eles seja políticos, midiáticos ou de participantes do BBB – se baseiam numa identificação primária, muitas vezes pautada pelo reconhecimento de valores morais. No caso dos fandoms políticos, essa identificação se baseia também, normalmente, em uma suposta superioridade moral que renega totalmente a experiência do outro, visto como adversário, e cobra uma aceitação moral total a uma série de preceitos, o que vai de encontro às táticas preconizadas por Gramsci para a criação de um novo senso comum. Na verdade, as bolhas de filtros se apresentam como muros,intransponíveis às táticas dos progressistas em superá-los.

Por fim, nas redes sociais, a extrema direita utiliza uma sofisticada guerra subterrânea de desinformação com uso de Fake News, Bots, grupos de whatsapp etc., lançando mão de recursos e expertises indisponíveis aos movimentos sociais contra-hegemônicos, enquanto os partidos de esquerda utilizam táticas da década passada como os “blogs progressistas” que apoiavam os governos do Partido dos Trabalhadores (PT). O remédio para vencer a desinformação é político. O grande problema é que a própria esquerda abandonou o trabalho de base. A esquerda, no Brasil, cresceu a partir da construção de redes sociais de solidariedade offline, e isso foi trocado, em grande medida, pela política partidária e seus acordos, principalmente durante os governos Lula e Dilma. Se concordamos com a existência de fandoms políticos, as estratégias neles focadas, através de plataformas digitais e hashtags, são de fato oportunas. Porém, não é usando-as como principal ou único recurso que essas ou novas redes, mais adequadas aos novos desafios, serão reconstruídas – muito menos tentando evangelizar a população a partir da lógica da superioridade moral. Um novo tipo de estratégia deve ser adotada nas redes e fora delas, uma tática politizadora. Acreditamos ter exposto os problemas e desafios, e que as soluções devem ser buscadas a partir desse diagnóstico.

  1. Mestre em Comunicação Social. Membro do grupo de pesquisa Obscom/Cepos
  2. Jornalista, Doutor em Sociologia. Membro do grupo de pesquisa Obscom/Cepos
  3. ALSHAABI, Thayer; ARNOLD, Michael V.; MINOT, Joshua R.; ADAMS, Jane Lydia. DEWHURST, David Rushing; REAGAN, Andrew J; MUHAMAD, Roby; DANFORTH, Christopher M.; DODDS, Peter Sheridan. How the world’s collective attention is being paid to a pandemic:COVID-19 related 1-gram time series for 24 languages on Twitter. Março de 2020. Disponível em: http://pdodds.w3.uvm.edu/permanent-share/covid19-ngrams-revtex4.pd
  4. CAMPANELLA, Bruno Roberto. Perspectivas do Cotidiano: um estudo sobre os fãs do programa Big Brother Brasil. 2010. 207 p. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/teses_e_dissertacoes/6b56215cf6a29e8080ec8e6e8a733491.pdf
  5. Raphael (6) e Campanella (7) defendem a inserção da EPC nos estudos sobre o reality show, alegando que “without understanding the political-economic forces that drove the spread of these genre, textual and audience studies may risk reifying it as an expression of audience demand, or of their creators, or of a cultural, discursive, or ontological shift unrelated to the needs of those who run the television industry.” (RAPHAEL 2004, p.119)
  6. RAPHAEL, Chad. The political-economic origins of Reali-TV. In: MURRAY, Susan & OUELLETTE, Laurie (eds.). Reality TV: Remaking Television Culture. 2. ed. New York: NYU Press, 2009, p. 123-140. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/295869264_The_political-economic_origins_of_Reali-TV
  7. CAMPANELLA, Bruno Roberto. Investindo no Big Brother Brasil: uma análise da economia política de um marco da indústria midiática brasileira. E-Compós,v. 8, 11, 2007. Disponível em: https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/133
  8. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Em Pareceria com a Ulepicc-Brasil, Revista Eptic recebe artigos que busquem mapear a EPC

A Revista Eptic, em pareceria com a Ulepicc-Brasil, está recebendo submissões, até o dia 31 de maio de 2020, para o Dossiê “Mapeamento da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura: contribuições históricas e perspectivas para o futuro”.

A parceria decorre dos aniversários de duas décadas de iniciativas relacionadas à economia política, bem como da necessidade de serem mapeados grupos, temas de pesquisas e desafios que cercam a área.

