Ebook trata da linguagem, gêneros e modelos de negócio do jornalismo móvel

O LabCom.IFP, da Universidade Beira do Interior (UBI), de Portugal, acaba de disponibilizar para download o ebook “Jornalismo móvel: linguagem, gêneros e modelos de negócio do jornalismo móvel”. A obra segue o objetivo do laboratório em discutir o papel dos dispositivos móveis no jornalismo do século XXI.

Sinopse

Depois dos livros “Notícias e Mobilidade: O jornalismo na era dos dispositivos móveis”, de 2013, e “Jornalismo para Dispositivos Móveis: Produção, distribuição e consumo”, de 2015, este “Jornalismo Móvel: Linguagem, gêneros e modelos de negócio” é mais um contributo do LabCom.IFP para a discussão do papel dos dispositivos móveis no jornalismo do século XXI.

Neste período de quatro anos se continuou a verificar um crescimento nas vendas de dispositivos móveis com o consequente aumento no número de acessos a conteúdos online. Esperava-se que o consumo massificado de notícias online tivesse repercussões nas receitas dos meios de comunicação e no surgimento de novos formatos e linguagens adaptadas a uma recepção tecnologicamente avançada, mas nada disso aconteceu. Continua a ocorrer uma divergência crescente entre o potencial dos dispositivos de recepção e a qualidade dos conteúdos produzidos pelos meios de comunicação, o que frustra as expectativas dos consumidores e limita a geração de receitas.

Face a este cenário, a investigação científica tem a obrigação de discutir o problema e este livro é mais contributo para essa discussão.

Baixe o arquivo em: http://www.labcom-ifp.ubi.pt/livro/289

Sumário

Introdução – 11

Parte I – Dispositivos móveis, modelos de negócio e jornalismo de proximidade – 17

Aplicativos autóctones em franquias jornalísticas: a possível transformação de rotinas produtivas na convergência com meios digitais – 19
Vivian Belochio, Eugenia Barichello e Tanise Arruda

Mobilidade como fator diferencial dos modelos de negócios em jornalismo: O caso do NYTimes – 41
Isadora Ortiz de Camargo

Dispositivos móveis na construção da notícia: a experiência do portal regional NE10 – 61
Ivo Henrique Dantas e Heitor Costa Lima da Rocha

Jornalistas da imprensa regional em transição para o mobile – 83
Pedro Jerónimo

Los cibermedios hiperlocales en el móvil. Análisis comparativo de seis APPs españolas: grandes redes de medios frente a espacios de comunicación ciudadana – 107
María Cruz Negreira Rey y Xosé López García

Parte II – Dispositivos móveis e Apps – 133

Jornalismo no feed de notícias: a relação entre jornalismo e redes sociais através do Instant Articles do Facebook – 135
Mariana Guedes Conde

Medialabs Españoles. Un análisis de sus formatos narrativos – 153
Elpidio del Campo Cañizares y Teresa Zaragoza Fuster

O fato jornalístico narrado por meio de notificações: um olhar sobre a aplicação dos critérios de noticiabilidade na produção das pushed news – 175
Diógenes D’Arce Cardoso de Luna e Alexandra Fante

Mobilidade e jornalismo digital contemporâneo: Fases do jornalismo móvel ubíquo e suas características – 197
Eduardo Campos Pellanda, André Fagundes Pase, Ana Cecília Bisso Nunes, Melissa Streck, Marcelo Crispim Fontoura, Daniele Ramos de Souza, Isabella Ferreira e Mércio Pereira

O WhatsApp aliado da notícia: a interatividade no jornal brasileiro Extra – 219
Patrícia Pivoto Specht

WhatsApp e a publicização de notícias na sociedade midiatizada – 243
Carlos A. Zanotti e Cyntia Andretta

Parte III – Novas linguagens e novos formatos jornalísticos – 263

A realidade virtual como recurso imersivo no jornalismo digital móvel – 265
Alciane Baccin, Maíra Evangelista de Sousa e Marlise Brenol

Sucesso novo em formato “antigo”: periódicos matutinos para tablet e o caso do La Presse+ – 289
Marina Lisboa Empinotti e Rita de Cássia Romeiro Paulino

Análise às apps do jornal Público: a construção narrativa dos seus conteúdos – 319
Nuno Ricardo Fernandes

Periodismo inmersivo en dispositivos móviles: primer acercamiento a los proyectos Fukushima, vidas contaminadas (El País) y The Displaced (The New York Times) desde la perspectiva de la usabilidad – 345
Lucía Jiménez Iglesias, Adriana Paíno Ambrosio, Mª Isabel Rodríguez Fidalgo e Inês de Oliveira Castilho e Albuquerque Amaral 

Entre títulos e algoritmos: novas práticas editoriais de notícias móveis em jornais brasileiros – 369
Telma Sueli Pinto Johnson

Na palma da mão: reflexões sobre os newsgames em plataformas móveis com base na reportagem multimídia Di Soli a Soli – 389
Carlos Marciano, Kérley Winques, Mauren Del Claro Rigo e Rita de Cássia Romeiro Paulino 

Jornalismo ubíquo e dispositivos móveis: uma análise do produto do jornal The Guardian – 411
Stefanie Carlan da Silveira

Parte IV – O audiovisual nos dispositivos móveis – 435

Websérie documental: o (web) jornalismo e as ferramentas digitais na construção da narrativa audiovisual interativa na internet – 437
José Jullian Gomes de Souza e Paulo Eduardo Silva Lins Cajazeira

A receção de conteúdos informativos televisivos através de dispositivos móveis: as appsda RTPSIC e TVI – 459
Carlos Canelas

Os dispositivos móveis no jornalismo audiovisual: uma análise da apropriação dos smartphones pelas emissoras de televisão do Piauí (Brasil) – 481
Jacqueline Lima Dourado e Juliana Fernandes Teixeira 

