“Mídia corporativa é a essência do poder”, afirma pesquisador

 manipulacaoPor Rennan Martins*

A popularização da internet e de aparelhos multimídia massificou a produção de informação e registro de toda sorte de acontecimentos, relevantes ou não. As redes sociais abriram espaço para que as pessoas experimentassem novas formas de se relacionar e se articular em torno de objetivos comuns. Estes fatores estão mudando a forma com que os cidadãos lidam com a imprensa, a política e o poder de forma geral.

Este processo de transição e assimilação de uma nova tecnologia pela sociedade levanta uma série de importantes questões. Qual o real potencial da internet? A grande imprensa realmente perdeu a capacidade de influenciar a opinião pública? Como era e como é a configuração da mídia em nosso país? Que relação tem a mídia com o poder?

Estas questões, tão caras à democracia, merecem uma reflexão que nos auxilie no caminho de inclusão social e participação política. Para isso, é preciso ouvir intelectuais e personalidades que atuaram e atuam no debate público brasileiro. Conversei com Nilson Lage (ver foto abaixo), jornalista de larga experiência e professor de obra vastamente citada na academia. Lage diz que a mídia corporativa é a “essência do poder”. Considera que a regulamentação dos meios de comunicação é positiva, mas que não afetará tanto o alinhamento editorial dos veículos. Enxerga ainda que a imprensa latino-americana é coordenada desde Miami, promovendo valores antinacionais e patrocinando a submissão dos povos aos EUA. Confira a íntegra.

O risco de desinformação em massa

Quais as principais diferenças entre o jornalismo analógico e o digital? Que possibilidades a massificação da internet nos trouxe?

Nilson Lage – A diferença básica é que a veiculação pela internet eliminou os custos de transmissão (gráfica, eletrônica), distribuição e arquivamento, permitindo a multiplicação dos produtores e reduzindo radicalmente a escala de investimentos necessária a empreendimentos jornalísticos. A segunda diferença em importância é que virtualmente toda a produção (gráfica, sonora, audiovisual) concorre para um só equipamento – o computador. Isso permite a composição dos diferentes media em produtos complexos (a página, o site, o portal, o aplicativo) dirigidos a uma ou a várias formas de exposição (em computador, smartphones, tablets, cinemas etc.). A terceira diferença é que a internet abala o conceito antigo de direito autoral, torna-o, em muitos casos, artifício legal contornável, e tende a suprimir a apropriação de obras antigas e consagradas em novas edições, reimpressões, regravações etc.; facilita a recuperação de informação em arquivos e subtrai valor comercial de produtos antes muito prestigiados, como dicionários e enciclopédias.

nilson-lage22Como você enxerga a inserção da internet e a massa de mídias no debate público? Há mudanças nas estruturas de poder e hegemonia?

N.L. – É cedo para dizer. A mudança de quantidade não configurou, por ora, qualidade nova. Os veículos tradicionais mantêm a hegemonia, embora com alguns novos concorrentes. O sistema de informação pública organizou-se, historicamente, em todos os níveis, em modelo centralizado (poucos produtores e muitos consumidores) com redes de malhas que divergem de pontos bem definidos, baixa interatividade, retorno lento e respostas estocásticas. Assim funcionam os financiamentos, a veiculação publicitária, as fontes profissionais etc. Uma das consequências é que o acesso à informação primária continua sujeito à mediação de poucos veículos, com privilégio da mídia tradicional. É mais viável negociar a informação (troca de informação por informação ou de informação por outra mercadoria) com poucos agentes, e conhecidos, do que facultar o acesso a número indefinido de incontroláveis interlocutores.

Finalmente, a produção de informação de acesso público é atividade profissional, com sua técnica, ética de convívio e práticas consolidadas. Constata-se que a aparente liberdade que a internet propicia dá espaço à mistura de verdade e fantasia, constatações e invenções, mundo real e mundos possíveis, diálogo educado e insulto; facilita o reingresso de toda sorte de conceitos e valores abandonados ao longo da História e que se mantinham recessivos na sociedade. O risco é uma explosão de entropia que resultará inevitavelmente em desinformação de massa.