Os artigos aprovados para o Dossiê serão publicados na edição de set-dez, vol. 22, n.3. da revista Eptic, produzida pelo Observatório de Economia e Comunicação (OBSCOM) da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

O dossiê é coordenado pelo prof. Ms. Anderson Santos (presidente da Ulepicc-Brasil/UFAL) e prof. Dr. Manoel Dourado Bastos (diretor científico da Ulepicc-Brasil/UEL). Os autores de artigos devem obedecer às diretrizes para autores do periódico, disponíveis aqui. As submissões devem ser realizadas através do sistema OJS da revista Eptic.

As consequências de “uma escolha difícil”: jornalismo em tempos de bolsonarismo

Carlos Figueiredo(1)

O editorial da última quinta-feira (20/02) do Estado de São Paulo(2) traz todo seu descontentamento com o comportamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo a opinião do jornal, o chefe do executivo federal já teria superado a muito todos os limites do decoro e do desrespeito às instituições democráticas. Trata-se de uma compreensível reação aos ataques sexistas à Patrícia de Campos Mello, jornalista da Folha de São Paulo. Reação repetida por praticamente todos os conglomerados de mídia, exceções feitas ao SBT e à Record.

A hipótese de que Bolsonaro e seus aliados passaram todos os limites do que é aceitável em país que deveria ser regido pelo Estado democrático de direito é eivado de grande hipocrisia. Esses limites já não existem há muito tempo. O atual presidente vem atacando as instituições desde a época em que era um deputado inexpressivo e folclórico. Atirou ofensas ao público LGBT, quilombolas e feministas, afirmou ter usado dinheiro do auxílo-moradia para “comer gente” e sentiu-se à vontade para bradar que metralharia adversários políticos durante a campanha presidencial.

Contudo rememorar as agressões bolsonaristas, em um mero exercício de denuncismo, é repetir o que os grandes conglomerados de mídia já estão fazendo, ou seja, mostrar apenas a aparência do fenômeno e não sua essência. A ascensão política da extrema-direita é a expressão política, no Brasil, da atual crise da forma-capital, que vai se espraiando para as demais formas sociais como o Estado e a comunicação.

Neste espaço, vamos tratar apenas da cobertura midiática dispensada ao Bolsonarismo a partir do marco teórico da Economia Política da Comunicação. Logo o cerne da nossa análise é o trabalho do jornalista, subsumido e subordinado ao capital. Começaremos com uma breve análise do trabalho jornalístico no interior de conglomerados midiáticos para depois discutirmos como os grandes conglomerados de comunicação cobrem o bolsonarismo.

JORNALISMO E TRABALHO
A partir do capitalismo monopolista e a consequente ascensão da indústria cultural, esta assume duas funções essenciais para o funcionamento do sistema capitalista: a função propaganda, responsável por realizar as mediações entre Estado e os cidadãos, e a função publicidade cujo objetivo é construir mediações entre o mercado e os consumidores(3).

Como a natureza da comunicação em democracias liberais é de natureza persuasiva, uma terceira função se faz necessária, a função programa. Esta terceira função é responsável por introduzir elementos do cotidiano e da cultura popular no interior da estrutura mediadora. Essas mediações são realizadas por trabalhadores intelectuais como jornalistas, roteiristas, atores, músicos, cinegrafistas etc.

O trabalho do jornalista, que é o centro de nossa análise, é difícil de ser submetido a movimentos repetitivos, como no caso da fábrica fordista, ou de ser substituído por máquinas ou inteligência artificial, sofrer o processo de subsunção real. Nesse caso, a saída das empresas jornalísticas foi criar um conjunto de rotinas, procedimentos técnicos e éticos para evitar a idiossincrasia no material jornalístico, ou seja, diminuir o fator subjetivo na produção noticiosa(4).

BOLSONARO E O CAMPO JORNALÍSTICO
Estava claro, em 2018, que a primeira opção do capital, incluindo o capital midiático; seria Geraldo Alckmin (PMDB), mas sua candidatura não decolou. Enquanto isso, Bolsonaro, ex-estatista de direita, acenou para o mercado com a indicação do ultraliberal Paulo guedes como ministro da economia. É interessante notar a inflexão do discurso midiático na tentativa de normalizar Bolsonaro à medida que ficava claro que a candidatura tucana era, na verdade, um voo de galinha.