La infografía periodística en la cuarta pantalla: Análisis de contenido y diseño de la información – 499
Begoña Ivars Nicolás e Montserrat Jurado Martín 

Proposta de Inventário das Máquinas de Visibilidade: As modificações do telejornalismo pelo uso das câmeras ubíquas – 511
Maura Oliveira Martins

Narrativa radiofónica y dispositivos móviles. ¿Reutilización o creación de nuevos contenidos? El caso de Podium Podcast – 527
Miriam Rodríguez-Pallares

Transmedia Journalism within Mobile Devices – 547
Ana Serrano Tellería

Pós-Verdade e a Economia Política das Notícias Falsas

*Por Carlos Figueiredo

O termo pós-verdade (post-truth) foi considerado a palavra do ano de 2017 pelo dicionário Oxford. A prevalência de boatos e notícias falsas nas redes sociais, mostrando toda sua capacidade de influenciar as eleições estadunidenses e o plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia, fez com que a palavra ganhasse relevância no debate público. Os meios de comunicação tradicionais parecem impotentes diante de uma indústria especializada em fabricar boatos. Aquilo que é publicado por sites especializados em mentir parece ter um apelo tão forte perante seu público, que paradoxalmente se considera informado e livre das amarras da grande mídia, a ponto de questionarmos o próprio poder atual da imprensa e seu impacto no debate público.

Embora o termo pós-verdade remonte a pelo menos 1992, quando foi usado pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, ele passa a ser empregado com maior constância a partir da década de 2000, quando é publicado o livro The post-truth era: Dishonesty and deception in contemporary life, de autoria de Ralph Keyes, mais precisamente no ano de 2004. Na era da pós-verdade, de acordo com o autor, os limites entre verdade e mentiras são tênues, a ponto de termos dificuldades de diferenciar honestidade e desonestidade, ficção e não-ficção. Para Keyes, iludir os outros teria tornado-se um desafio, um jogo e ultimamente um hábito. Essa tendência teria surgido, segundo o autor, devido à tendência pós-moderna de relativizar a verdade entre outros desdobramentos. Entretanto, entender o significado de determinado termo da moda mostra-nos apenas a aparência do fenômeno, revelando muito pouco sobre sua essência.

A força das notícias falsas, do nosso ponto de vista, pode ser elucidada a partir das contribuições de duas disciplinas: a Psicologia Social e a Economia Política, mais especificamente a Economia Política da Comunicação (EPC). A Psicologia Social ajuda-nos a entender o poder emocional exercido por boatos no debate público enquanto a Economia Política da Comunicação apresenta-se como ferramenta para entendermos a razão pela qual as redes sociais tornam o ofício de espalhar boatos tão lucrativo. Para entendermos a atratividade dos boatos, portanto, é necessário trazer para o debate um termo tão presente no nosso cotidiano quanto ignorado academicamente: os boatos.

Os boatos são encarados como parte da instância da irracionalidade, mas para Nicholas Difonzo “os boatos são uma atividade de racionalização compartilhada”,e florescem onde há interação, como no caso das Redes Sociais. Acreditar em pessoas próximas, sentimentalmente ou ideologicamente, renova laços sociais, fortalece convicções preexistentes e dificilmente resulta em um desastre óbvio para quem crê, ainda que sua convicção esteja absolutamente equivocada. Boatos são, essencialmente atos de comunicação, ou seja, são tópicos de conversação considerados importantes que circulam entre as pessoas, sendo grande a probabilidade de tratarem de temas considerados cruciais, urgentes e imperativos. Além disso, o surgimento de tais rumores se dá em situações ambíguas, que representam uma ameaça real ou potencial, oferecendo um caminho para que os indivíduos racionalizem e encontrem sentido em situações confusas. Por último, mas não menos importante, os boatos são informações não verificadas. Em um momento de mudanças sociais extremas e disruptivas, são muito os temores dos indivíduos, e inimigos e preconceitos são criados para dar conta dos desafios. Os boatos e a propaganda possuem essa capacidade, embora não se confundam conceitualmente, ambos possuem o poder de oferecer explicações fáceis para um mundo confuso, e podem caminhar de mãos dadas.

A força dos boatos está no fato de que a existência de um motivo para nossos atos é reconfortante, e os rumores oferecem-nos uma explicação pronta, auxiliando os indivíduos a neutralizarem ameaças psicológicas à sua autoimagem, incluindo ideias de cunho moral, político ou religioso defendidas por esses indivíduos. De acordo com Difonzo, “talvez a principal razão pela qual as pessoas acreditam em boatos seja porque eles estão em consonância com os sentimentos, ideias, atitudes, estereótipos, preconceitos, opiniões ou conduta dos ouvintes”. Os boatos passam a servir, então, como a legitimação cognitiva para o preconceito contra grupos políticos rivais, justificando assim a adoção de determinadas tendências políticas. A grande imprensa, apesar de sua função de construir hegemonia, por possuir profissionais cuja função é averiguar e checar fatos; sempre serviu de antídoto para fazer com que determinados boatos fossem desacreditados, mas algo parece ter mudado nos últimos anos.

As tecnologias da informação e comunicação (TIC) têm sido o grande motor da reestruturação do sistema capitalista iniciado na década de 70, resultando no fim do regime de acumulação fordista, e da destruição criativa do sistema, apresentando um forte caráter disruptivo em relação às antigas tecnologias. A Indústria Cultural, em seus diferentes setores e lógicas correspondentes, vêm sofrendo o impacto das TIC desde a década passada com o declínio da circulação de jornais e revistas e, mais recentemente, com a adoção das segundas telas, levando a um declínio da atenção por parte dos espectadores. Ou seja, a mercadoria audiência, nada mais que a atenção dos receptores vendida pelos grandes meios de comunicação aos anunciantes, vem sofrendo um processo brutal de desvalorização nos meios de comunicação tradicionais.