O discurso da irresponsabilidade

Quanto à relação da imprensa com a geopolítica. Os conglomerados de mídia corporativa ocidentais atuam como braços do poder? A guerra de informação é real?

N.L. – São a essência do poder. Pode-se afirmar que o domínio da cultura saxônica, que antes disputava, no nível acadêmico e no mercado de consumo, com outras fontes – no Ocidente, principalmente, com a cultura francesa – consolidou-se na etapa norte-americana (após a década de 1920 e, sobretudo, da Segunda Guerra Mundial), dada a supremacia na área da informação. A retórica do jornalismo americano tornou-se padrão de objetividade, impondo antagonismos absurdos (como democracia x comunismo), ambiguidades surpreendentes (comoliberal = socialista, socialista = comunista ou, no Brasil, trabalhismo = comunismo), e substituições convenientes (estrangeiro/internacional) etc.

Seguindo o estilo consagrado pela revista Time (1922), a combinação de informação objetiva com adjetivação criativa, metáforas e acumulações de sentido produziu um modelo de relato-comentário da realidade que se mostra dominante, principalmente em revistas se informação geral e suplementos. Através de mecanismos hábeis e de recursos bem direcionados, transferiu-se a luta política histórica (o conflito de classes e da distribuição de riqueza no mundo) para o universo existencial (a relação ente os sexos, as raças, do homem com a natureza); a escatologia – questão dos fins últimos e causas primeiras da humanidade da vida, do universo – passou do universo religioso para o debate partidário, adquirindo extraordinário potencial de conflito.

Como se dá a relação dos grandes grupos de imprensa com os governos progressistas latino-americanos?

N.L. – A grande imprensa, coordenada desde Miami pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), por via das associações nacionais, como a ANJ – e, de maneira similar, no setor de rádio e televisão (no Brasil, a Abert) – é um instrumento (hoje, o principal) de dominação multinacional, o que determina sua oposição radical ao nacionalismo, ao desenvolvimento econômico autônomo e à integração regional que esses governos patrocinam. Isto se consolidou historicamente com a penetração continental da indústria estrangeira da informação (gravadoras de música, distribuidoras de filmes etc.), a partir da década de 1950, e com a orientação empresarial das agências de publicidade, em cuja direção (e na filosofia de trabalho) se concentra a visão mais cínica e reacionária da sociedade – haja visto o papel que tiveram, em fatos ainda recentes no Brasil, expoentes do setor, como Ênio Mainardi ou Ivan Hassolocker, o dirigente do Ibad que ajudou a articular o golpe de 1964.

Impermeável às identidades nacionais, a retórica publicitária vende cosmopolitismo, individualismo, racismo, hedonismo, superficialidade, imoralidade que sequer se assume e, sempre que possível, cultura global amorfa, sem história e sem pátria. Seu discurso é o da irresponsabilidade, da auto-complacência e do escapismo. É tão enraizado isso que dificilmente se imagina como poderia ser diferente.

“Não creio em ‘falta de formação específica’ aos blogueiros”

Em relação as últimas eleições, como se deu a cobertura dos fatos políticos? A isenção existiu?

N.L. – Claro que não, se considerarmos a cobertura em geral. Muitos jornalistas se esforçaram para fazer um trabalho correto, como sempre acontece. Conseguiram, minoritariamente, também como de hábito, mesmo nos momentos mais difíceis.

Sobre a liberdade de imprensa no país. Nossos jornalistas têm liberdade de investigar e escrever?Que poderes mais constrangem os colegas?