Os meios de comunicação, através do trabalho dos jornalistas, atuam na difusão ideológica basicamente como gerenciadores de consensos e das suas fronteiras(5). Não se trata de uma mera reprodução ideológica do discurso hegemônico. Há um conjunto de procedimentos textuais e de apuração, visando credibilizar um discurso que tende a defender ideias hegemônicas (função propaganda) ao mesmo tempo em que se pretende objetivo e imparcial. Os critérios de seleção, a ideologia do profissionalismo, apesar de suas contradições internas, tendem à defesa do status quo.

Na cobertura econômica e política de canais como Globonews ou mesmo em editoriais ou nas reportagens e textos noticiosos de jornais como a Folha de São Paulo há uma tentativa de separar a política econômica da pauta ideológica conservadora e obscurantista do governo Bolsonaro. Algumas críticas são feitas porque a verborragia presidencial atrapalharia o crescimento do PIB nacional(6).

As falas ultraliberais do Paulo Guedes, por exemplo, e as promessas de reformas passam a ser colocadas na esfera do consenso, como algo racional e para o “bem” de todos. Esse tema não chega sequer a ser objeto de discussão. Alguns absurdos ditos por Bolsonaro são colocados na esfera da controvérsia legítima, ou seja, o famoso procedimento de “ouvir os dois lados”.

Entretanto para colocar determinadas falas do presidente na esfera da controvérsia legítima era necessário expandir demais suas fronteiras, e é o que foi feito. Uma das táticas é defender sub-repticiamente que o cargo de presidente domesticaria o furor de seu discurso de extrema-direita.

A última esfera do consenso é aquela que determina o que não pode ser dito sobre hipótese alguma e não pode ser tolerado posto que é antidemocrático e/ou irracional. Também houve um alargamento dessa esfera pela imprensa, no caso, a partir do tratamento que é dado à oposição a Bolsonaro.

Política econômicas reformistas anticíclicas e heterodoxas foram colocadas no campo do radicalismo e consideradas populismo de esquerda no mesmo patamar, só que no extremo oposto, de falas preconceituosas e antidemocráticas do candidato Bolsonaro como a defesa da ditadura e todo tipo de ofensas a minorias. É a tese da “escolha difícil”(6) do Estadão, a escolha entre o Fascismo e um partido de esquerda cujo único extremismo do qual pode ser acusado é o extremo reformismo.

Esse gerenciamento das fronteiras do consenso pela grande mídia continuou com a separação fictícia entre os núcleos ideológico, econômico e militar do governo. Os dois últimos mereciam todo apoio enquanto o núcleo ideológico só atrapalharia Guedes e seus assessores segundo a imprensa.

O grande engano da imprensa é não entender que esse novo tipo de fascismo depende desse tipo de propaganda tosca e do choque para implementar suas reformas liberais e “economicamente racionais”. Está tudo interligado, e as últimas falas preconceituosas do Ministro Paulo Guedes dão mostras disso.

A imprensa vem sendo ataca por Bolsonaro há muito tempo, mas as reformas econômicas ultraliberais vem sendo tocadas. Todavia não seriam aceitas de outra forma que não fosse pelo emprego dessa propaganda que deixa todos envolvidos e polariza a sociedade de forma extrema. Atacar uma jornalista de forma machista, fazer insinuações sexuais sobre o trabalho dessa mesma profissional, atacar os conglomerados midiáticos está no script do presidente, pois só agindo “irracionalmente” Bolsonaro pode aplicar a racionalidade administrativa do mercado materializada nas reformas.

Logo essa indignação porque “agora” Bolsonaro passou dos limites é uma completa hipocrisia, mas há também um parco entendimento dos jornalistas sobre a conjuntura de como as reformas são tocadas e como a própria imprensa nos ajudou a chegar até aqui.

Os jornalistas pensam que a dinâmica do fluxo da comunicação segue a mesma dinâmica observada no século XX. Os grandes conglomerados de comunicação ainda possuem papel central, mas a extrema-direita consegue fornecer uma espécie de informação moderadora em relação aos conteúdos da grande mídia, uma propaganda que filtra as notícias para os seguidores desse grupo político.

Talvez daqui a cinquenta anos, em meio a uma convulsão popular em que os manifestantes lembrem a atitude covarde dos meios de comunicação, algum dos conglomerados midiáticos brasileiros venha a pedir desculpa pelo apoio às reformas do governo. Muitas vezes a história se repete como uma nova farsa sem sequer ter sido tragédia.

