Por Paulo Victor Melo*
Afirmei, num artigo publicado em dezembro do ano passado no Portal Eptic, que o segundo governo Dilma se iniciaria com uma nova janela de oportunidades para a democratização das comunicações. A afirmação era parte de uma avaliação do cenário político daquele momento, mais precisamente a partir da análise de uma conjunção dos seguintes fatores: declarações da então candidata à reeleição defendendo publicamente a regulação econômica da mídia, durante debates entre os presidenciáveis e em entrevista a blogueiros; nova defesa do tema em uma das primeiras entrevistas de TV após a vitória eleitoral; movimentações do PT – que na primeira reunião do seu Diretório Nacional após a reeleição de Dilma definiu o marco regulatório das comunicações como uma das prioridades do novo governo – e do ex-presidente Lula, que em diversos eventos públicos pautou o tema.
A nomeação de Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações (Minicom), a sua conhecida experiência no diálogo com o Congresso Nacional – etapa fundamental num processo de construção e aprovação de um novo marco regulatório que garanta diversidade e pluralismo ao setor das comunicações – e as suas primeiras manifestações públicas sinalizavam que, diferente dos primeiros quatro anos do Governo Dilma e dos oito anos do Governo Lula, a democratização das comunicações estaria, enfim, no centro da ação política concreta do Governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores.
Já na sua cerimônia de posse no Minicom, em 2 de janeiro, Berzoini demonstrou conhecimento sobre o terreno que estava adentrando e defendeu participação social no processo de democratização das comunicações:
todos os setores da economia brasileira que têm impacto grande do ponto de vista social, do ponto de vista democrático e do ponto de vista econômico têm seus mecanismos regulatórios. Então é importante também abrirmos um debate muito fraterno e transparente para que a população brasileira com as suas representações empresariais, sindicais, sociais, possam debater com muita profundidade, com muita democracia, o que significam as comunicações em geral no Brasil, especialmente as comunicações que são objeto de concessão pública.
Na mesma oportunidade, Berzoini sinalizou inclusive por onde, em sua opinião, poderia começar o processo de regulação do setor. “A população brasileira já tem direitos constitucionais assegurados que dependem de regulamentação. Então regulamentar esses três artigos é uma das formas de nós podermos avançar na liberdade de expressão, na democratização da comunicação no Brasil”, disse, fazendo referência aos artigos 220, 221 e 223 da Constituição de 1988.
Em outros momentos – em pronunciamento no Congresso Nacional, durante reunião com integrantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e até mesmo em eventos empresariais – o ministro Berzoini não apenas reafirmou a defesa da regulação democrática do setor como também anunciou que o Governo tinha como pretensão estabelecer o mês de março para início do debate público sobre o novo marco regulatório.
Porém se, por um lado, os discursos de Berzoini apontam uma posição clara sobre a necessidade da democratização dos meios de comunicação para a democratização do país e uma disposição em avançar na discussão sobre o tema, por outro, é fato que nesses seis primeiros meses da atual gestão do Ministério das Comunicações as declarações e disposição não se converteram até aqui em medidas efetivas. Nem mesmo o anunciado debate público foi disparado.
Pelo contrário. Os discursos pró-regulação já não são tão constantes assim e a posição pública de Berzoini parece, a cada dia, minoritária (para não dizer isolada) dentro do Governo. Até mesmo a presidenta Dilma declarou em abril deste ano que “não havia conjuntura para pautar este tema agora” e demonstrou desconhecimento sobre a agenda do movimento pela democratização das comunicações. Questionada sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática – principal instrumento de ação política do movimento no país – disse: “não sei como é, nunca vi mais gordo, mas pode ser uma boa alternativa”.
Fato também é que a conjuntura mudou bastante desde o início do governo. A ausência de correspondência entre o programa defendido por Dilma no segundo turno e o que está sendo implementado, especialmente na política econômica e no que diz respeito a direitos dos trabalhadores; o crescente conservadorismo e antipetismo nas ruas, nas redes e nas instituições, que só se ampliou após o período eleitoral; a força política do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que tem estabelecido uma agenda conservadora e uma postura anti-democrática no Congresso Nacional e que, inclusive, já manifestou a sua contrariedade à regulação da mídia e afirmou que não “aceitará” nem mesmo discutir o tema, são fatores que sinalizam para um possível novo adiamento do debate público sobre o marco regulatório das comunicações.
Nesse sentido, concluído o primeiro semestre do segundo governo Dilma, é difícil crer que as expectativas geradas pelas primeiras declarações do ministro Ricardo Berzoini no que diz respeito a um novo marco regulatório para as comunicações sejam atendidas e, assim, o setor de rádio e televisão no Brasil permanecerão com um marco legal formulado há mais de cinco décadas, em 1962, às vésperas do golpe militar de 1964.
Ainda assim, caso queira manter aberta a janela do compromisso com a democratização das comunicações, o Governo pode assumir, nesse momento, uma agenda de curto prazo, que inclui medidas possíveis de serem adotadas pelo Ministério das Comunicações sem a necessidade de aprovação no Congresso Nacional, como o combate ao controle de emissoras por políticos, o fortalecimento do sistema público, a responsabilização das emissoras por violações de direitos humanos, a redistribuição das verbas publicitárias e a garantia do respeito aos limites da concentração de propriedade já existentes, dentre outras.
As oportunidades estão colocadas. Aguardemos para ver se, com a janela aberta, os bons ventos democratizadores da comunicação que sopram em vizinhos latinoamericanos chegam por aqui.
*Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe, doutorando em Comunicação e Política na Universidade Federal da Bahia e integrante do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), vinculado à Rede Eptic.