N.L. – A censura empresarial está geralmente introjetada e se implanta através das estruturas hierárquicas que divulgam as linhas editoriais, comandam as redações, supervisionam pautas e avaliam trabalhos. De modo geral, numa espécie de seleção às avessas, os editores principais dos grandes veículos são jornalistas não muito brilhantes, mas bastante domesticados, que operam como via de transmissão das ordens da empresa, assumidas em geral como normas de sua lavra. A política das redações varia um pouco, da relativa estabilidade aparente (em O Globo, por exemplo) ao estímulo da competição desvairada entre os repórteres (na Folha), com traço generalizado e crescente de insegurança que a concentração empresarial, a equação declinante empregados/candidatos a emprego e a decadência da mídia tradicional acentuam. A liberdade é das empresas, desde que elas se articulem com os bancos que as financiam e agências que as sustentam, manobrando verbas públicas e privadas.

É sabido que no Brasil muitos políticos detêm concessões de rádios e televisão. Quais as consequências disso? Por que esse assunto tem pouco apelo entre os cidadãos?

N.L. – Os cidadãos são mantidos na ignorância por um sistema (não só de comunicação, também educacional) que ordena os fatos como convém e oculta os que interessa ocultar. A posse de veículos por políticos – algo mais generalizado no Brasil do que em outros países – decorre da origem histórica regional da imprensa, de um lado, e da estratégia montada pelas redes que se instalaram no Brasil com modelos e patrocínio estrangeiro, em particular a Rede Globo: ela assegurou sua hegemonia ao articular-se com as oligarquias regionais preexistentes, de que se originam (ou que representam), em sua maioria, os políticos que chegam ao congresso.

Nessas eleições muito se falou sobre a regulamentação dos meios de comunicação. O Brasil precisa dela? Por quê?

N.L. – Sim. Reduzirá ou eliminará a concentração de poder na mão da meia dúzia ou menos de famílias que controlam a informação no Brasil no plano nacional. No entanto, não creio que afete radicalmente o alinhamento dos media. Por muitos que sejam os veículos e as redes – e por mais que aparentemente estejam competindo – terão traço comum dominante. É como as rádios FM da região metropolitana de São Paulo: são dezenas, como 14 milhões de ouvintes, mas não têm escolha: oferecem música pop-lixo, música brega-lixo, rock-lixo, sertanejo-lixo, MPB-lixo, qualquer coisa-lixo porque tocam o que interessa às gravadoras e por imposição do mercado publicitário, são impotentes para segmentar o público por padrões reais de gosto. Cabe aos ouvintes escolher entre um lixo e outro dentre o que lhe é oferecido ou recorrer ao CD-DVD-pen drive.

Há alguns dias a Comissão Nacional da Verdade publicou seu relatório final. Poderia nos dar um testemunho de como foi a ditadura na visão de um jornalista?

N.L. – Um processo regressivo. O Brasil tinha imprensa regionalizada, com correspondente na capital federal e veículos de todos os estados e principais regiões metropolitanas. Havia jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão cobrindo amplo espectro ideológico dentro da normalidade de uma sociedade capitalista (a imprensa comunista sempre foi insignificante em termos de público): o trabalhismo de Última Hora, o nacionalismo classe-média do Diário de Notícias, a oposição radical e encasacada do Correio da Manhã, o catolicismo progressista (estética e editorialmente) do Jornal do Brasil, o reacionarismo provinciano do Estadão, a picaretagem assumida dos Diários Associados, o golpismo sistemático de O Globo, a criatividade da TV Excelsioretc. Os militares – não tanto por interesse deles, mas por se deixarem convencer pelo inimigo que supunham amigo – destruíram tudo, e o que havia de liberdade foi quase toda junto.

Hoje em dia vemos toda uma nova geração dos blogueiros, que praticam comunicação sem formação específica, muitos deles com amplo sucesso. Que críticas faria a essas figuras? Que sugestões?

N.L. – Não creio tanto nessa “falta de formação específica”. Há os cientistas políticos, os panfletários de ideias, os humoristas, os pregadores religiosos, os nefelibatas políticos… Sempre houve. Os que sobreviverem tendem a se profissionalizar.

