O monopólio de transmissão da Globo na transmissão da Copa do Mundo FIFA Rússia 2018

 

 

Por Anderson David Gomes dos Santos*

 

Depois de duas Copas do Mundo FIFA transmitidas em TV aberta pela Rede Globo e pela Band, a emissora da família Marinho voltou a transmitir com exclusividade um mundial de futebol masculino. O problema do mercado se apresentou de forma transparente a quem acompanhou o torneio no Brasil, “refém” da voz de Galvão Bueno nos jogos da seleção canarinha – num país com cada vez mais pessoas “pistolas”.

Para além de gostar ou não do narrador principal da Globo desde 1992, a questão a ser discutida vai além dele. É preciso entender a partir de dois pontos de análise: a construção da liderança do Grupo Globo no mercado comunicacional brasileiro; e a negociação dos direitos de transmissão dos torneios FIFA.

Liderança da Globo
O Grupo Globo se constitui a partir do jornal O Globo na década de 1920, parte para as rádios nos anos 1940, consolidando-se especialmente a partir da rede de emissoras de televisão desde 1965, que se aproveitou da conjuntura político-econômica para impor barreiras de liderança num momento de profissionalização da Indústria Cultural brasileira.

Consideramos aqui a importância do grupo, para além da rede de TVs, porque ele se constituiu com pulverização de mídias em que atua, o que é importante em termos de mercado para a aquisição de alguns serviços/programas e contratação de trabalhadores, pois tem mais possibilidades de atuação ou espalhamento e teste de programação. É assim, por exemplo, que esportes diferentes têm seus direitos de transmissão contratados pelo grupo. Os eventos podem ser exibidos em algum domingo no Esporte Espetacular; por algum dos canais SporTV; pelo Globoesporte.com, ou por todas essas plataformas.

A iniciativa da Rede Record de concorrer com a Globo a partir de 2007 nos direitos de eventos esportivos, adquirindo temporariamente alguns eventos de judô, no processo de transmissão exclusiva dos Jogos Olímpicos de verão e inverno, foi algo temporário justamente porque a oferta multiplataforma garante transmissão desses esportes, independentemente de grade de programação e, o principal, alguma visibilidade em horários líderes de audiência na TV aberta.

De lá para cá, a concorrência com outras plataformas foi intensificada no século XXI, o que Valério Brittos denominou de Fase da Multiplicidade da Oferta. A resposta do Grupo Globo foi se reposicionar nos diferentes setores da Indústria Cultural, priorizando a liderança na produção audiovisual, independente do meio de comunicação em que exibe seus programas, como comprova a campanha publicitária atual, que retrata a preocupação com os “100 milhões de uns”.

As concorrentes na TV aberta não acompanharam as mudanças, tendo dificuldade, inclusive, de conseguir algo a mais para estarem presentes na TV fechada. Há um impacto econômico que afeta a maioria delas. É também devido a isso que na TV aberta a Rede Globo passou a exibir jogos de futebol de forma exclusiva, pois não havia sublicenciada que pudesse pagar para transmiti-los – e se a Record pode, a Globo não repassa, devido ao histórico de disputa da década anterior.

Relação Globo-FIFA
Mas no caso dos torneios da FIFA, parte dessa história não conta. A entidade internacional proprietária do football association tem uma espécie de “parceria histórica” com a líder do mercado comunicacional brasileiro, termo que normalmente a Globo usa para justificar sua pretensa superioridade quando depende de algo para além do econômico.

Não há qualquer processo licitatório quanto aos principais torneios de seleções da FIFA para a exibição no Brasil. Para além da possibilidade de conseguir mais dinheiro, é preciso considerar que o resultado das investigações do FBI, que vieram à tona a partir de 2015, indicaram que os dirigentes das duas confederações das Américas usavam as negociações com empresas de marketing esportivo e os grupos de mídia omo objeto de corrupção.

Para se ter ideia, ainda em 2012, o Grupo Globo já anunciava deter os direitos de transmissão audiovisual das Copas do Mundo FIFA de 2014, 2018 e 2022 para todas as mídias, mas sem divulgação de valores. Não houve sequer a preocupação, no caso daqui, em analisar se haveria propostas específicas para transmissões em outros meios, separando os pacotes de transmissão, como outros torneios fazem e a maioria dos tribunais em prol da concorrência defendem.

Esse é um ponto importante de se relatar a partir de outros casos recentes. A criação dos canais Fox Sports em 2012 fez com que o Grupo Globo precisasse entrar em um acordo para seguir transmitindo a Taça Libertadores da América nos canais SporTV e ter mais opções de escolha na TV aberta, já que o grupo Fox Sports adquiriu há mais de duas décadas os direitos do torneio para a América Latina. Em troca, os canais da Newscorp ganharam o direito de exibir as duas edições seguintes de Copa do Mundo FIFA e a Copa do Brasil, além de ficar com VTs de jogos do Campeonato Brasileiro. Produtos até então transmitidos com exclusividade pelo SporTV (Globosat) na TV fechada.

Outro exemplo a ser lembrado é o anúncio da desistência da Rede Globo em concorrer pelo pacote de TV aberta do triênio 2018-2019 a 2020-2021 dos jogos da Liga do Campeões da Europa, principal torneio interclubes do mundo, cujo resultado foi anunciado durante a realização da Copa. A desistência se deu porque, apesar de bons resultados da audiência, a transmissão pela Globo dava destaque a um conteúdo cujo poder de escolha no Brasil é dos canais Esporte Interativo (Turner/WarnerMedia), levando público para o concorrente na TV fechada e que transmite os jogos num serviço de streaming (EI Plus). Quem ficou com o pacote de exibição gratuita foi o Facebook, que luta com Amazon e Twitter por uma série de direitos de transmissão de eventos esportivos no mundo, mas com atuação até aqui restrita a ligas de outros esportes no Brasil.

Assim, o problema de só ouvirmos a narração de Galvão Bueno na TV aberta é mais uma questão de mercado que de meritocracia ou qualquer coisa do tipo. Inclusive, podemos apontar como resultado dessa Copa do Mundo FIFA Rússia 2018 o grande destaque a Luís Roberto, que adaptou sua forma de transmitir e mobilizou muitos elogios na empresa e nas mídias sociais; além da contratação de Gustavo Villani, vindo do Fox Sports. Ambos podem ser pensados como substitutos de um Galvão Bueno, de 67 anos, cuja voz precisa ser cada vez mais poupada.

PS: Importante destacar que esta Copa teve pela primeira vez no Brasil toda uma equipe de transmissão de mulheres para partida do Brasil, obra da Fox Sports. Além disso, a demarcação da resistência das jornalistas esportivas brasileiras por respeito ao trabalho exercido. Se o machismo está incrustado na nossa sociedade, especialmente nas esferas do trabalho, o jornalismo esportivo acrescenta situações ainda mais absurdas. Esse tema mereceria outro texto, por isso tratar aqui apenas rapidamente, mas sem deixar de apresentá-los como legados desta Copa do Mundo FIFA.

* Anderson David Gomes dos Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), doutorando em Comunicação na Universidade de Brasília e membro do grupo de pesquisa OBSCOM-CEPOS.