(1) Jornalista, Doutor em Sociologia. Membro do grupo de pesquisa Obscom/Cepos.

(2) DESCONTROLE Total. O Estado de São Paulo. 20 fev 2020. Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,descontrole-total,70003203740

(3) BOLAÑO, César. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo: Hucitec/Pólis, 2000.

(4) FIGUEIREDO, Carlos.. Jornalismo e Economia Política da Comunicação: Elementos para uma Teoria Crítica do Jornalismo. ÂNCORA – REVISTA LATINO-AMERICANA DE JORNALISMO, v. 6, p. 12-28, 2019.

(5) HALLIN, Daniel. We Keep America in the Top of the World. Television Journalism and the Public Sphere. London: Routledge, 1994.

(6) ESCOLHA muito difícil, Uma. O Estado de São Paulo. 08 out 2018. Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-escolha-muito-dificil,70002538118

(7) BORDUNA na Carta. Folha de São Paulo. 5 set 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/09/borduna-na-carta.shtml

Pesquisadora da Economia Política das Comunicações lança livro sobre Comunicações e Crise

A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Helena Martins, acaba de lançar a obra Comunicação em Tempos de Crise: Economia e Política pela editora Expressão Popular. A autora analisa a concentração midiática e suas consequências para a formação de visões de mundo e manutenção da hegemonia ideológica burguesa.

Martins usa como marco teórico a Economia Política da Comunicação e os escritos sobre hegemonia de Antônio Gramsci. A obra perpassa diversos temas como os monopólios nos setores das telecomunicações, radiodifusão e sites de redes sociais e as possibilidades de luta contra-hegemônicas A obra integra a coleção Emergências, fruto de parceria entre a editora Expressão Popular e a Fundação Rosa Luxemburgo.

O livro físico está disponível para a venda aqui. Também é possível adquirir o livro eletrônico gratuitamente aqui.

GP de Economia Política da Intercom Recebe Trabalhos até o Próximo Dia 1 de Julho

O Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM) está recebendo trabalhos para sua 42ª edição que acontece entre 2 e 7 de setembro de 2019. O congresso conta com o GP Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura com coordenação da Prof. Drª Anita Simis.

Os interessados em enviar trabalhos para o Congresso da Intercom devem fazê-lo até o dia 01 de julho, mas, para isso, precisam realizar o pagamento da taxa de inscrição até o dia 28 de junho. Mais informações sobre o calendário do evento e normas para submissão de trabalho podem ser encontradas aqui.

O Congresso da Intercom acontece desde 1977 e reúne, tradicionalmente, cerca de 3,5 mil pessoas, entre alunos de graduação e pós-graduação, pesquisadores e profissionais da área.

OBSCOM/CEPOS disponibiliza download de coletânea de textos apresentados em seu seminário

 

O Grupo OBSCOM/CEPOS disponibilizou para download nesta terça-feira (7) o ebook organizado por Verlane Aragão Santos e Maurício Herrera-Jaramillo contendo uma coletânea da produção intelectual do XV Seminário OBSCOM/CEPOS. O evento teve como tema “Economia Política, Comunicação e Africanidades e aconteceu na Universidade Federal de Sergipe (UFS) em Abril de 2017.

Os textos que compõem o E-book foram apresentados no seminário Obscom/Cepos sob três dinâmicas distintas: mesas de debate e palestra de abertura, o que corresponde aos textos da Parte I do material; sessões de apresentação de trabalhos, no âmbito do III Encontro de Grupos de Pesquisa em EPC, referentes aos textos da Parte II.

A Parte I, intitulada “Africanidades e Epistemologias Contra-Hegemônicas”, permite identificar os recortes e as chaves expostas para o debate realizado a partir da palestra de abertura e das mesas de debate, e que deve se desdobrar com a publicação e socialização dos textos. Esta parte é formada por três textos.

O artigo do professor Muryatan Barbosa (UFABC) intitulado “O decolonial no Brasil: uma ideia fora do lugar?” busca contextualizar os debates sobre raça. O texto “A contribuição do pensamento crítico e da economia política latino-americanos para formação de uma epistemologia contra-hegemônica”, de Ruy Sardinha Lopes (USP/São Carlos) busca em diálogo crítico à ideia de epistemologias do sul, de Boaventura de Sousa Santos, ampliar e qualificar o debate sobre os ditames que impedem a produção de conhecimento autóctone.