Esse processo tem relação com a procura por rentabilidade para a internet, que foi a grande causa para o estouro da bolha da bolsa Nasdaq em 2000. Havia uma grande euforia nos mercados, em fins da década de 1990, devido à promessa de alta rentabilidade das empresas digitais, levando à abertura indiscriminada de empresas de tecnologia e à correspondente especulação. Entretanto, não existia lucratividade real que justificasse os altos investimentos naquele setor a não ser a busca por lucros exorbitantes por parte dos capitais especulativos. No campo das Indústrias Culturais, a saída para o impasse da economia digital seria, então, a venda de anúncios. Entretanto, a venda de anúncios nas indústrias culturais apresentava a vantagem de fazer parte de uma programação ancorada nos hábitos cotidianos dos receptores, principalmente no rádio e na televisão, enquanto na Internet a venda de anúncios tinha um caráter disruptivo na experiência do usuário, que de repente era confrontado com popups que surgiam em profusão quando os indivíduos ingressavam em determinados sítios da Internet.

Apesar de o modelo de venda de anúncios ter tido origem nos meios de comunicação tradicionais, a saída técnica para o impasse da venda de anúncios e, por conseguinte, da rentabilidade não veio das grandes empresas de comunicação, mas de empresas cujos produtos são sites redes sociais e/ou mecanismos de buscas como Facebook e Google. Combinando o uso de cookies e algoritmos, essas empresas conseguiram oferecer aos usuários uma experiência personalizada no que tange tanto ao conteúdo quando à publicidade. Essa transformação pode ser encarada como uma derrota para as grandes empresas de comunicação que, na Internet, deixam de ser os grandes alvos da indústria dos anúncios publicitários. A solução encontrada pelas gigantes da internet fez com que o antigo modelo de programação da radiodifusão, feito a partir de pesquisas de audiência, que apesar de desenvolvidas a partir de métodos das Ciências Sociais tinham grandes grupos demográficos como alvo, fosse substituído por algoritmos que possuem como objetivo o indivíduo. Para montar essa “programação” individualizada, portanto, os grandes sites de redes sociais rastreiam cada interação feita pelos indivíduos com amigos, e-commerce, sites de notícias etc.

A partir daí, entramos na consequência desses desenvolvimentos para o debate político. Os cookies e algoritmos usados pelos sites de redes sociais formam o que Eli Parisier denomina de bolha dos filtros. Os algoritmos determinam quais notícias, amigos e anúncios publicitários mais aparecem em nossa linha do tempo a partir de nossas interações anteriores. Como há uma tendência de procurarmos justificativas para nossas ideias nos campos político, religioso e moral; os algoritmos acabam criando bolhas nas quais somos super expostos às nossas preferências prévias. A interação com pessoas e conteúdos com ideias afins, tendem a reforçar essas ideias em um círculo vicioso, tornando a internet um ambiente propício para o surgimento de boatos, que se difundem em grande velocidade por redes de indivíduos que partilham das mesmas ideologias.

Outra grande questão é que a internet derruba drasticamente as barreiras de entrada para empresas de produção de conteúdo. Dessa forma, qualquer adolescente pode construir um site com um layout próximo ao utilizado por grandes empresas de comunicação, e ainda imitar o formato do gênero notícia. Como o conteúdo e a publicidade são personalizados pelos algoritmos, os sites de notícias falsas, muitas vezes, recebem o seu quinhão da indústria da publicidade sem precisarem apurar, uma vez que não há fatos a serem checados, e usando pequenas estruturas, o que torna a operação barata. Essas indústrias não são apenas uma ameaça à credibilidade das empresas de jornalismo, mas também à sua rentabilidade, pois podem começar a ameaçar a parte dessa indústria no bolo da publicidade, menor a cada dia que passa.

Além da publicidade, a Indústria Cultural produz também propaganda. As notícias falsas podem ser encaradas como uma nova forma de propaganda, que ganha contornos mais sofisticados com os algoritmos e a emulação de práticas do jornalismo. Um indício dessa hipótese pode ser encontrada na indústria de boatos e notícias no Brasil, que remonta pelo menos 2011 ou 2012. A partir dali, surgiam boatos de que Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, seria dono da Friboi, ou que o próprio presidente Lula usaria um jatinho de propriedade de seu filho. Notícias comprovadamente falsas, mas amplamente difundidas nas redes sociais, e que não receberam qualquer esforço da grande imprensa para que fossem desmascaradas. Na campanha presidencial de 2014, notícias e perfis falsos para propaganda foram utilizados pelos principais partidos em disputa. A disputa ideológica pelo impeachment e os debates em seu entorno seguem o mesmo padrão. A tendência torna-se fonte de preocupação da imprensa nacional apenas a partir de 2016, após a concretização do impeachment, talvez porque o trabalho sujo já tivesse sido realizado, e a indústria de notícias tenha se tornado um incômodo, minando a credibilidade da grande imprensa e concorrendo pela atenção e, consequentemente, pelas verbas publicitárias.

*Carlos Figueiredo é Jornalista, pesquisador de Pós-Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (PPGCOM/UFS), Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa OBCOM/CEPOS da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

 

Programação dos GTs do XV Seminário OBSCOM/CEPOS

A organização do XV Seminário OBSCOM/CEPOS divulgou a programação completa dos quatro grupos de trabalho que farão parte do III Encontro de Grupos de Pesquisa em EPC. O evento acontece nos idas 19 e 20 de abril na Universidade Federal de Sergipe e a apresentação dos trabalhos será na quinta-feira (20), em duas sessões por GT: 10h45-12h15 e 14h30-16h.

