Por Joanne Mota**
“Um país de dimensões continentais, com sede de diversidade e liberdade de expressão”. Essa é uma posição comum aos movimentos sociais e ativistas que lutam pela democratização da comunicação e que entendem que falta cor e tom na televisão brasileira.
Após cinco anos da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), pouco, ou quase nada, se avançou no quesito regionalização dos conteúdos transmitidos nos meios de comunicação. Medida ao sabor do mercado, a radiodifusão no Brasil impõe o que pode ser chamado de “Sudeste way of life”.
Ao criticar o modelo de televisão caricata e que mais referenda estereótipos e arquétipos do que informa e fomenta a diversidade cultural, Leci Brandão, cantora e deputada estadual pelo PCdoB/SP, cobra: “Queria ver na TV a peleja dos negros e negras, dos nordestinos e nordestinas, a multiplicidade do Norte, a simplicidade do Centro-Oeste. Mas, o que vemos é a interpretação sem sentido do que realmente é o Brasil. Nosso país é muita mais do que a mídia mostra”.
De acordo com o texto do projeto, fica garantido que no mínimo 30% dos conteúdos transmitidos em um dia deveriam ter concepção e produção local para as emissoras, sendo que 10% da produção, em horário nobre, seria destinado a produções independentes.
Pesquisa publicada em 2013 pela Fundação Perseu Abramo aponta que mais de 40% da população no país não se sente representada pelos programas transmitidos na TV. O levantamento (confira a íntegra aqui) indica que 51% dos entrevistados acham que a TV não mostra de forma clara a variedade do povo brasileiro e 23% concorda que muitas vezes a TV costuma esconder essa diversidade.
O estudo ainda avança ao indicar que não costumam se reconhecer na TV 43% e 25% dos entrevistados, que se veem retratados negativamente – só 32% de modo positivo. Além disso, a maioria considera que a TV trata as mulheres às vezes (47%) ou quase sempre (17%) com desrespeito, assim como os nordestinos, às vezes (44%) ou quase sempre (19%), e ainda a população negra (49% e 17%, respectivamente) – sendo esta retratada menos do que deveria (52%).
Outro estudo, publicado em 2009 pelo Coletivo Intervozes, entidade que também luta pela democratização da comunicação, indicou que os índices de produção local ocupam apenas 10,83% da programação da TV aberta. De acordo com a entidade, a pesquisa foi aplicada em 11 capitais brasileiras, com uma amostra de 58 emissoras, incluindo públicas e comerciais.
A luta no âmbito parlamentar
Defensora da diversidade na mídia, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ) trava essa luta no Congresso Nacional há mais de duas décadas. É dela o projeto mais antigo encaminhado para a casa em 1991 e que levou 12 anos para ser aprovado na Câmara Federal. Até hoje o projeto navega nos mares do Senado, refém dos lobistas da radiodifusão.
De acordo com Jandira, o Projeto de Lei obriga as emissoras à veiculação, entre 17h e 0h, de programas produzidos regionalmente. Ela explica que é preciso entender como “produzidos regionalmente” um processo que vai desde a concepção até a finalização desses conteúdos.
Pesquisa desenvolvida pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) revela, em números, os níveis da concentração da produção de conteúdo no Brasil,
Jandira pondera que o projeto ainda define que no mínimo 10 horas e no máximo 22 por semana de programas devem, obrigatoriamente, ser regionais. Esse tempo deveria aumentar, em cinco anos, para o mínimo de 22 e o máximo de 32 horas.
Segundo a parlamentar, “além do ganho para a cultura e a propagação da diversidade e pluralidade brasileiras, também surgiriam oportunidades de fomento de toda a cadeia do setor audiovisual por estado e região. O fomento à produção independente também precisa ser priorizada, já que às vezes ele [o produtor independente] não consegue ter oportunidade, devido à ausência de recursos técnicos e humanos”, acrescenta.
Ao falar sobre a concentração da produção de conteúdo para a TV, o diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), Mauro Garcia, reafirmou que não há como pensar em regionalização sem a sua “irmã gêmea”, a produção independente.
“A regionalização é parte de um processo que compõe a cadeia da produção do audiovisual no Brasil. Para tanto, pode ser cumprida com a produção independente local, fomentando trabalho e gerando renda localmente”, referendou.
Contra um Brasil caricato
Ao opinar sobre a questão, Luciana Santos, presidenta da Frente Mista em Defesa da Cultura do Congresso Nacional e deputada Federal (PCdoB/PE), destaca que a luta apenas começou e cobra o respeito à Constituição Federal Brasileira, amparada no Art. 221: “Lá está colocado que a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender a princípios, entre eles “a regionalização da produção cultural, artística e jornalística”. Segundo ela, essa defesa também passa fomento da produção independente.
Para Luciana Santos “o Brasil é muita mais do que vemos na TV”. Ela confirma sua defesa contra a hegemonia cultural do eixo Rio-São Paulo. “Queremos ver os quilombolas, nossa herança indígena, nosso cinema, o hip-hop, as feiras e tudo que representa nossa matriz cultural. Essa cultura não é retratada. Estamos cansados do Brasil caricato”.
Nessa mesma linha, a deputada Leci Brandão reafirmou que é chegada a hora de colocar um fim na “ponte aérea” que reina na televisão desde a sua formação. “O Brasil é gigante, com culturas gigantes, que tem fome e sede e precisam ser reveladas. A internet, por exemplo, ajuda. Mas, queremos ir além, queremos povo e vida na TV”.
*Texto originalmente publicado no na série especial da Eleições 2014 do Barão de Itararé.
**Joanne Mota é pesquisadora do OBSCOM/CEPOS; editora do Portal Eptic Online e jornalista do Portal Vermelho.