Elementos para identificar o lugar do rádio no vale do São Francisco alagoano

rádio

Por Bruno Silva dos Santos*

O vale do São Francisco alagoano é uma região formada por 50 municípios incluídos, em quase sua totalidade, no semiárido brasileiro, segundo estudos e definição da Companhia dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) (CODEVASF, 2012). Sua população em 2011, segundo dados da Codevasf, apoiados em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era de 1.227.531 milhões habitantes distribuída nos cinquenta municípios da região. O mapa abaixo traz uma representação dos municípios do vale do São Francisco alagoano (CODEVASF, 2012).

Desde o ano de 2014, a Assessoria Regional de Comunicação e Promoção Institucional da Codevasf em Alagoas realiza um estudo para mapeamento das emissoras de rádio e dos portais de notícia e blogs de opinião localizados nos 50 municípios do Vale do São Francisco alagoano.

O que se propõe é fazer um balanço crítico da realidade da radiodifusão sonora e do surgimento dos veículos digitais de informação nessa região, buscando entender os principais problemas das industriais culturais e suas implicações no acesso à informação das populações desses municípios e na promoção da democratização da comunicação.

Os resultados preliminares do presente estudo apontam a existência de 57 emissoras de rádio prestando os serviços de radiodifusão sonora FM, AM e RadCom em 30 municípios dos 50 que compõem o Vale do São Francisco alagoano. Dessas, cerca de 58%, ou seja 33 emissoras, atuam no serviço de RadCom, enquanto 30% transmitem em FM – 17 emissoras – e 7 que operam em AM, representando cerca de 12% do total de rádios identificadas.

Dos 30 municípios com serviço de radiodifusão sonora, 22 possuem apenas uma emissora, sendo que em 21 desses municípios o serviço prestado é o de RadCom, contra apenas uma com o serviço AM.

Cabe destacar que, o que pode representar um avanço no acesso à informação com um número superior de emissoras comunitárias na comparação com as emissoras comerciais, na verdade encobre uma limitação formal ao exercício do direito à comunicação, já que a formatação legal dada às rádios comunitárias no Brasil limitou seu raio de alcance a um quilometro, o que não cobre nem uma parte significativa do município, quanto mais toda sua extensão. Assim, 22 RadComs não possuem a força de alcance de 17 FMs ou 7 AMs.

A identificação que apenas oito municípios – Arapiraca, Palmeira dos Índios, Penedo, Delmiro Gouveia, Santana do Ipanema, Major Isidoro, Porto Real do Colégio e Teotonio Vilela – possuem mais de uma emissora de rádio prestando, pelo menos, dois dos três serviços de radiodifusão sonora identificados na região (RadCom, FM e AM) aponta um indicio de concentração de veículos de comunicação nessas localidades.

Esse indício ganha força quando identificamos que 20 dos 50 municípios do vale do São Francisco alagoano não possuem quaisquer serviços de radiodifusão sonora. Isso significa que, em 40% dos municípios da região estudada, a população não possui acesso a informações locais e comunitárias de sua própria comunidade por meio do mais tradicional veiculo de comunicação na região, pelo menos não de forma privilegiada e com atenção especial às demandas locais.

Essa concentração de veículos em oito municípios da região pode ser explicada, em parte, pela centralização do desenvolvimento socioeconômico regional em cinco municípios que estão entre os maiores Produto Interno Bruto (PIB) municipal do vale do São Francisco alagoano – 2.173.811, 465.494, 396.273, 359.471 e 238.193, respectivamente Arapiraca, Palmeira dos Índios, Penedo, Delmiro Gouveia e Santana do Ipanema –, entre os maiores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 0,649, 0,638, 0,630, 0,612 e 0,591 respectivamente – e entre as maiores populações dos municípios do vale do São Francisco alagoano – 216.108, 70.556, 60.638, 48.493 e 45.197, respectivamente (CODEVASF, 2012).

Não é coincidência que o município com maior PIB municipal, com o mais elevado IDH e que reúne a mais numerosa população dos 50 municípios analisados – Arapiraca – concentre também o maior número de emissoras FM – 05 rádios FM – e AM – 02 rádios AM.

Outro dado encontrado pelo mapeamento indica a penetração no vale do São Francisco alagoano dos dois maiores grupos de mídia identificados na pesquisa “Os Grupos de Mídia e a Economia Política da Comunicação em Alagoas” – Organização Arnon de Mello (OAM) e Pajuçara Sistema de Comunicação (PSCOM). (SANTOS et al., 2008).

A OAM possui na região duas emissoras de rádio prestando o serviço FM, em Arapiraca, e AM, em Pão de Açúcar, sendo essa última uma das poucas emissoras a prestar o serviço em Ondas Médias na região.

Já o PSCOM também estendeu seus negócios para essa região com o funcionamento de uma rádio FM no município de Arapiraca.

Novamente o mais populoso, com maior desenvolvimento humano e mais rico município do vale do São Francisco alagoano é palco de mais um fenômeno marcante das indústrias culturais no capitalismo monopolista com a expansão dos negócios para além da região geográfica de origem. Com isso, podemos apontar Arapiraca como o centro difusor das indústrias culturais no vale do São Francisco alagoano.