Os GTs e seus respectivos locais de realização na UFS são: GT1 – Digitalização, convergência, padrões tecnoestéticos e práxis política nas indústrias de comunicação, com coordenação de Fábio Rodrigues de Moura, a ocorrer no Auditório da ADUFS; GT2 – A Economia Política e o negro na periferia do sistema, com coordenação de Olinto Silveira Alves Filho, a ocorrer na Sala de Reuniões do DEE; GT3 – Indústrias culturais em transformação: mercado, tecnologia e trabalho, sob coordenação de Verlane Aragão Santos, a ocorrer no LABINI; GT4 – Democratização, diversidade e questão racional nas políticas públicas culturais, sob coordenação de Paulo Vitor Purificação Melo, no auditório do CCSA.

Confira a ordem das apresentações clicando em:

Veja a programação completa do evento em: https://eptic.com.br/programacao-xv-obscomcepos/

Chamada para dossiê “Comunicação indígena na América Latina”

A Revista Disertaciones, editada conjuntamente pela Universidad del Rosario de Colombia, Universidad de los Andes da Venezuela e Universidad Complutense de Madrid da Espanha, está com chamada aberta até o dia 15 de maio para o dossiê “Comunicação indígena na América Latina”, que comporá o número 2 do volume 11 do periódico (Jul-Dez. 2018).

Os coordenadores da edição são: Alejandro Barranquero Carretero (Universidade Carlos III de Madrid) -abarranq@hum.uc3m.es- e Eva Tanco (Centro de Investigação Internacional para a Participação e a Mudança Social) – tanco.eva@gmail.com.

Ementa

Este número da Revista Disertaciones está dedicado à apresentação de estudos empíricos – de caráter qualitativo, quantitativo ou misto – acerca das diferentes manifestações da comunicação indígena na América Latina. Nas duas últimas décadas os movimentos indígenas da região têm se situado à vanguarda do pensamento crítico e a intervenção social, em aberto desafio à herança moderna/colonial/capitalista e a sua ênfase na racionalidade instrumental, desenvolvimentista e depredadora da natureza. De fato, diferentes informes vêm contatando a viabilidade dos saberes e práticas indígenas à hora de apresentar vias de transição para a regeneração dos vínculos sociais e do ser humano com o entorno natural, em especial para fazer frente à crise sistêmica (política, econômica, ecológica e cultural) que afeta o planeta.

Ao longo dos séculos XIX e XX, os movimentos indígenas têm sido objeto de atenção de antropólogos e cientistas sociais desde um olhar colonial no que têm estado ausentes os próprios sistemas cognitivos, estéticos e de valoração dos povos. No entanto, desde princípios do XX, as correntes indigenistas têm contribuído a revalorizar as culturas pré-colombianas salvaguardadas em certos territórios, não sem certa tendência ao folclorismo, a modernização e a assimilação ocidental daquelas populações às que tentava-se proteger. O Quinto Centenário do mal denominado Descobrimento da América em 1992 supôs um importante impulso para a reivindicação dos direitos indígenas em torno à ideia de um passado comum (pan-indigenismo) e denominações oriundas como Abya Yala. Já nos últimos anos, as lutas pelo reconhecimento da diferença e as identidades parecem dar passo a reivindicações mais centradas no empoderamento e a aquisição progressiva de direitos civis, sociais e políticos. Bom exemplo deles são os marcos normativos com enfoque diferencial, promovidos pelos primeiros governos puramente indígenas (Equador, Bolívia), se bem estas regulações não sempre têm cristalizado com coerência nas políticas e nas práticas que delas derivam. 

No âmbito da comunicação, as primeiras abordagens latino-americanas procedem da antropologia e os estudos culturais dos anos 60, com perspectivas pioneiras e originais como a folkcomunicação e os estudos de meios alternativos/populares/comunitários e de comunicação para a mudança social. Em 1980 o Informe McBride reconhece o direito à comunicação e alenta ao respeito da identidade cultural no marco das políticas de comunicação. No entanto, é preciso esperar às comemorações de 1992 e ao levantamento zapatista no México de 1994 para observar um aumento do interesse científico na temática, que das posições exógenas e romantizadoras do passado começa a transitar a novos objetos e perspectivas como as apropriações digitais das comunidades indígenas ou as primeiras investigações em torno ao que alguns denominam “meios étnicos”.

 Sem desestimar estes aportes, a proposta indígena segue ganhando posições nos estudos comunicacionais graças à aparição de espaços próprios de encontro no nível continental – como os Congressos de Comunicação Indígena do Abya Yala (Colômbia, 2010; México, 2013) -, a aparição das primeiras universidades étnicas com estudos em comunicação própria, a vitalidade das organizações de cinema e vídeo comunitário, e o reconhecimento, em algumas legislações (Bolívia), de um “quarto setor” da comunicação baseado na variável identidade.

Não sem dificuldades, a comunicação indígena é hoje um objeto de estudo em alta no que emergem os olhares das próprias comunidades repartidas em países como a Argentina, o Chile, a Colômbia, o México, o Equador ou a Guatemala. Este número de Disertaciones pretende então incorporar perspectivas científicas indígenas, no que o papel da academia ocidental se corresponde com o acompanhamento à incipiente investigação originária. De fato, o dossiê propõe um diálogo entre as diferentes dimensões do “campo” comunicacional: abordagens empíricas (quantitativas e/ou qualitativas) com um sustento teórico e e metodológico sólido, sistematização de trabalhos desde o terreno profissional, e as primeiras reflexões-ações derivadas de estudos de comunicação própria em universidades puramente indígenas. É desde esta tripla perspectiva acadêmica, profissional e docente, sobre a que se traça uma agenda de linhas de trabalho e objetivos, entre os principais:

– Epistemologias e metodologias da comunicação indígena e inter-relação com imaginários e cosmovisões próprias como o Bom Viver / Viver Bem (do kichwa Sumak Kawsay e o aymara Suma Qamaña) e outros construtos autóctones de povos de influência maia, nasa, quéchua ou guarani, entre outros.
– Políticas de comunicação e regulação em relação com os meios indígenas/étnicos e o direito à comunicação dos povos originários (com os seus enfoques e dimensões específicas), assim como o rol das comunidades, organizações e redes na promoção deste direito. 
– Sistematização de experiências e práticas mediáticas, comunicacionais e jornalísticas de expressão e/ou reivindicação indígena: cinema e vídeo participativo, rádio comunitária, plataformas online, manifestações artísticas e rituais, etc., em conexão com a questão indígena (política, cultural ou social), para além da mera narração dessas experiências.
– Apropriações tecnológicas e comunicacionais das comunidades indígenas em relação com as TIC -Internet, redes sociais, telecomunicações, etc.- e estudos de brecha digital.
– Processos de comunicação interna nos movimentos indígenas latino-americanos (tomada de decisões em assembleias e mingas, desenvolvimento de liderança e/ou cultura participativa, etc.), abordando desde as formas próprias de construção comunitária até as práticas comunicativas que se dão no seno das organizações e redes. 
Inter-relações entre a comunicação indígena e outros campos do conhecimento relacionados como: comunicação para o desenvolvimento/mudança social, comunicação/educação (educomunicação), estudos de mediação social, comunicação ambiental, meios comunitários e cidadãos, semiótica e estudos da linguagem, práticas comunicacionais indígenas em outros territórios do planeta, etc.
– Dentro dos objetivos deste número, não só pretende-se contribuir a valorar os processos de comunicação indígena que se multiplicam na América Latina, mas também que se oferece como um espaço de difusão acadêmica ao mesmo pensamento originário e as suas propostas em relação com a comunicação. Por esse motivo, anima-se a participar especialmente a acadêmicos e pesquisadores, mas também a pensadores/as, líderes e diferentes coletivos indígenas que tenham participado em estudos de campo sobre o tema do monográfico. A intenção final é estabelecer um panorama científico do passado, o presente e os desafios da comunicação indígena, unto com o aporte de práticas de sucesso em justiça social e ecológica, que contribuam ao momento atual de construção de uma proposta alternativa às interações comunicativas ente os seres humanos e com a natureza.

Mais informações em: https://revistas.urosario.edu.co/index.php/disertaciones/index

Blog Agências de Notícias trata da concentração da produção de notícias

No dia 05 de março, completou-se um ano de um projeto coletivo que vem sendo desenvolvido sem alarde: o blog Agências de Notícias, criado em março de 2016 para tratar deste setor nem sempre lembrado pela pesquisa em Comunicação, mas fundamental no cenário midiático há mais de 100 anos, com importância reforçada no atual ambiente da convergência digital. O Portal EPTIC apoia a proposta, incluindo um banner do mesmo na página inicial.

Apesar de ter “saído de moda” falar de agências desde a derrocada dos debates da NOMIC, em 1980, elas continuam gigantes fornecedoras não só da mídia analógica mas também digital, como portais e mídias sociais, além da informação financeira e de conglomerados de outros setores fora da mídia (bancos, fundos de investimento, indústrias). Num ambiente tecno-econômico em que a produção de informação ficou muito mais acessível, a circulação dessa mesma informação permanece concentrada.

Convictos de que há muito a se falar sobre agências, especialmente em língua portuguesa, em que a bibliografia é escassa, os pesquisadores Pedro Aguiar, do PPGCom/UERJ, Juliana Lisboa, do PPGcom/Unisinos, Isadora Camargo, da ECA/USP, e André Pasti, da Geografia da USP (e membro do GP Geografias da Comunicação, da Intercom) para manter o blog.

Desde então, há publicações de textos com reflexões sobre a circulação de informações no ambiente digital, a relação ambivalente (concorrência/parceria) que essas empresas consolidadas – Reuters, AP, AFP e outras – estão enfrentando com Google e Facebook; o impacto das mídias sociais no modelo de negócios das agências; as iniciativas das periferias globais para a distribuição de conteúdo, entre outros tópicos. Além disso, há resenhas de livros e artigos, preocupados em contribuir para revisão bibliográfica de um campo de pesquisa muito incipiente, apesar da antiguidade dessas empresas. Semanalmente, aos sábados, é publicado um boletim com notas curtas de acompanhamento do setor, com o objetivo de organizar referências para pesquisas futuras.

O material que já está no ar, integrando textos e multimídia, é uma contribuição para pesquisadores, e pode ser especialmente útil para o ensino de graduação, ainda que muitas matrizes curriculares no Brasil não prevejam uma disciplina de Jornalismo de Agências (a UFF é uma exceção).

A proposta do blog, assim, é ser um veículo de divulgação científica em Comunicação, dentro deste tópico específico, constituindo um repositório de material de pesquisa acadêmica e reflexão. Por isso mesmo, aceita-se contribuições e colaborações: https://agenciasdenoticiasblog.wordpress.com

Chamada para XI Encontro Nacional de História da Mídia

A Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Rede ALCAR) está com chamada aberta até o dia 24 de abril para trabalhos para o 11º Encontro Nacional de História da Mídia, que ocorrerá de 01 a 03 de junho na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo-SP.

Ementa

Desde o final do século XIX que os meios de comunicação trabalham com processos que objetivam conquistar públicos, vender produtos, elevar ideologias e manter ou derrubar governos, muitas vezes, às custas de técnicas e instrumentos que procuram manipular as sociedades em prol de seus interesses e de quem os mantém. Nesse caminho, propaganda, publicidade, marketing, jornalismo, relações públicas, fotografia e cinema, muitas vezes articulam e/ou se hibridizam, para vender produtos, ideias e imagens. As grandes guerras dos séculos XIX, XX e XXI são ricas em exemplos, assim como, os governos totalitários e ditatoriais, contudo, também nas democracias podemos localizar práticas similares, tanto no mercado quanto no Estado. Desse modo, é na busca por contextualidades que expressam historicidades e temporalidades específicas, em que as áreas da comunicação e do marketing trabalham em prol de processos de manipulação, que o Congresso da ALCAR em 2017 pretende se debruçar.