*Rennan Martins é editor e blogueiro do Portal Desenvolvimentistas.

Fonte: Observatório da Imprensa

TVs comunitárias fortalecem democracia, afirmam debatedores

369349_pr_01As TVs comunitárias podem colaborar com o fortalecimento da democracia e a defesa dos direitos humanos. Essa foi a opinião unânime dos debatedores durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, na tarde desta segunda-feira (15). O objetivo da audiência era discutir o papel das TVs comunitárias para o fortalecimento da comunicação como um direito humano fundamental.

Segundo o diretor da TeleSUR para o Brasil, Carlos Alberto Almeida, as emissoras comunitárias vêm colaborando com o fortalecimento da democracia na América Latina. Ele observou que a tentativa de golpe contra o então presidente venezuelano Hugo Chavez (1954-2013), no ano de 2002, só foi frustrada por conta das denúncias de uma TV comunitária.

Enquanto as emissoras comerciais davam conta de que Chavez havia renunciado, a Cátia TV denunciava que ele havia sido sequestrado pelos militares. Almeida salientou que, diante de uma suposta tentativa da mídia brasileira de desestabilizar a política no país, a mídia alternativa cumpre o papel de informar corretamente.

“As emissoras comunitárias podem colaborar com o funcionamento da democracia e ajudar o Brasil a pagar a dívida cultural com o povo brasileiro”, declarou.

Baixo nível

O presidente da Fundação Sociedade Comunicação Cultura e Trabalho (RedeTVT), Valter Sanches, salientou que as TVs comerciais insistem em uma programação de baixo nível cultural, com pouca diversidade e reforço de estereótipos.

Ele reclamou da propriedade cruzada de veículos de comunicação e criticou o sexismo e a pouca presença, por exemplo, de negros e idosos na programação das TVs. Sanches ainda alertou para o desequilíbrio que há entre as TVs comerciais e as comunitárias. Ele informou que 95% da publicidade são direcionados às TVs comerciais, restando para as comunitárias apenas 5%.

“Essa distorção tem um impacto na formação da sociedade. Como uma TV vai falar dos perigos da obesidade infantil se tem como principal anunciante uma grande empresa de alimentação?” questionou.

Demandas

O presidente da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCcom), Paulo Miranda, disse que não se faz comunicação voltada para os direitos humanos sem os meios de comunicação alternativos. Miranda relatou que vem lutando pelo fortalecimento dos canais comunitários desde 1995, mas avalia que o avanço tem sido pequeno, pedindo mais apoio financeiro para o setor.

Para a presidente da comissão, senadora Ana Rita (PT-ES), o debate é importante para buscar uma definição do papel dos meios de comunicação no processo de fortalecimento dos direitos humanos.

Ela informou ainda que algumas reivindicações apresentadas pelos debatedores serão encaminhadas ao governo. A criação de um fundo nacional de apoio à mídia comunitária, a reserva de espectro para os canais alternativos e a revisão do valor pago pela publicidade oficial estão entre as demandas que serão entregues à Presidência da República. Ana Rita informou ainda ter apresentado uma emenda para aumentar os recursos para a EBC no Orçamento de 2015.

Fonte: Portal Vermelho

O problema é bem maior que um marco regulatório para a mídia eletrônica

andersonsantosufalPor Anderson Santos[1]

Já comentei isso em alguns momentos e em outros espaços. Infelizmente, parece que só se percebe o posicionamento de classe das elites proprietárias de grandes grupos de comunicação a cada período eleitoral – marcadamente durante as eleições para o cargo de presidentx da República.

Esta eleição elevou esse patamar a um nível maior. As tais intervenções em maior quantidade na entrevista com a presidenta Dilma Rousseff, com direito a suposto dedo levantado por Patrícia Poeta no Jornal Nacional; e a já “tradicional” divisão de tipo de conteúdo – bem marcada pelos estudos do Machetômetro no Rio – ampliaram essa percepção e a necessidade, mesmo por parte de pessoas influentes no Governo (e articuladores da coalizão de classes que comanda o país com o PT na principal cadeira, caso do ex-presidente Lula), de se realizar um novo marco regulatório para a radiodifusão de transmissão gratuita.