Os resultados preliminares também ratificam uma das tendências apontadas por Thompson (2011) quanto aos grupos de mídia, a concentração, já que os veículos da região estão concentrados em poucos grupos em um reduzido número de municípios.

De um lado temos oito municípios concentrando 61,4% das emissoras, ou seja 35 de 57 rádios AM, FM e RadCom. Em outro extremo, vinte municípios não possuem serviço de radiodifusão sonora, comprometendo o acesso da população a informações locais e comunitárias.

Sobre o lugar do rádio no conjunto das indústrias culturais, Ferraretto (2009, p. 94) nos traz alguns esclarecimentos:

Considera-se, deste modo, a indústria de radiodifusão sonora como um setor econômico específico do qual fazem parte as empresas que recebem outorgas do Estado para operação de emissoras voltadas, de modo prioritário, à obtenção do lucro e, por extensão, à acumulação de capital. A sua sobrevivência, ao longo do tempo, dá-se pela constante adaptação às alterações introduzidas por novos meios no mercado, o que ocorre em dois planos: como ente empresarial e como produtor de conteúdo.

Para reforçar a definição que adotamos sobre o lugar do rádio nas indústrias culturais hoje, temos a valiosa contribuição de Bolaño (2012, p. 4-5) em suas considerações sobre a economia política do rádio no Brasil:

As diferentes indústrias culturais e da comunicação encontram-se sujeitas a três forças, que exigem cada uma delas, o cumprimento de uma função: publicidade, propaganda, programa. O rádio e a TV podem ser tomados como paradigmas desse modelo […].

A função propaganda está ligada aos interesses do Estado e, no caso do rádio, teve no governo Vargas o seu momento paradigmático […]. A função publicidade é precisamente aquela vinculada ao processo de acumulação do capital monopolista.

O cumprimento de ambas as funções que deverão necessariamente realizar-se no nível do conjunto da Indústria Cultural […] exige uma inserção social, que defini como função programa, mas que se refere essencialmente à exigência que se faz a qualquer indústria cultural de atender a necessidades de reprodução simbólica do mundo da vida dos homens e mulheres que compõem aquele público consumidor de cultura, transformado, assim, em audiência. É a venda da mercadoria audiência que permite o financiamento das empresas que concorrem no mercado de cultura de onda.

Então pela junção dessas três forças – propaganda, publicidade e programa -, o rádio continua a ocupar um espaço privilegiado no conjunto das industriais culturais ao fazer a mediação entre capital, Estado e as massas.

O formato atual das rádios comunitárias no Brasil, com raio de alcance de até um quilometro e vedação ao financiamento por meio de comercialização de espaços publicitários e à formação de redes que ampliem o alcance da emissora, não consegue dar conta das demandas por comunicação mediática das populações desses municípios. Isso tem levando alguns radiodifusores comunitários a investir na ampliação, de forma ilegal, do raio de alcance da RadCom, o que tem resultado na criminalização desses atores da comunicação e o fechamento de importantes espaços simbólicos de mediação.

Em outra ponta, os radiodifusores comerciais ou empresariais concentram seus negócios em microrregiões nas quais identificam maior possibilidade de ampliação de suas taxas de lucro. Assim, estendem sua atuação para o circulo de municípios com maior nível de desenvolvimento regional.

Os estudos para mapeamento das rádios, blogs e portais de notícia ainda está em execução. Consequentemente as análises dos dados também estão em processamento, mas já indicam um distanciamento entre a realidade de comunicação mediática por rádio entre os municípios pólos e aqueles que gravitam em seu entorno. Esse parece ser o lugar do rádio hoje no vale do São Francisco alagoano.

REFERÊNCIAS

BOLAÑO, César R. S. Considerações sobre a economia política do rádio no Brasil. Eptic – Revista de Economía Politica de las Tecnologias de la Información y de la Comunicación. Aracaju, SE, v. XIV, n. 2, maio-ago. 2012. Disponível em:

< http://www.seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/417/331

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Sistema de Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (SISCOM). Disponível em: <http://sistemas.anatel.gov.br/siscom/>. Acesso em: 11 abr. 2015.

BRASIL. Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. Aprova a Metodologia de Divisão Político-Administrativa da Área de Atuação da Codevasf, bem como a relação dos municípios integrantes da área de atuação da Codevasf, resultante da aferição dos limites geográficos das bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Parnaíba, Itapecuru e Mearim. Resolução n. 702, de 25 de setembro de 2012. Brasília, DF.

FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio e capitalismo no Brasil: uma abordagem histórica. IN HAUSSEN, Doris Fagundes; BRITTOS, Valério Cruz. (Org.). Economia política, comunicação e cultura: aportes teóricos e temas emergentes na agenda política brasileira. Porto Alegre; Editora da PUCRS, 2009. P. 93-112.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação de conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.

SANTOS, Anderson Gomes et al. Os Grupo de mídia e a economia política da comunicação em Alagoas. In: Semana Internacional de Estudos Midiáticos, 1., 2008, Maceió. Anais daSemana Internacional de Estudos Midiáticos. Maceió, AL: Ufal, 2008.

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

* Jornalista da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Especialista em Gestão e Controle Social de Políticas Públicas e Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa Comunicação, Política e Sociedade (CEPOS/OBSCOM). E-mail: bruno.silva@codevasf.gov.br.

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