Chamada

O Encontro Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia possui na atualidade nove Grupos Temáticos que se distribuem em: História do Jornalismo; História da Publicidade e da Comunicação Institucional; História da Mídia Digital; História da Mídia Impressa; História da Mídia Sonora; História das Mídias Audiovisuais; História da Mídia Visual; História da Mídia Alternativa e Historiografia da Mídia. Para os GTs são aceitos textos de professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação. Estudantes de graduação podem submeter artigos em parceria com seus orientadores. Profissionais ou empresários que atuaram como testemunhas oculares da história da mídia também são convidados a enviar propostas.

O processo de submissão, avaliação e aprovação dos trabalhos não está condicionado à formalização da inscrição no Encontro. No entanto, é necessário que o postulante comprove a realização de sua inscrição e o pagamento da respectiva taxa para que possa participar e apresentar o trabalho no evento, receber certificado de participação e para que a produção conste nos anais do evento.
Clique aqui para visualizar as ementas dos GTs.

Clique aqui para baixar o modelo de submissão de trabalho.

Informações importantes:

1) Os textos completos devem ser salvos em formato .pdf e ter como título o GT específico, nome e sobrenome do autor (por exemplo, gtjornalismo_joao_cunha). Os textos completos devem ser enviados para o e-mail do Grupo Temático respectivo, com cópia para comitecientificoalcar2017@gmail.com

2) Os autores devem aguardar resposta de confirmação do recebimento pelo respectivo coordenador do GT.

3) Na ausência de resposta imediata, recomenda-se fazer nova remessa, para evitar problemas de extravio.

4) Os coordenadores de grupos temáticos somente incluirão no programa do evento e os organizadores locais somente publicarão nos Anais Eletrônicos aqueles trabalhos cujos autores estiverem formalmente inscritos. Clique aqui para ver o Calendário de Inscrições

5) Cada autor só pode submeter um trabalho como autor principal e, no máximo, dois trabalhos como autor secundário. São considerados autores principais: graduados, especialistas, mestrandos, mestres, doutorandos, doutores e pós-doutores. Os graduandos só podem inscrever trabalhos em co-autoria com seus respectivos orientadores.

6) Os trabalhos devem ter o número máximo de 5 (cinco) autores (autor principal + co-autores).

Outras informações podem ser obtidas através do e-mail historiadamidiaalcar2017@gmail.com e no site http://www.alcar2017.com.br/

Intervozes realiza bate-papo online sobre violações à mulher em programas policalescos

Encerrando o mês de luta das mulheres, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social realiza na próxima quarta-feira, dia 29, um bate-papo virtual sobre as inúmeras e sistemáticas violações de direitos praticadas pelos programas policialescos. A conversa será com a procuradora federal Ana Carolina Roman, do MPF-DF, e a jornalista Luciana Araújo, do Instituto Patrícia Galvão.

O link da transmissão estará disponível no site do Intervozes, no dia 29, às 19h30: www.intervozes.org.br 

Seminário de Pesquisa Docente em Comunicação da UFAL traz trabalhos em EPC

As comunicações contemporâneas são tema de debate na Universidade Federal de Alagoas de 27 a 31 de março, durante o 2ª Seminário de Pesquisa Docente em Comunicação. Professores dos cursos de Jornalismo, Relações Públicas e dos campi do interior participam do evento. Serão apresentadas as pesquisas já realizadas e em andamento.

O evento contará com duas apresentações que tomam como base de pesquisa a Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC). Na segunda-feira (27), Júlio Arantes participará da Mesa 1: Reconfigurações Midiáticas e discursivas apresentando “Jornalismo ‘padrão Globo’, inovação conservadora e mercado”. Já na sexta-feira (31), Anderson Santos estará na Mesa 5: Música, Cultura Pop e Economia Política da Comunicação com o tema “A entrada do Fox Sports no mercado de TV fechada no Brasil – um análise a partir da Economia Política da Comunicação”.

Evento

O evento é uma oportunidade para a comunidade acadêmica conhecer um pouco da pesquisa científica em comunicação produzida na Universidade. As sessões temáticas acontecem de segunda a sexta, das 17h às 19h, na sala de Recursos Audiovisuais (RAV) do bloco de Comunicação Social. Para receber certificado, é necessário realizar a inscrição online

A primeira edição do Seminário foi realizada em janeiro de 2016 e contou com a participação de estudantes e professores dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas, além de campi do interior e outras instituições de Maceió. De acordo com a organização, esta segunda edição reflete a diversidade das pesquisas produzidas nos cursos de comunicação da UFAL.

Serviço:

2º Seminário de Pesquisa Docente em Comunicação da Ufal

Data: 27 a 31 de março de 2017

Horário: 17h às 19h

Inscrições e mais informações aqui.

Revista EPTIC publica edição sobre “Intelectuais e esferas públicas”

Está no ar a primeira edição de 2017 da Revista Eptic, que, dentre outras contribuições, conta com artigos que compõem o do dossiê  temático “Intelectuais e esferas públicas: entre o poder e a mídia”, cuja coordenação é de professores Fábio Henrique Pereira (Universidade de Brasília) e France Aubin (Université du Québec à Trois Rivières – Canadá). A chamada para o Dossiê Temático da terceira edição de 2017 – “50 anos da televisão pública brasileira” – se encontra aberta (até o dia 05/06).