Ainda que sigamos pessimistas quanto ao tema, dado o histórico de 12 anos sem qualquer tipo de avanço, não é bem esse assunto que tocaremos neste texto. Até porque o ápice de tentativa de interferência numa disputa tão acirrada quanto esta não veio da mídia eletrônica, mas de um impresso.

Adiantar o lançamento da edição da revista e divulgar a frase de um delator que nem o advogado dele confirmou sobre um suposto conhecimento da presidenta Dilma e do ex-presidente Lula nos casos de corrupção na Petrobras foi prova cabal, para os “cegos de ocasião”, sobre qual formação ideológica é a principal da Revista Veja, do cambaleante Grupo Abril.

A presidenta/candidata Dilma Rousseff usou os minutos finais da sua última aparição em rádio e TV para criticar o que ela chamou de “terrorismo eleitoral” feito pela revista, que já havia feito isso em eleições anteriores.

Sobre a fala de Dilma, relembrei os momentos com xs amigxs do programa da Rádio Unisinos FM Periscópio da Mídia. Algumas vezes questionamos os governos dito progressistas que seguiam bancando as tais mídias “golpistas” com os recursos de publicidade estatal – no caso dos “blogueiros sujos”, diga-se, parte ínfima da verba só foi para eles a partir do último ano de governo Lula, com Franklin Martins na Secretaria de Comunicação Social.

Se a presidenta reconhece o “terrorismo eleitoral” e os mecanismos espúrios da principal revista em termos de circulação do país, por que as estatais/empresas mistas seguem a mantendo com publicidade? Se não me engano, numa das edições do Periscópio comentamos que duas páginas por edição de Veja custariam R$ 1,5 milhão. E lá podemos encontrar Caixa, Petrobras, BB e etc…

Pegando os dados do Mídia Dados 2014, dos 15 maiores anunciantes do Brasil, 3 são ligados ao Governo Federal: 5º Caixa (3º em revistas); 6º Petrobras (4º em revistas); e 12º Banco do Brasil (6º em revistas).

Além disso, há a compra de assinatura de revistas para escolas, bibliotecas e outros espaços públicos, que ajudam a alimentar as receitas de um grupo supostamente golpista.

Vale ressaltar que se precisa levar em consideração que caso se tratasse de divulgação de obras públicas para os cidadãos, é claro que é necessário que isso seja feito através de meios de grande circulação. Porém, fica-se numa sinuca de bico: paga-se publicidade para difundir num espaço que muitos leem ao mesmo tempo em que quem lê, e a linha editorial de tal meio, é direcionado para combater a si, que anuncia.

Um processo assim não se trata de censura, mas de verificar qual o interesse público que determinado meio de comunicação pretende atender, se é que atende. Explicando o caso da RCTV na Venezuela, como se tratava do espectro eletromagnético, público, o que houve foi a não renovação da concessão, encerrada em 2007; não um corte imediato de sua programação – que, se fosse neste sentido, teria ocorrido em 2002, após a tentativa de golpe, com total participação dos grupos midiáticos, contra Hugo Chávez, presidente eleito democraticamente.

Como se trata de mídia impressa, logo não é uma concessão pública, uma regulamentação da comunicação não necessariamente atuará sobre ela. O que os movimentos pela democratização da comunicação lutam hoje, por exemplo, é por um “Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica”. Necessidade esta até mesmo do setor de radiodifusão, já que a última alteração no Código Brasileiro de Telecomunicações, que o rege, ocorreu em 1967 – com muita alteração tecnológica a partir daí, para não entrar no mérito de abrir novas formas de concorrência.