O último texto desta parte foi apresentado na Palestra de Abertura do evento, pelo professor moçambicano João Miguel. Em co-autoria com Inácio Júlio Macamo, expõe o projeto ambicioso e bem sucedido de desenvolvimento dos estudos em EPC no país da África.

A Parte II – “Debates atualizados sobre as Indústrias Culturais” – é formada por textos de integrantes e não integrantes dos grupos de pesquisa em EPC, de diferentes níveis de formação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, que permitem acompanhar estudos e pesquisas sobre temáticas as mais diversas, das redes sociais ao futebol, da teledramaturgia, passando pela música, chegando ao Museu.

O download do livro pode ser feito aqui

O monopólio de transmissão da Globo na transmissão da Copa do Mundo FIFA Rússia 2018

 

 

Por Anderson David Gomes dos Santos*

 

Depois de duas Copas do Mundo FIFA transmitidas em TV aberta pela Rede Globo e pela Band, a emissora da família Marinho voltou a transmitir com exclusividade um mundial de futebol masculino. O problema do mercado se apresentou de forma transparente a quem acompanhou o torneio no Brasil, “refém” da voz de Galvão Bueno nos jogos da seleção canarinha – num país com cada vez mais pessoas “pistolas”.

Para além de gostar ou não do narrador principal da Globo desde 1992, a questão a ser discutida vai além dele. É preciso entender a partir de dois pontos de análise: a construção da liderança do Grupo Globo no mercado comunicacional brasileiro; e a negociação dos direitos de transmissão dos torneios FIFA.

Liderança da Globo
O Grupo Globo se constitui a partir do jornal O Globo na década de 1920, parte para as rádios nos anos 1940, consolidando-se especialmente a partir da rede de emissoras de televisão desde 1965, que se aproveitou da conjuntura político-econômica para impor barreiras de liderança num momento de profissionalização da Indústria Cultural brasileira.

Consideramos aqui a importância do grupo, para além da rede de TVs, porque ele se constituiu com pulverização de mídias em que atua, o que é importante em termos de mercado para a aquisição de alguns serviços/programas e contratação de trabalhadores, pois tem mais possibilidades de atuação ou espalhamento e teste de programação. É assim, por exemplo, que esportes diferentes têm seus direitos de transmissão contratados pelo grupo. Os eventos podem ser exibidos em algum domingo no Esporte Espetacular; por algum dos canais SporTV; pelo Globoesporte.com, ou por todas essas plataformas.

A iniciativa da Rede Record de concorrer com a Globo a partir de 2007 nos direitos de eventos esportivos, adquirindo temporariamente alguns eventos de judô, no processo de transmissão exclusiva dos Jogos Olímpicos de verão e inverno, foi algo temporário justamente porque a oferta multiplataforma garante transmissão desses esportes, independentemente de grade de programação e, o principal, alguma visibilidade em horários líderes de audiência na TV aberta.

De lá para cá, a concorrência com outras plataformas foi intensificada no século XXI, o que Valério Brittos denominou de Fase da Multiplicidade da Oferta. A resposta do Grupo Globo foi se reposicionar nos diferentes setores da Indústria Cultural, priorizando a liderança na produção audiovisual, independente do meio de comunicação em que exibe seus programas, como comprova a campanha publicitária atual, que retrata a preocupação com os “100 milhões de uns”.

As concorrentes na TV aberta não acompanharam as mudanças, tendo dificuldade, inclusive, de conseguir algo a mais para estarem presentes na TV fechada. Há um impacto econômico que afeta a maioria delas. É também devido a isso que na TV aberta a Rede Globo passou a exibir jogos de futebol de forma exclusiva, pois não havia sublicenciada que pudesse pagar para transmiti-los – e se a Record pode, a Globo não repassa, devido ao histórico de disputa da década anterior.

Relação Globo-FIFA
Mas no caso dos torneios da FIFA, parte dessa história não conta. A entidade internacional proprietária do football association tem uma espécie de “parceria histórica” com a líder do mercado comunicacional brasileiro, termo que normalmente a Globo usa para justificar sua pretensa superioridade quando depende de algo para além do econômico.

Não há qualquer processo licitatório quanto aos principais torneios de seleções da FIFA para a exibição no Brasil. Para além da possibilidade de conseguir mais dinheiro, é preciso considerar que o resultado das investigações do FBI, que vieram à tona a partir de 2015, indicaram que os dirigentes das duas confederações das Américas usavam as negociações com empresas de marketing esportivo e os grupos de mídia omo objeto de corrupção.