APRESENTAÇÃO (por César Bolaño e Ruy Sardinha Lopes)

Prezados Leitores, A REVISTA EPTIC deseja a todos um produtivo e combatente 2017!

Se o ano que se encerrou vai ficar marcado como aquele de um dos maiores revezes da história recente de nosso país, quando, sob o pretexto de uma crise econômica e institucional, várias conquistas e direitos foram renegados e o estado de exceção se fez a norma, o presente que se avizinha será certamente de resistência. Não obstante a turbulência na qual ainda estamos imersos, o esforço de trazer um pouco de clareza ao que estamos vivendo não cessou e não foram poucos os que têm se empenhado nessa tarefa.

Não por acaso as Comunicações foram colocadas na berlinda: o fim do Ministério das Comunicações, com sua fusão ao Ministério das Ciências, Tecnologias e Inovação, as interferências na Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), as ingerências no Conselho Gestor da Internet no Brasil, a “PEC das teles” foram apenas alguns exemplos da reconfiguração do setor que o novo governo vem promovendo a passos largos. Estivemos, entretanto, bem acompanhados. A academia e as ciências, como vem demonstrando em alto e bom som a SBPC e as entidades e instituições da ciência e da educação, sofrerão sério ataque, cujas consequências se farão sentir a longo prazo.

Se a defesa do pensamento crítico e a afirmação de um espaço democrático de reflexão têm sido bandeiras constantes desta Revista, não poderia ter sido mais oportuna e escolha do tema deste Dossiê para inaugurar nossas edições de 2017: Intelectuais e esfera pública: entre o poder e a mídia, coordenado por Fábio Pereira e France Aubin. Ambos fazem parte de um seleto grupo de pesquisadores, com forte influência do pensamento de origem francófona, o que abre as portas para um importante diálogo para a EPC brasileira especialmente, que tem se dedicado ao tema, em outro diapasão, há mais de duas décadas.

O texto de apresentação do dossiê desta vez, na velha e boa tradição francesa, apresenta as linhas gerais do enfoque referido. A perspectiva da EPC brasileira que em diversas ocasiões apresentou-se nas páginas desta revista, ao longo dos anos, está presente no artigo de Bruna Tavares. A questão central, nessa linha, é a do significado, para a construção da hegemonia, da subsunção do trabalho cultural empregado pelo capital investido nas indústrias culturais e da comunicação. Nesse caso, trata-se de uma ruptura que coincide com o que Habermas chama de “mudança estrutural da esfera pública”, a qual não estava posta, salvo melhor juízo, na visão de Gramsci, por mais que este – no popular texto sobre americanismo e fordismo – tivesse apresentado os elementos centrais do contexto da ruptura, que seriam desenvolvidos, décadas depois, pelos economistas franceses da escola da regulação.

Na verdade, e é nesse ponto que temos insistido há mais de vinte anos, trata-se de um movimento muito mais amplo de subsunção do trabalho intelectual (Bolaño, 2002), que caracteriza a terceira revolução industrial, mas cujas raízes se encontram na acumulação primitiva de conhecimento (Bolaño, 2000), que se pode ler com todas as nuances nos capítulos históricos do Livro primeiro d’O Capital de Marx. O fato é que diversos temas fundamentais da EPC em geral, como o da aleatoriedade da realização dos produtos culturais, que a escola francesa do GRESEC tão bem analisou, e em especial o dos limites à subsunção do trabalho nas indústrias culturais e da comunicação devem ser generalizados para considerar as atuais transformações em todos os processos de trabalho e nas relações entre produção e consumo no capitalismo avançado do último terço do século XX até o presente.

A EPC brasileira tem procurado dialogar, nesse sentido, com diferentes grupos de pesquisadores e boa parte desse diálogo pode ser observada nas diversas temáticas dos Dossiês aqui publicados e nos Fóruns realizados pela Rede Eptic durante os Congressos da Intercom. Essa linha de diálogo certamente seguirá nos próximos anos, pois trata-se de um tema absolutamente central para a compreensão da atual reestruturação capitalista e das possibilidades transformadoras e de resistência que a nova realidade apresenta. É nesta perspectiva que esperamos este número possa contribuir para o avanço do nosso conhecimento sobre a realidade comunicacional.

Além dos artigos do dossiê, apresentados no texto introdutório de Fábio Pereira e France Aubin, a revista traz ainda o artigo de Ivan Paganotti sobre o desmonte das estruturas estatais de censura no Brasil e em Portugal e chama a atenção para o quanto a ausência, no Brasil, de marcos regulatórios da mídia e entidades especializadas levam a uma judicialização das práticas comunicativas.

A dominância financeira do processo de valorização do capital encontra na mídia trade, isto é, nas agências de notícias especializadas nos fluxos internacionais de negociações em bolsa de valores, um dispositivo adequado. O artigo de Homero de Paula Sobrinho nos oferece uma importante análise desse mecanismo de valoração. A questão da financeirizaçao, ou mais especificamente da atração de investimentos externos também está presente no artigo de Rejane Pobozon e Adriana Garcia que tomam como objeto empírico para suas análises o papel dos formadores de opinião. Ao analisarem dois artigos sobre o rebaixamento no grau de investimentos do Brasil publicados no Portal Carta Maior e no site da Revista Veja, concluem que tais articulistas acabam atuando como “reforçadores de opiniões”, rebaixando a função crítica e formativa pretendida.

A presente edição termina com as resenhas de Estado e Cinema no Brasil, de Anita Simis, agora em sua terceira edição e The Informal media economy dos pesquisadores australianos Ramon Lobato e Julian Thomas.

A todos uma boa leitura!

Confira o sumário abaixo e acesse este número no site da revista: https://seer.ufs.br/index.php/eptic/issue/view/504/showToc

Sumário

EXPEDIENTE

ruy lopes
2-3

SUMÁRIO

editores da Revista
4-5

APRESENTAÇÃO

Cesar Bolaño, Ruy Sardinha
6-8

ARTIGOS E ENSAIOS

Homero Viana de Paula Sobrinho
9-25
Ivan Paganotti
26-43
Rejane de Oliveira Pozobon, Adriana Domingues Garcia
44-59

DOSSIÊ TEMÁTICO

Fábio Henrique Pereira, France Aubin
60-70
Christian Laval
71-89
Igor Sacramento
90-114
France Yelle
115-135
Raymond Corriveau
136-152
Heitor Costa Lima da Rocha, João Carlos Ferreira Correia, Ana Serrana Telleria
153-169
Ezequiel Alexander Rivero, Juan Martin Zanotti
170-183
Luc Bonneville, France Aubin
184-202
Éric George
203-225
Bruna de Souza Távora
226-239

RESENHAS

André Carlos Moraes
240-244
João Nery
245-249

 

Comunicação, Desenvolvimento e hegemonia estadunidense na bacia hidrográfica do rio São Francisco

Por Bruno Santos*

No final da década de 1940, após o término da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética passaram a disputar mundialmente a hegemonia militar, política, econômica e cultural. Com a sociedade industrial global, a Indústria Cultural passa a ter papel estratégico nesse processo.

Nesse cenário, como parte desta disputa hegemônica, os EUA lançam o que seria conhecido como Ponto IV, um programa de auxílio ao desenvolvimento dos chamados países “subdesenvolvidos”, que incluía os países da América Latina. Inicialmente influenciada pelas teorias keynesianas, a execução do programa, ao longo das décadas, amplia as propostas das teorias estadunidenses da Comunicação para o Desenvolvimento.

O Programa Ponto IV integrava o projeto dos EUA de expansão mundial de sua hegemonia, que teve início com o sucesso do modelo da Tennessee Valley Authority (TVA) e sua disseminação, especialmente na América Latina, representando uma primeira etapa da expansão do paradigma da Modernização, ainda numa versão conhecida como “hidráulica”.

Naquela primeira etapa, fomentou-se na América Latina a criação de instituições governamentais para atuarem em políticas de Desenvolvimento Regional, entre elas a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Os estudos sobre a formação da Codevasf na perspectiva das teorias da Comunicação para o Desenvolvimento parte da criação e disseminação do modelo da TVA, que está fundamentado nas teorias de John Maynard Keynes sobre a necessidade de intervenção do Estado na economia e o incremento dos investimentos públicos para o equilíbrio do sistema capitalista. Para nós, uma primeira fase do Paradigma da Modernização.

A análise sobre a formação da Codevasf utiliza as teses de William Rostow sobre o desenvolvimento econômico para identificar a origem mais influente desse debate para, em seguida, reconstruir a contribuição dos estudos das teorias norte-americanas de Comunicação para o Desenvolvimento a partir de nomes como Daniel Lerner, Everett Rogers e Wilbur Schramm. Representantes do paradigma da Modernização, essas teorias defendiam que os países subdesenvolvidos deveriam passar do estágio tradicional em que se encontravam para o estágio moderno relacionado à noção de progresso bastante presente em seus fundamentos. Mais ainda, essa intervenção deveria ser realizada pelo Estado nacional e teria como principal instrumento a comunicação de massa, seja a partir dos meios ou de políticas de comunicação criadoras de uma ambiente estimulante ao progresso e à modernização

A investigação sobre essa hegemonia estadunidense na bacia hidrográfica do rio São Francisco ainda está em curso, mas já temos elementos que nos permitem desenhar na teoria o que foi construído na realidade concreta. Assim, o estudo sobre a formação histórica da Codevasf, desde sua criação como Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), passando pela formatação como Superintendência do Vale do São Francisco, até sua configuração atual, tem nos mostrado que o modelo assumido por essa instituição governamental nesse percurso esteve intimamente relacionado com as estratégias de expansão do capitalismo, sob hegemonia dos EUA, em um cenário em que a lógica capitalista avança para o campo da cultura com a expansão das indústrias culturais.

A interpretação que fazemos é que, no âmbito das teorias da Comunicação para o Desenvolvimento, o que está contido são fundamentos teóricos e empíricos para utilização da comunicação de massa no projeto de expansão da civilização industrial, resultando na ampliação de mercados e na consolidação da hegemonia estadunidense sobre a América Latina.

Em 2012, um contrato de firmado entre a Codevasf e o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos (Usace) para assistência técnica em projetos de hidrovias no rio São Francisco levantou questionamentos da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados do Brasil quanto à ameaças à soberania nacional. O contrato também foi objeto de Moção de Protesto do Colégio de Presidentes do Sistema Confea/Crea e Mútua também em 2012. Esses fatos alimentam a tese que, passados quase 70 anos, a hegemonia militar, política, econômica e cultural continua bastante presente na bacia hidrográfica do rio São Francisco, agindo para reforçar nossa dependência cultural e, consequentemente, tecnológica e econômica.

Muito ainda temos a desvendar sobre a presença das teorias estadunidenses da Comunicação para o Desenvolvimento no Brasil e em outros países periféricos da América Latina, África e Ásia. Identificar essa presença, muitas vezes velada, certamente é um caminho para compreender as limitações dos processos de desenvolvimento no Brasil e nos demais países periféricos na economia global. Entender como foram construídas historicamente essas relações de Dependência Cultural entre Centro-Periferia, a partir de grandes contribuições de pensadores brasileiros como Celso Furtado, poderá apontar a melhor estratégia para construção da Autonomia Cultural dos povos periféricos rumo à emancipação humana nos termos de Marx.

* Bruno Santos é jornalista da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Especialista em Gestão e Controle Social de Políticas Públicas e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa OBCOM/CEPOS da Universidade Federal de Sergipe (UFS).