No caso do impresso, o direito de resposta estava previsto na Lei nº 5.250/1967, a “Lei de Imprensa”, que previa punições a supostos excessos cometidos pelos profissionais da comunicação no exercício de suas atividades. O Supremo Tribunal Federal considerou improcedente a lei em 2009, por não se coadunar com o que está escrito na Constituição Federal, promulgada em 1988. Desta forma, o caminho para pedir direito de resposta, como no caso da então candidata a presidenta, complicou-se ainda mais.

Evidente que também precisa ser considerado o efeito de uma notícia deste nível. Mesmo que a revista publicasse o direito de resposta na edição seguinte, ocupando o mesmo espaço que a matéria (quiçá também na capa), a informação já fora propagada e os efeitos disso já foram despertados em parcela da população que teve acesso, seja comprando a revista ou vendo a capa nas mídias sociais. Efeito pior ainda por se tratar de vésperas de uma votação. Não haveria como remediar.

Fazer como a Veja fez no dia seguinte à publicação, colocando a resposta apenas no site do periódico, é ruim, pois não se tratou do mesmo espaço de publicação. Pior ainda porque a revista respondeu o direito de resposta, algo impensável – quer dizer, menos para quem se acha como um candidato no pleito, com direito a tréplica…

Por isso que lutar por políticas públicas para a área e pela democratização da comunicação nos marcos que os movimentos dedicados ao tema fazem não é o suficiente. É óbvio que não dá para negar a importância de seguir lutando por uma regulamentação e uma regulação que garantam expressões mais democráticas, mais justas num espaço que é público. Mesmo nesse nível a luta já será gigante, vide o que falou o suposto candidato a presidente da Câmara, que prometera engavetar qualquer proposta sobre regulação da mídia e é do partido do vice-presidente da República, o PMDB – que também abarca políticos sócios ou donos de concessões, algo inconstitucional.

Mesmo assim, é preciso ter a noção de que uma comunicação efetivamente emancipatória só virá sob outros marcos societários. Que lutemos por mais direitos, mas sem esquecermos qual o objetivo final, o da emancipação humana. Um desafio ainda maior, com certeza.

[1] Professor da Universidade Federal de Alagoas. Jornalista, mestre em Ciências da Comunicação e membro do grupo de pesquisa CEPOS.

Adilson Cabral debate comunicação e o segundo governo Dilma Rousseff

adilsoncabraluffPor que é importante debater comunicação em um país de dimensões continentais? Essa pergunta é a mola que move a edição de novembro do Boletim EPnoTICias da Rede Eptic. Entre os convidados para refletir sobre o tema está o Professor Doutro Adilson Cabral (Universidade Federal Fluminense – UFF/RJ/Brasil).

Em entrevista a jornalista Joanne Mota do Portal Eptic, o pesquisador falou sobre suas impressões e, objetivamente, refletiu sobre a corrida eleitoral e o papel dos meios de comunicação tradicionais nesse processo. Adilson ainda refletiu sobre o primeiro mandato de Dilma Rousseff e sobre os desafios que se avizinham.

Portal Eptic – O Brasil acaba assistir a uma das eleições mais acirradas da história recente, na qual os meios de comunicação tiveram um papel emblemático. Há nos seio social um coro de denúncia sobre o posicionamento desses meios e mais uma vez o grito “democratiza” corre pelas ruas e redes. Como pesquisador, qual avaliação dessa relação meios de comunicação cobertura eleitoral?

Adilson Cabral: São o reflexo da ausência de enfrentamento do tema dos meios de comunicação pelos governos petistas, bem como um dos efeitos colaterais do privilégio ao pacto de governabilidade a despeito da efetivação de um projeto político em bases democráticas capaz de envolver e proporcionar uma cultura de participação política na sociedade. Isso se manifesta tanto na ausência de limites que os meios tradicionais privados acabam tendo, como na ausência de meios alternativos de larga escala, que acabaram sendo substituídos pelas redes nas mídias sociais.

Portal Eptic – Na sua visão, quais os impactos dessa cobertura midiática em tempos de bloqueio de uma maior participação social?