Para se ter ideia, ainda em 2012, o Grupo Globo já anunciava deter os direitos de transmissão audiovisual das Copas do Mundo FIFA de 2014, 2018 e 2022 para todas as mídias, mas sem divulgação de valores. Não houve sequer a preocupação, no caso daqui, em analisar se haveria propostas específicas para transmissões em outros meios, separando os pacotes de transmissão, como outros torneios fazem e a maioria dos tribunais em prol da concorrência defendem.

Esse é um ponto importante de se relatar a partir de outros casos recentes. A criação dos canais Fox Sports em 2012 fez com que o Grupo Globo precisasse entrar em um acordo para seguir transmitindo a Taça Libertadores da América nos canais SporTV e ter mais opções de escolha na TV aberta, já que o grupo Fox Sports adquiriu há mais de duas décadas os direitos do torneio para a América Latina. Em troca, os canais da Newscorp ganharam o direito de exibir as duas edições seguintes de Copa do Mundo FIFA e a Copa do Brasil, além de ficar com VTs de jogos do Campeonato Brasileiro. Produtos até então transmitidos com exclusividade pelo SporTV (Globosat) na TV fechada.

Outro exemplo a ser lembrado é o anúncio da desistência da Rede Globo em concorrer pelo pacote de TV aberta do triênio 2018-2019 a 2020-2021 dos jogos da Liga do Campeões da Europa, principal torneio interclubes do mundo, cujo resultado foi anunciado durante a realização da Copa. A desistência se deu porque, apesar de bons resultados da audiência, a transmissão pela Globo dava destaque a um conteúdo cujo poder de escolha no Brasil é dos canais Esporte Interativo (Turner/WarnerMedia), levando público para o concorrente na TV fechada e que transmite os jogos num serviço de streaming (EI Plus). Quem ficou com o pacote de exibição gratuita foi o Facebook, que luta com Amazon e Twitter por uma série de direitos de transmissão de eventos esportivos no mundo, mas com atuação até aqui restrita a ligas de outros esportes no Brasil.

Assim, o problema de só ouvirmos a narração de Galvão Bueno na TV aberta é mais uma questão de mercado que de meritocracia ou qualquer coisa do tipo. Inclusive, podemos apontar como resultado dessa Copa do Mundo FIFA Rússia 2018 o grande destaque a Luís Roberto, que adaptou sua forma de transmitir e mobilizou muitos elogios na empresa e nas mídias sociais; além da contratação de Gustavo Villani, vindo do Fox Sports. Ambos podem ser pensados como substitutos de um Galvão Bueno, de 67 anos, cuja voz precisa ser cada vez mais poupada.

PS: Importante destacar que esta Copa teve pela primeira vez no Brasil toda uma equipe de transmissão de mulheres para partida do Brasil, obra da Fox Sports. Além disso, a demarcação da resistência das jornalistas esportivas brasileiras por respeito ao trabalho exercido. Se o machismo está incrustado na nossa sociedade, especialmente nas esferas do trabalho, o jornalismo esportivo acrescenta situações ainda mais absurdas. Esse tema mereceria outro texto, por isso tratar aqui apenas rapidamente, mas sem deixar de apresentá-los como legados desta Copa do Mundo FIFA.

* Anderson David Gomes dos Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), doutorando em Comunicação na Universidade de Brasília e membro do grupo de pesquisa OBSCOM-CEPOS.

Estão Abertas as Inscrições para a Intercom 2018

Estão abertas, até o dia 10 de julho, as inscrições para o 41o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom). Os interessados em submeter trabalhos devem pagar a taxa de inscrição até o dia 6 de julho. Os aceites dos trabalhos serão divulgados até o dia 31 de julho de 2018. O evento conta com um Grupo de Trabalho em Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura.

O evento vai acontecer na Universidade da Região de Joinville (Univille), na cidade de Joinville, Santa Catarina, entre os dia 2 e 8 de setembro. O tema do congresso esse ano será “Desigualdades, Gênero e Comunicação”.

A chamada de trabalhos pode ser encontrada aqui

O calendário de inscrição e submissão de trabalhos pode ser acessado aqui

As normas estão disponíveis aqui

O evento conta com um Grupo de Pesquisa em Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura.

Ementa do GP:

A centralidade econômica e política que a informação, comunicação e cultura ganharam no processo de valorização capitalista tem colocado novos desafios políticos e epistemológicos aos agentes sociais que lutam por uma sociedade mais democrática e inclusiva. Acreditando que a apreensão e análise dos fenômenos comunicacionais e culturais contemporâneos ultrapassam os claustros disciplinares tradicionais e que até mesmo as decisões econômicas só podem ser compreendidas a partir de uma abordagem interdisciplinar e heterodoxa, a Economia Política da Comunicação e da Cultura (EPC) se constitui, metodologicamente, como um instrumento capaz de pôr em interação diversos campos disciplinares como a Economia, a Comunicação, a Ciência da Informação, a Sociologia, a Ciência Política, a Filosofia e os Estudos Culturais Críticos.

Este GP propõe ser um fórum de debate e reflexão entre os investigadores e profissionais destes campos disciplinares no sentido de formar matéria crítica necessária à apreensão e análise de tais fenômenos, tais como as políticas de comunicação, de cultura e de informação, a transversalidade da cultura e da comunicação, a convergência tecnológica e a digitalização dos meios eletrônicos, a expansão e novas configurações das indústrias culturais e criativas, a privatização do conhecimento, o desenvolvimento de todas as formas de capital intangível, as culturas digitais, as questões éticas e políticas da informação e demais temas que têm emergido ao longo dos últimos anos.

Palavras-chave:
Comunicação, Informação, Cultura; Economia política da comunicação e da cultura; políticas de comunicação, de informação e de cultura; capitalismo, democratização da sociedade e novos mundos possíveis.

Coordenadora
Profa. Dra. Anita Simis (anitasimis@gmail.com)

Pesquisa mostra como a TV se reinventou em tempos de hegemonia da internet

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Netflix, YouTube, ChromeCast, Popcorn Time, Apple TV. Não é de hoje que os pessimistas vêm profetizando o fim da TV e esses serviços e produtos são apenas alguns dos arautos dessa “tragédia” que vem se anunciando há alguns anos. No entanto, assim como a internet também não matou o jornal impresso como muitos acreditavam, a televisão também está aprendendo a se reinventar nesses novos tempos.

A pesquisa TV Re[Defined] foi encomendada pela Viacom International Media Networks — proprietária de canais como MTV, Nickelodeon e Comedy Central — e revelou que a ideia de que a TV estaria sendo substituída por outros meios não poderia estar mais errada. Mais do que isso, ela mostrou que a disponibilidade de outros dispositivos e formatos apenas fortaleceu a presença da televisão, mesmo que de maneiras diferentes do que tínhamos há algum tempo.

A principal mudança nesse sentido é a forma como a comunicação se desenvolve. Até então, ela era uma via de mão única, mas a chegada de smartphones, tablets e de toda a variedade de outros dispositivos que temos fez com que tudo se tornasse muito mais interativo. Basta pensar nos programas que você vê e lembrar quantos deles têm algum tipo de participação do espectador.

Prova disso é que o engajamento do público com o conteúdo que é visto aumentou consideravelmente. De acordo com a pesquisa, quanto maior o número de dispositivos nos quais a pessoa pode acessar esse tipo de conteúdo, maior é seu interesse por aquilo. No Brasil, por exemplo, 78% dos 750 entrevistados têm a TV como um dos assuntos mais comentados em suas conversas. No mundo, esse percentual é de 72%

Esse índice continua alto porque, apesar da televisão estar constantemente concorrendo com computadores, tablets e smartphones, a verdade é que todos esses dispositivos são tipos diferentes de veículos nos quais a pessoa vai procurar conteúdo. Não é à toa que a Netflix vem ganhando tanta força nos últimos anos, uma vez que ela oferece a mesma experiência da TV, mas dentro daquilo que seu público procura.

E um dos pontos destacados pela TV Re[Definied] foi exatamente esse. Segundo o resultado obtido pela Viacom, a conexão entre o espectador e o meio se dá principalmente por uma biblioteca com conteúdo relevante. Assim, a briga entre a televisão e a internet não está no fato de uma ser ou não mais interessante que a outra, mas em como cada uma delas oferece algo que conquiste o interesse do indivíduo.

Só que esse engajamento ainda vai além de simplesmente garantir a fidelidade de uma pessoa. O estudo mostrou que a habilidade de fazer as pessoas conversarem sobre determinado programa é um dos principais meios de descoberta de novos conteúdos. Sabe quando está todo mundo falando sobre Demolidor ou Game of Thrones no Twitter e você quer ir atrás para descobrir o porquê de tanto burburinho? Pois é exatamente isso que as emissoras querem.

Por outro lado, a TV linear — ou seja, aquele formato clássico que vimos durante toda nossa vida — ainda tem um papel muito importante dentro dessa questão da descoberta. A troca de canais é responsável pelo início da jornada do espectador em 69% dos adultos entrevistados e 76% das crianças de 6 a 12 anos. E parte disso porque ela funciona tanto de maneira ativa (o realmente assistir ao que é transmitido) e passiva, ou seja, só deixar o aparelho ligado enquanto você faz qualquer outra coisa até que algo conquiste seu interesse.

Ao todo, a pesquisa entrevistou 10.500 pessoas entre 6 e 34 anos em 14 países, incluindo Brasil, Alemanha, Rússia, Reino Unido e Itália.

Fonte: CanalTech

Seminário reflete sobre concentração, poder e hegenomia da Globo

Fechando a maratona de atos de descomemoração dos 50 anos da Rede Globo, o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé realizou, no dia 27 de abril, seminário “Rede Globo: 50 anos de poder e hegemonia”. O evento reuniu pesquisadores, estudantes e ativistas em torno a construção e consolidação do império Globo.

Dividido em dois momentos, o seminário debateu na parte da manhã a construção do império global que contou com a presença do professor César Bolaño (Observatório de Economia e Comunicação – OBSCOM), o professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Marcos Dantas e professora Suzy Santos.

A segunda parte do seminário versou sobre o papel dos telejornais, com foco na produção da informação e na manipulação escancarada. Esse debate foi conduzido pelo Luciano Martins Costa, editor do Observatório de Imprensa, e a jornalista Laura Capriglione, do Movimento “Jornalistas Livres” e site A Ponte.

Mercado oligopólico

Durante sua fala, Bolaño destacou que os impactos da Rede Globo no campo da cultura e seus reflexos no desenvolvimento do país. “Ao ser criada, a Globo rompe com o modelo concorrencial. Somente com a Globo é que observamos a institucionalização de um mercado oligopólico de TV. É com ela que a cultura brasileira é empacotada e transformada em mercadoria”, salientou.

Segundo ele, “a Rede Globo consolida uma visão de mundo, modelando gostos, empacotando a audiência, que é o seu real negócio. Ao enraizar seu padrão de qualidade, ela [Rede Globo] realiza um movimento estratégico o qual barra a entrada de outros capitais no mercado”.

Comunicação, cultura e desenvolvimento

Na mesma linha, a pesquisadora Suzy Santos atualizou que hoje a Rede Globo se constitui como Grupo globo, que comporta a Rede, Fundação Roberto Marinho, espaços de representação (globo universidade, globo ciência, etc). Ao falar da relação da Rede com o campo político, Suzy Santos falou da posse ilegal de concessões por parte de políticos, o que denominou como “coronelismo eletrônico”.

Ela também falou da importância e desafio de se estudar a estruturação do mercado de televisão no Brasil. A ausência de informações sobre a concentração da mídia e de suas relações com o campo político dificulta o processo de construção do real impacto da rede no processo de desenvolvimento do país, especialmente, no processo de consolidação das noções de cultura e comunicação enquanto vetores do processo”.

Padrão alternativo, qual buscamos?

Ao avançar na reflexão, Marcos Dantas destacou a importância de, diante a concentração e poder da Rede Globo, pensar caminhos alternativos para enfrentar essa conjuntura. “Pensar alternativas precisamos refletir sobre uma série de questões centrais e complexas”. E destacou a contribuição do Relatório MacBride, que já ali propunha o desafio de universalizar a cultura, pensar a comunicação de um ponto de vista estrutural e sua influência com no desenvolvimento.

Dantas destaca que “numa sociedade capitalista, a apropriação dos bens se dá nos marcos do sistema vigente. Os meios de comunicação de forma geral servem ao capitalismo. Esse sistema de comunicação desde que foi criado, lá pelos idos dos anos 1920, tem como principal objetivo construir uma sociedade de consumo, de venda de mercadorias”.

E completou: “Como quebrar o padrão ideológico instituído pelos grandes players da mídia? Como fomentar o pensamento crítico no seio social?”, questionou o pesquisador ao aponta a complexidade de pensarmos alternativas ao sistema.

Fonte: Barão de Itararé