A cobertura midiática existe desta forma em virtude da concentração dos meios e do alcance territorial concentrado num meio. Em termos de Brasil, trata-se da maior concentração do planeta. Aliada a essa concentração, o padrão de qualidade técnica e profissional empreendido pela emissora de maior amplitude no país proporciona um padrão de agendamento da opinião pública, ao mesmo tempo em que minimiza outras frentes no espaço eletromagnético. A participação social se desloca para as redes nas mídias sociais e nas formas tradicionais de ativismo e militância.

Portal Eptic – Por que é tão difícil inserir na pauta parlamentar a agenda de um novo marco regulatório das comunicações no Brasil?

AC: Porque não há interesse significativo por parte dos parlamentares, na medida em que o tempo de exposição é agendado nos mesmos moldes de concentração e os mesmos não se arriscam a não serem mais agendados. Além disso, há não só o desconhecimento, como um conhecimento rasteiro que não compreende a comunicação como cultura, desenvolvimento e indústria, mas como negócio, na pior acepção do termo.

Portal Eptic – Diante do acirramento entre sociedade civil e setores dominantes,  acha que o atual momento pode favorecer a realização de uma 2ª Conferência da Comunicação no Brasil? Sem sim, acha que ela daria maiores passos que a primeira?

AC: A 2ª CONFECOM se faz extremamente necessária para a sociedade em geral e o movimento pela democratização da comunicação em particular, bem como uma ampla gama de movimentos e setores sociais. Não se trata de dar maiores passos, mas passos mais precisos: dado o resultado da 1ª CONFECOM e o decorrente afinamento de suas resoluções, cabe encaminhar das formas mais adequadas – à regulamentação ou à implementação – as propostas já aprovadas, compreendendo atores a serem envolvidos e níveis de prioridade em termos de cronograma de atuação.

Portal Eptic –  No que se refere ao setor das Comunicações, quais suas expectativas com o segundo governo Dilma Rousseff? Podemos esperar uma composição ministerial diferente da anterior que garanta avanços na pasta?

AC: O governo precisa ser melhor que o anterior, na medida em que sendo no mínimo igual já será o suficiente para desmontar qualquer possibilidade de crença numa continuidade do projeto político empreendido pelo PT nos últimos 12 anos.

Do controle remoto à regulação econômica: o setor das comunicações no segundo governo Dilma

Paulo-Victor-MeloPor Paulo Victor Melo[1]

Dado o papel desempenhado pela mídia hegemônica nas eleições presidenciais deste ano, a reeleição de Dilma Rousseff à presidência do Brasil simbolizou também uma derrota do oligopólio midiático nacional. Não faltaram situações que mostram como, durante toda a campanha eleitoral, os principais veículos de comunicação do país atuaram permanentemente e de forma articulada contra a candidata da situação.

Um primeiro exemplo: uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – intitulada Manchetômetro – que monitorou diariamente a cobertura das eleições 2014 nos impressos Folha de S. Paulo, O Globo e o Estado de São Paulo, e no telejornal Jornal Nacional, demonstrou que todo o conjunto da mídia privado-comercial fez a opção de se colocar contra a candidatura do governo. Na semana de 7 a 13 de setembro, por exemplo, apenas o Jornal Nacional veiculou 23 matérias contrárias a Dilma, enquanto apenas duas inserções negativas sobre Aécio Neves e uma sobre Marina Silva. Os próprios coordenadores do Manchetômetro, em artigo sobre a cobertura dos veículos das Organizações Globo, chegaram a conclusão que “tanto o Jornal Nacional quanto o periódico O Globo cobrem as eleições de maneira fortemente enviesada, dedicando um número desproporcional de matérias negativas à Dilma Rousseff e ao seu partido, o PT. Ao mesmo tempo, blindam os candidatos da oposição, limitando-se a noticiá-los de forma neutra”.

Como se não bastasse a constante campanha oposicionista da mídia durante os três meses de campanha eleitoral, na reta final do segundo turno (apenas dois dias antes das eleições), como uma última cartada, a Revista Veja estampou em sua capa (que teve a publicação adiantada em dois dias, cabe lembrar) uma suposta denúncia contra Dilma e Lula. Não demorou muito para vir a confirmação de que aquela edição da Veja tinha um objetivo certo: servir de panfleto contra Dilma Rousseff. O ministro Admar Gonzaga, do Tribunal Superior Eleitoral, que concedeu direito de resposta ao PT, em caráter de liminar, e proibiu a veiculação de publicidade da revista em rádio, televisão, outdoor e propaganda paga na internet, foi claro em sua sentença: “tendo em vista que a representada (revista Veja) antecipou em dois dias a publicidade da revista, entendo que a propagação da capa, ou do conteúdo em análise, poderá transformar a veiculação em verdadeiro panfletário de campanha, o que, a toda evidência, desborda do direito/dever de informação e da liberdade de expressão”.

Importante frisar que, longe de ser uma posição adotada exclusivamente durante a campanha eleitoral, a pesquisa Manchetômetro e a capa da Veja apenas confirmaram que a mídia hegemônica está seguindo o que disse a presidente da Associação Nacional de Jornais, Judith Brito, em artigo no O Globo de 18 de março de 2010: “…esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país”.

Mas, se Globo, Veja e todo o oligopólio da mídia saíram derrotados nas eleições deste ano, não se pode afirmar o mesmo durante os doze anos de governos do PT. Nesse período, um dos setores que não teve o seu status quo abalado foi justamente o das comunicações. Ministros alinhados aos radiodifusores (Hélio Costa) ou às operadoras de telecomunicações (Paulo Bernardo), manutenção da grande fatia do bolo das verbas de publicidade para as mesmas empresas (ainda que tenha ampliado a quantidade de veículos que as recebem, se comparado aos governos anteriores), ausência de uma política efetiva para a comunicação pública, perseguição às rádios comunitárias e pouco diálogo com o movimento pela democratização das comunicações foram a tônica dos quatro anos de governo Dilma e dos oito anos de Lula para o setor.

Nesse sentido, não seria espantoso acreditar que – mesmo com a experiência da recente campanha eleitoral – o próximo mandato de Dilma, que governará num cenário de crescimento da oposição (o resultado das urnas mostra isso) e de aumento do grau de conservadorismo do Congresso Nacional (com a presença ativa de deputados e senadores que controlam diretamente emissoras de radiodifusão), não levará a frente qualquer mudança estrutural num setor que, desde a promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações, em 1962, se modifica apenas aos interesses do mercado.

Porém algumas manifestações do PT e de Dilma, durante a campanha eleitoral e após a sua reeleição, sinalizam para a possibilidade do enfrentamento ao oligopólio da mídia ser uma realidade no governo que iniciará em janeiro de 2015. Lembremos: em dois debates entre os presidenciáveis, na Bandeirantes e na Record, Dilma defendeu a regulação econômica do setor; em uma das primeiras entrevistas como presidenta reeleita, no SBT, voltou a pautar o tema;  no último programa eleitoral de TV, ao melhor estilo brizolista, Dilma respondeu incisivamente à Veja; e na primeira reunião da sua Direção Nacional após a vitória de sua candidata, o PT definiu a elaboração de um novo marco regulatório das comunicações como uma das prioridades do próximo mandato.

Otimismo? Pode ser. Mas se lembrarmos que a mesma Dilma, em 2010, afirmou que o único controle da mídia era o controle remoto, ouvir este ano as suas posições favoráveis à regulação econômica do setor e as suas críticas categóricas à postura da Veja, em redes nacionais de televisão, faz crer que está aberta uma nova janela de oportunidades para a necessária democratização das comunicações.

[1] Paulo Victor Melo, jornalista, mestre em Comunicação, militante do Intervozes e pesquisador do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe.