Por uma (crítica da) Economia Política…

Verlane Aragão Santos1

Há uma questão, exposta no debate acadêmico e público no subcampo da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC), que tem promovido desacordos e falta de entendimentos comuns: o que significa a expressão Economia Política, distinguindo assim a análise desenvolvida a partir de um conjunto de pesquisadoras e pesquisadores, autodeclarada como crítica em relação ao pensamento comunicacional vigente? Decerto o desenvolvimento da EPC fora2 e dentro do Brasil3 tem se traduzido num quadro bastante heterogêneo, considerando as origens, formação e campos de atuação. Poderemos a partir daí observar diferentes áreas de conhecimento, e consequentemente aportes epistemológicos e metodológicos, porém a ideia de uma economia política, como de uma crítica da economia política, atende a um percurso próprio que precisa ser recuperado e problematizado.

A expressão Economia Política conforma na tradição da ciência econômica, onde é constituída, um conjunto ampliado de autores e perspectivas que vai de  Antoine de Montchrestien, quando em sua obra de 1615, “Tratado de Economia Política”, enuncia primeiramente a expressão, passando por Adam Smith e David Ricardo, proeminentes economistas políticos ingleses, pelo próprio Marx, chegando a Alfred Marshall e Willian Jevons, economistas neoclássicos do final do século XIX. Importante salientar que ao denominar a jovem ciência, a partir da “Riqueza das Nações”, de 1776 de Smith, e definir a preocupação com a riqueza material, a noção de economia política, correspondente a cada uma das obras referidas e das abordagens próprias dentro da ciência econômica, compõe uma dada e particular concepção.

Tomando como referência a obra de Smith, partamos de sua base ontológica. O “homem econômico” é este ethos que caracterizará o comportamento de todos os agentes econômicos (independente de classe, gênero e raça) no interior das relações mercantis. Individualistas, racionais, maximizadores de interesse. Parafraseando Smith (1996), ao buscar o próprio interesse, o lucro, o indivíduo [leia-se o capitalista] cria riqueza para toda a sociedade. Os vícios privados convertem-se em benefícios públicos, para lembrar a “Fábula das Abelhas” de Mandeville. Os filósofos éticos do século XVIII, assim, propunham o casamento entre os “sentimentos morais” e a riqueza material, dispensando os homens do Velho Mundo de terem que responder pelo pecado da usura, questionável nos padrões da moral deontológica escolástica, a ser superada pelo projeto de modernidade em construção.

A obra de Marx propõe novas preocupações, redesenhando os objetos da nova ciência propostos por Smith e seus contemporâneos. O que Marx realizará, primeiro na “Contribuição à Crítica da Economia Política”, de 1859, e depois em “O Capital”, de 1867, é incorporar a sistematização da atividade econômica já realizada, entre produção, distribuição e consumo da riqueza social, afirmando a não dissociação entre essas etapas; e a partir do empirismo de Smith e o método dedutivo de Ricardo propor um método alternativo, o denominado materialismo histórico e dialético, absorvido a partir das contribuições da filosofia alemã, especialmente de Hegel e Feuerbach. Neste ponto, transfigura a economia política de sua época, ou seja, a partir de sua crítica, apontando que o objeto privilegiado da ciência econômica seriam as relações sociais de produção, relações de exploração, ou seja, relações de poder, fundadas na propriedade privada (tem-se aqui a terceira fonte do pensamento de Marx, segundo Lênin (1913), o socialismo francês), na forma de trabalho assalariado, entendidas a partir da totalidade social, de sua constituição no tempo e no espaço – caráter histórico – e de suas contradições (LEFEBVRE, 1975).

O sentido de totalidade não deixava escapar a Marx as dimensões constitutivas das manifestações humanas; seus aspectos objetivos e subjetivos; da organização econômica à sistematização e aplicação das leis. Incorporou fatores extra-econômicos na sua análise, quando apontou o papel da violência imposta na defesa da propriedade e no processo de expropriação na fase inicial da acumulação capitalista ou mesmo quando trata da regulação dos salários. Como insiste Isaak Rubin, Marx introduz a sociologia na análise econômica. Suas categorias são extraídas da própria realidade. A classe trabalhadora, por conseguinte, e diferentemente da concepção liberal, deve ser observada em sua configuração concreta.

Isso não provinha de uma concepção ideal inicial, pois Marx não era um idealista, mas da apreensão da realidade posta, de suas complexidades, de suas diversas dimensões, no contexto de desenvolvimento da divisão social do trabalho, intensificado no âmbito do capitalismo. Marx ao definir o caráter social e coletivo do processo de criação da riqueza e apontar a contradição expressa na apropriação privada dessa mesma riqueza, requalifica o termo economia política. Não é gratuito o fato de que a despeito das obras dos neoclássicos ainda trazerem a expressão Economia Política, a teoria econômica hegemônica dispensará a qualificação política e adotará somente Economia para designar a ciência da riqueza.

Nesses termos, é comum observar na atualidade o uso da expressão Economia Política para abarcar, no sentido mais amplo, o conjunto da produção intelectual e acadêmica de caráter heterodoxo, ou seja, em oposição ao pensamento ortodoxo, liberal, como no sentido mais restrito referindo-se ao pensamento marxiano. Se quisermos ser mais precisos, podemos lançar mão da própria expressão enunciada por Marx, já que o que ele propunha fazer e fez foi uma crítica da economia política, apropriação do pensamento econômico de seu tempo, realizando a derivação das categorias burguesas e fazendo a crítica, como ocorre com a teoria do valor trabalho de Smith e Ricardo, permitindo incorporá-la como base para a sua teoria da mais-valia e ao observar a não validade dos pressupostos e suas implicações na obra desses autores, ao mesmo tempo apontar que se traduziam, segundo ele próprio, na legitimação do capitalismo, identificando assim o caráter ideológico da ciência econômica.

Com o acima posto, gostaria para finalizar essas anotações fazer duas observações. Primeiro: espero que já tenha deixado exposto e argumentado que “economia política” não corresponde à expressão “economia e política”, onde os termos aparecem em complementariedade. Não é uma análise econômica da política, tão pouco uma análise política da economia. A economia política pressupõe a incorporação de um método próprio e de categorias conceituais que nas pesquisas devem ser postos à prova resguardando, como já observado, a busca de contemplar a complexidade dos fenômenos sociais.

A segunda observação, que é muito cara às/aos marxistas que buscam garantir o rigor conceitual e metodológico, a partir de Marx, é a crítica lançada por fontes de todo tipo aos estudos marxistas, de que estes recaem no economicismo. Bem, há duas frentes de ataque já historicamente conhecidas e consagradas. A primeira que com pertinência pode ser feita em relação ao chamado marxismo vulgar, que usualmente apresenta uma análise materialista mecanicista, do tipo determinista causal direto. Inclusive é uma crítica endereçada ao marxismo pelo pensamento conservador4, e não só este obviamente, no intuito de desqualificá-lo, reduzindo-o ao que ele busca fugir. Há outra, que se baseia muito mais no desconhecimento de que economicismo é uma crítica realizada pelo próprio pensamento marxista e crítico em geral ao pensamento neoclássico, liberal, utilitarista, cuja referência básica é o pensamento dos economistas políticos burgueses do final do século XVIII e início do XIX, sem, contudo, apresentar a mesma sofisticação encontrada por Marx. E assim, voltamos a estes. Muito possivelmente para nos lembrar que o que propomos quando afirmamos trabalhar a partir da (crítica) da economia política é envidar todos os esforços para apreender a realidade, despi-la de toda névoa ideológica (inclusive no âmbito da ciência) e transformá-la na direção de uma outra sociedade, onde as opressões de toda ordem sejam superadas.

Notas

1 Professora do Departamento de Economia e dos Programas de Pós-Graduação em Economia (Mestrado Profissional) e em Comunicação da UFS. Doutora em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Vice-líder do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS e recém-eleita Vice-presidente da ULEPICC-Brasil.

2 Em nível internacional, vide WASCO (2005).

3 No caso brasileiro, ampliado para a América Latina, vide AZEVEDO, SANTOS & MOTA (2016).

4 Um exemplo que expõe o ataque frontal do conservadorismo ao marxismo: https://www.integralismo.org.br/doutrina/o-economicismo-e-o-marxismo-difuso/. Acesso em 22/11/2020.

Referências:

AZEVEDO, Júlio; SANTOS, Anderson & MOTA, Joanne. (2016). “O avanço conceitual do subcampo da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura a partir da Revista EPTIC”. In.: Revista Comunicação Midiática. Vol. 11, n. 1, pp. 194-208. Disponível em: https://www2.faac.unesp.br/comunicacaomidiatica/index.php/CM/article/view/113.

LEFEBVRE, Henri. (1975). Lógica Formal e Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

LENINI, Vladimir. As Três Fontes e as Três partes Constitutivas do Marxismo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/03/tresfont.htm.

MARX, Karl. (1996). O Capital. Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural.

_____. Contribuição para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Edições Mandacaru.

SMITH, Adam. (1996). A Riqueza das Nações. Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural.

WASCO, Janet. (2005). “Studying the political economy of media and information”. In.: Comunicação e Sociedade. Vol. 7, pp. 25-48. Disponível em: https://revistacomsoc.pt/index.php/revistacomsoc/article/view/1345/1327.

Mídia no Brasil: legislação permissiva e ineficaz

Por Daniel Fonseca* (O Povo)

O Brasil tem uma frágil legislação sobre a propriedade da mídia, o que é agravado pela falta de transparência e de controle social, o que torna quase letra morta o marco regulatório da radiodifusão, do jornalismo impresso e da Internet (portais). Esses temas são o foco da pesquisa de Monitoramento de Propriedade da Mídia (quemcontrolaamidia.org.br).

Algumas das maiores demandas, hoje, são a atualização de normas, o controle de informações e a fiscalização do cumprimento das leis. Essas lacunas comprometem a responsabilização e a penalização no caso de desobediência às exigências previstas em relação à propriedade, à garantia da pluralidade e da diversidade e ao respeito aos direitos humanos.

A própria Constituição veda monopólio e oligopólio, mas não teve qualquer efeito prático nos últimos 30 anos. Ainda que exista um capítulo específico sobre Comunicação, grande parte não foi sequer regulamentada. Outra porção, mesmo tendo lei ordinária correspondente, não tem consequência efetiva.

O Decreto-Lei 236/1967 limita em 10 as outorgas para TV aberta no País, mas isso é ignorado em acordos privados de “afiliadas”. No rádio aberto, existem limites para cada modalidade, em geral também desrespeitados.

O Código de 1962 segue vigente como a legislação central da radiodifusão. As leis das Telecomunicações (1997) e da TV Paga (2011) não chegaram a alterar os alicerces em que atuam os maiores grupos de mídia.

Há, ainda, deficiência na aplicação das legislações sobre as verbas de propaganda estatais, os horários “gratuitos” por partidos políticos e mesmo o relevante setor das telecomunicações (telefonia, Internet e TV paga). Estas atividades também influenciam a propriedade das demais mídias.

Para completar, o Estado, como ente regulador, também tem sido incapaz em manter-se “equidistante” diante daqueles agentes que deveria fiscalizar e sancionar. Cerca de 40 congressistas são radiodifusores, mantendo a contaminação de interesses que caracteriza o chamado coronelismo eletrônico.

Por isso, é sintomático, mas nada surpreendente, que venham do “mercado” (externo) as maiores ameaças às empresas nacionais: gigantes como Google, Facebook, Amazon e AT&T têm feito até a Globo se mexer. 

Talvez tenha chegado o momento de a estrutura das comunicações mudar no Brasil, mas o cenário que se aponta pode ser ainda pior do que o atual.

Doutor em Comunicação (UFRJ), é jornalista e funcionário da UFC

A Globo não é boba. Mas continua racista…

Por Paulo Victor Melo* (Revista Fórum)

Há muito, a Rede Globo está atenta às críticas que vêm recebendo da sociedade. São tanto críticas organizadas por movimentos sociais quanto manifestações mais dispersas, por pequenos grupos, redes sociais, etc.

Junho de 2013, por exemplo, foi um momento importantíssimo para colocar a Globo – e o conjunto da mídia privado-comercial – em xeque. Quem não se lembra de milhares de pessoas, especialmente jovens, nas portas das sedes locais da emissora gritando: “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”?

Em sintonia com esse grito, uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, em agosto de 2013 (no calor das manifestações), apontou o seguinte: 43% dos entrevistados afirmaram não se reconhecer na TV e 25% se veem retratados negativamente. Ou seja, 68% não está satisfeita como é (ou como não é) representada pela mídia privado-comercial brasileira.

A mesma pesquisa apresentou também os seguintes números: 54% dos entrevistados acreditam que conteúdos de violência ou humilhação de homossexuais ou negros, por exemplo, não deveriam ter espaço na TV brasileira. 50% também não admitem programas de “humor” que ridicularizam grupos socialmente vulneráveis.

Frente a esses dados, a uma perceptível ampliação da crítica às suas estratégias de manipulação e a uma queda de audiência, a Globo também não se comporta como boba.

É por isso que recentemente a emissora lançou a peça institucional ‘100 milhões de uns’, em que explicitamente busca dialogar com grupos que reivindicam a diversidade e com os que a criticam. Na peça institucional, a Globo chega a afirmar: “Uns gostam da gente. Uns dizem que não”.

É também por esses motivos que a Globo afastou (até que as coisas sejam ‘esclarecidas’, como está na nota divulgada pela emissora) William Waack, após divulgação de seus comentários racistas em um estúdio da TV. Algo que poucos estão atentando sobre o episódio: os comentários de Waack foram em 2016, quando entraria ao ar para cobrir a eleição de seu amigo Trump. Ou seja, a Globo, que provavelmente já tinha ciência do comentário, nada fez até que o vídeo – um ano depois – chegasse ao grande público.

Na mesma nota em que anuncia o afastamento de Waack, a Globo diz que é “visceralmente contra o racismo em todas as suas formas e manifestações…”

Então, se boba a Globo não é, mesmo com o afastamento de Waack e apesar da afirmação acima, racista ela continua sendo…

Vejamos.

1. Racismo não é somente quando alguém, utilizando uma concessão pública, faz comentário como o de William Waack.

2. Na TV, racismo se expressa também a) na sub-representação do segmento populacional negro; b) na forma como mulheres negras são apresentadas ou retratadas; c) na oposição a políticas públicas afirmativas; d) no silenciamento de demandas e movimentos sociais que pautam a questão racial; e) no reforço de estereótipos por meio de conteúdos da programação.

3. Sobre a sub-representação, basta vermos o espaço ocupado para homens e mulheres negros/as nos telejornais da Globo.

4. Na forma como as mulheres negras são retratadas, não vale questionar o que simboliza a Globeleza, em geral mulher negra jovem, seminua, como estratégia de divulgação de um carnaval a ser comercializado? Sobre esse tema, recomendo o texto da Jarid Arraes: https://www.revistaforum.com.br/2015/01/15/racismo-gente-ve-na-globo/

5. Também sobre as mulheres negras, quem não lembra o nome da novela em que Thais Araújo era protagonista? Da Cor do Pecado! Por que a cor do ‘pecado’ (como algo proibido, ruim) é a pele preta, Rede Globo?

6. Na oposição a políticas afirmativas, a Globo esquece que Ali Kamel, um dos chefões da emissora, escreveu um livro em que se coloca contrário às cotas raciais?

7. No silenciamento de lutas sociais, por que a Globo ignorou tanto as violências do Estado contra Rafael Braga, negro, jovem e pobre? Ou por que a Globo não deu tanta repercussão ao caso de Amarildo?

8. Ainda sobre o silenciamento, como não questionar o pouco espaço dado pela Globo às denúncias contra as manifestações de intolerância contra as religiões de matriz afro?

9. No reforço de estereótipos, não já cansamos dos mesmos papéis ocupados pelos negros e negras nas telenovelas? Também não é repetitivo o ideal de beleza branca que a Globo constrói, por exemplo, por meio de seus programas?

Por tudo isso e por tanto mais, não temos dúvida: a Globo, assim como o conjunto da mídia privado-comercial brasileira, é racista. E é também machista e LGBTfóbica.

O afastamento de Waack, apesar de ser uma medida importante, não pode virar uma cortina de fumaça.

Esse cenário só será alterado quando tivermos uma legislação de comunicação que promova real diversidade e pluralismo, que garanta participação social na fiscalização das emissoras e que coíba manifestações de desrespeito, intolerância e ódio contra os segmentos vulnerabilizados da população.

*Paulo Victor Melo, jornalista. Mestre em Comunicação e Sociedade pela UFS. Doutorando em Comunicação e Política na UFBA. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Obscom-Cepos (Comunicação, Economia Política e Sociedade) e do Centro de Comunicação, Cidadania e Democracia da UFBA.

A Globo não sufocará, mais uma vez, a realização de eleições diretas

Por Helena Martins* (publicado originalmente no site da Insurgência)

Valendo-se do poder de quem participou ativamente da arquitetura do golpe que levou Michel Temer à Presidência da República, o Grupo Globo entrou em campanha e cobra publicamente a saída de Temer do cargo. A efetivação de eleições indiretas está sendo apresentada em diversas reportagens como “solução” para a crise política e foi abertamente defendida por meio de editorial do jornal O Globo desta sexta-feira, 19.

A mudança é apresentada como forma de garantir as condições políticas para que sejam efetivadas as reformas que atentam contra direitos essenciais da classe trabalhadora brasileira. O texto não poderia ser mais nítido: “Este jornal apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer. Acreditou e acredita que, mais do que dele, o projeto é dos brasileiros, porque somente ele fará o Brasil encontrar o caminho do crescimento, fundamental para o bem-estar de todos os brasileiros. […] Nenhum cidadão, cônscio das obrigações da cidadania, pode deixar de reconhecer que o presidente perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para continuar governando o Brasil. […] Quanto mais rapidamente esse novo governo estiver instalado, de acordo com o que determina a Constituição, tanto melhor”. (https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial-renuncia-do-presidente-21365443#ixzz4hZlC1REc)

A postura é semelhante àquela adotada há mais de trinta anos, quando a mesma Globo boicotou a campanha “Diretas já”. À época, a emissora evitou cobrir as mobilizações que vinham ocorrendo em todo o País em defesa de eleições diretas. A própria empresa reconhece a postura política então adotada: “A Globo registrou esses comícios pelas Diretas nos seus telejornais locais. Naquele primeiro momento, as manifestações não entraram nos noticiários de rede por decisão de Roberto Marinho. O presidente das Organizações Globo temia que uma ampla cobertura da televisão pudesse se tornar um fator de inquietação nacional”, diz o texto disponível no portal Memória Globo (http://memoriaglobo.globo.com/erros/diretas-ja.htm). Como os que viveram aquele período devem lembrar bem, o Jornal Nacional chegou ao ponto de noticiar o grande comício de 25 de janeiro de 1984 como se fosse uma comemoração do aniversário de São Paulo. O resultado nós conhecemos: a eleição indireta de Tancredo Neves, continuidade da saída controlada e conservadora da Ditadura Miliar.

Recentemente, em especial que marcou a passagem dos 50 anos de jornalismo da emissora, o caso foi tratado na TV pela primeira vez “como um erro”. “Essa reportagem provocou muita polêmica ao longo de muitos anos porque, embora ela falasse do comício das Diretas, o texto que introduzia a reportagem, lido pelo apresentador na época, não falava em comício pelas Diretas”, disse William Bonner no programa. O jornalista acrescentou: “Isso aí foi visto durante muitos anos como uma tentativa da Globo de esconder as Diretas e, obviamente, depois de muitos anos também, foi reconhecido como um erro”. “Obviamente” a empresa tentou simplificar o caso e seus impactos para a democracia brasileira. O uso da expressão “foi visto” e a abordagem rápida do problema no especial ilustram isso.

Mais uma vez, o principal conglomerado midiático brasileiro atua para definir os rumos do País por cima, por meio de conchavos entre os integrantes da elite econômico-política. Não se trata de um apego às regras constitucionais, aliás tão desconsideradas pela própria Globo em relação ao que a Carta Magna estabelece sobre a organização do sistema de comunicação, ao próprio impeachment e às reformas que têm sido efetivadas, a exemplo da inconstitucional PEC 241/55, que fixou teto para gastos públicos em áreas essenciais e que foi ardorosamente defendida pela mídia. Trata-se de excluir a população das decisões e negar a ela o legítimo direito de exercer a sua soberania.

Agora, é a vez de fazermos justiça com o passado e garantirmos a saída de Temer e mudanças imediatas no carcomido sistema político, por meio de eleições diretas para presidente, deputados e senadores. Esse é um passo fundamental para a revogação das medidas aprovadas contra a vontade da imensa parte da população, como atestam todas as pesquisas realizadas no último período. Para isso, é preciso manter a ocupação das ruas e garantir, por meio do trabalho de base e da comunicação contra-hegemônica, que a população saiba que outros caminhos podem ser seguidos.

É tempo de insurgência!

* Helena Martins é jornalista, Jornalista, doutoranda em Comunicação Social, integrante do Intervozes e militante da Insurgência.

Ponderações sobre a transmissão de futebol na Internet

Por Anderson David Gomes dos Santos*

Atlético-PR e Coritiba estão fazendo a final do Campeonato Paranaense, mas sem transmissão em TV aberta, apenas pelos canais dos clubes no Facebook e no Youtube. Houve, para os jogos da primeira fase (veja o que escrevi sobre na Caros Amigos), muito texto que deu ode ao processo como indicativo de fim do “monopólio da Globo” sobre os eventos de futebol. Mas que “novo” modelo é esse?

Constituídos há 30 anos sob uma base que se estreitou para a dependência financeira, os direitos de transmissão dos clubes em torneios de futebol deveriam ser vendidos de acordo com a maior valorização de seu produto, podendo ser para um ou mais agentes, desde que com a garantia de visibilidade à marca do time e às que ele expõe. Nesses termos, diferentes decisões em favor da concorrência vêm se dando desde os anos 1990, quando se acirra a disputa pelo produto futebol televisionado no mundo, que partem da perspectiva de que ainda que o produto seja o campeonato como um todo, quanto mais e melhor receberem todos os clubes, melhor a competitividade nas partidas e mais emoção a ser “vendida” ao torcedor, que também é o telespectador, mercadoria audiência a ser negociada aos anunciantes pelos grupos midiáticos ou que adquire o produto diretamente se considerado o pay-per-view.

Assim, antes de qualquer discussão sobre o “fim do monopólio” global ou de endeusamento das ferramentas (privadas) de Internet, entender que as ferramentas digitais podem ser mais um nicho a ser explorado, e não apenas vender num pacote global é a principal mudança que a decisão da dupla Atletiba representa. Vale citar que do Termo de Cessação de Conduta sobre a venda de direitos de transmissão de eventos de futebol no Brasil, de 2010, o Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE) deixou claro que os clubes têm autonomia de vender seus direitos de imagem de forma isolada e não em associação/federação, se assim o quiserem, desde que os contratos sejam separados por meio de comunicação. Então nada impede que deixem a internet para acordos mais promissores – inclusive, os acordos de alguns clubes na TV fechada com o Esporte Interativo, a partir de 2019, não devem impedir que a Rede Globo fique com os direitos na transmissão gratuita. Trata-se, portanto, de algo que beneficia os clubes enquanto agentes de mercado em competição, não necessariamente no que se refere ao processo de democratização da comunicação. Perceba-se que em nenhum momento os presidentes dos clubes usam a palavra “acesso” ao conteúdo como motivo.

No caso paranaense, se o Grupo Globo oferecesse o valor pretendido só aos dois times – e não ao Paraná, que se beneficiou por ter sido o único grande paranaense com acordo com a RPCTV, tendo mais jogos transmitidos em TV aberta –, não haveria qualquer preocupação em enfrentá-lo. Isso ocorreu por ter sido um dos poucos estaduais desvalorizado por afiliada da Globo e pelas mudanças, graças ao SporTV, da divisão de cotas para a Primeira Liga, que fez os times paranaenses saírem do torneio no início do ano ao reproduzirem o modelo do Campeonato Brasileiro, beneficiando especialmente o Flamengo.  Ainda que neste caso ambos tenham assinado acordo em TV fechada para o Campeonato Brasileiro a partir de 2019 com os canais Esporte Interativo/Turner – que emprestaram uma equipe de narração para as finais do Paranaense -, o objetivo é financeiro e de maior número de jogos transmitidos.

Há ainda outra ponderação necessária. Os clubes podem usar esse filão para vender seus jogos a partir de outras temporadas, modelo que já existe na internet, tanto por serviços próprios quanto pelos canais no Youtube – que lançou este ano sua “versão Netflix” nos Estados Unidos, em parceria com importantes grupos de radiodifusão para retransmiti-los em tempo real. Podemos citar a Copa do Rei (Espanha) e a Copa América de 2015, que o Youtube exibia desde que se comprasse os jogos e/ou torneios completos para se ver por streaming – no caso da segunda, a opção era bloqueada para o Brasil, dado que o Grupo Globo compra o pacote todo de direitos, incluindo a internet. Vale lembrar ainda que o modelo de transmissão no Facebook, primeira transmissão de futebol nesta mídia no mundo, foi um dos pilares de base para o Esporte Interativo criar seu serviço de streaming, o EI Plus.

Como o supracitado caso do Esporte Interativo aponta, transmitir na internet não é inédito no Brasil. O próprio E+I vem disponibilizando no Youtube só o áudio de jogos de quem assinou contrato com ele como uma forma de propaganda – vide Santos 1X2 Palmeiras no Paulistão deste ano e do clássico Bavi do Nordestão, que ocorreu no último domingo. Algumas TVs de federações reproduzem os jogos não exibidos na TV aberta dos Estaduais nestes canais, casos da Federação Alagoana de Futebol, desde o ano passado – que também exibiu no final de semana o primeiro jogo da final do Alagoano, mesmo com transmissão da afiliada da Globo, com quase 20 mil visualizações –, e da Federação Paulista de Futebol, na Copinha e das divisões inferiores. Além de ocorrerem transmissões de partidas de base e de jogos-treino nos canais de Youtube de clubes como Palmeiras e São Paulo. Nestes casos, trata-se de mais um elemento de divulgação, para além de placas publicitárias e camisas (incluindo a da arbitragem para os Estaduais), para se arranjar patrocinadores ao torneio e para expor a marca nos clubes.

O último Atletiba teve ainda mais audiência que o primeiro. Os canais de Facebook de Atlético e Coritiba tiveram, respectivamente, 612 mil e 444 mil visualizações; enquanto no Facebook o número foi de 310 mil e 239,5 mil, o que representa um total de mais de 1,5 milhão de visualizações, com amplitude de divulgação para além do Paraná. Além disso, representa politicamente uma tentativa de ser protagonista também frente à Federação Paranaense, um dos grandes problemas persistentes dos clubes de futebol no Brasil. Ambos tentam lucrar (incluindo aí as placas em torno do gramado) mais do que os supostos R$ 2 milhões que seriam pagos pelos direitos de transmissão do torneio por inteiro apenas com os dois jogos das finais.

De toda forma, sempre é importante ressaltar que são os direitos de transmissão de eventos esportivos que vêm propiciando ampla discussão sobre a estrutura do mercado comunicacional brasileiro, especialmente nos últimos 10 anos. Cada caso que aparece expõe para um público ainda maior as deficiências de devida regulação neste setor econômico e o quanto isto pode prejudicar um conjunto maior de pessoas, incluindo aí a própria expansão da mercantilização sobre o futebol. Cabe aos clubes entenderem seu protagonismo neste processo. Atlético e Coritiba estão dando passos quanto a isso.

* Anderson David Gomes dos Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), jornalista graduado em Comunicação Social pela UFAL e mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, membro do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS.

Os serviços de streaming no mercado de música digital

*Por Flávio Marcílio Maia

Apple Music, Spotify e Deezer são alguns exemplos de serviços de streaming que se inserem na cadeia produtiva de economia da música como uma tendência de distribuição e consumo musical numa sociedade cada vez mais digitalizada. Estes serviços se destacam pela praticidade e por cobrarem uma assinatura com valor baixo oferecendo em troca uma quantidade significativa de músicas aos seus assinantes. Para o consumidor assíduo de música estas plataformas são uma ótima experiência. Para os músicos a realidade é um pouco diferente, pois o rendimento por estes serviços é muito variável (ganha mais quem é mais ouvido).

Nestas plataformas as grandes gravadoras (conhecidas como majors) mantém um papel ainda relevante ao fornecerem músicas de artistas, tendo assim um importante papel no mercado da música digital. A popularidade dos serviços digitais de música e outros como a Netflix e jogos eletrônicos ganharam tanta relevância que chamaram a atenção do Estado que começou a cobrar impostos.

É cada vez menos frequente o download de música e mesmo com a imensidão do ciberespeço oferecendo oportunidades para produtores e artistas independentes, parece ser pelos serviços de streaming o caminho para o futuro da música.

No Brasil o streaming de música vem crescendo satisfatoriamente. De acordo com dados do último relatório da Pró Música (antiga Associação Brasileira de Produtores de Discos – ABPD) a distribuição de música em formatos digitais respondeu por mais de 70% do total das receitas, considerando-se os mercados físico e digital combinados. Este fato aponta para uma reestruturação do mercado de música digital, na qual alguns serviços de streaming se destacam formando um oligopólio.

Ao contrário das grandes produtoras de cinema americanas, a formação do oligopólio dos serviços de música por streaming é marcada por uma concorrência nítida na qual cada serviço tenta criar um melhor vínculo com seu consumidor. Todos os serviços são parecidos, a diferença está na quantidade de músicas disponíveis e na praticidade. Alguns deles já vem instalados nos celulares, outros entram em parcerias com empresas de segmentos diversos na forma de ganhar mais publicidade como foi o caso do Deezer com a empresa de telecomunicações TIM e recentemente o Spotify com a rede de fast food brasileira Giraffas.

A principal rivalidade está entre o Apple Music e o Spotify. O primeiro, apesar de ser mais recente, possui grande poder monetário e consegue se destacar melhor que o Spotify, que sofre por ser independente e ainda não conseguir lucrar.

No meio digital a lógica de produção e acumulação capitalista permanecem a mesma e são impulsionadas e transformadas pela internet que criou novas formas de circulação de dinheiro. Os serviços de streaming de música vem se consolidando como um importante negócio que mantém a mesma estratégia de distribuição simbólica no meio digital gerando níveis de audiência consideráveis e atraindo a atenção de empresas de publicidade e empresários da música. Tal fato se fortalece com as compras e vendas destes serviços e das parcerias feitas com empresas também de abrangência global.

* Flávio Marcílio Maia é jornalista e mestrando do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe PPGCOM-UFS, com pesquisa voltada ao streaming de música.

Pós-Verdade e a Economia Política das Notícias Falsas

*Por Carlos Figueiredo

O termo pós-verdade (post-truth) foi considerado a palavra do ano de 2017 pelo dicionário Oxford. A prevalência de boatos e notícias falsas nas redes sociais, mostrando toda sua capacidade de influenciar as eleições estadunidenses e o plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia, fez com que a palavra ganhasse relevância no debate público. Os meios de comunicação tradicionais parecem impotentes diante de uma indústria especializada em fabricar boatos. Aquilo que é publicado por sites especializados em mentir parece ter um apelo tão forte perante seu público, que paradoxalmente se considera informado e livre das amarras da grande mídia, a ponto de questionarmos o próprio poder atual da imprensa e seu impacto no debate público.

Embora o termo pós-verdade remonte a pelo menos 1992, quando foi usado pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, ele passa a ser empregado com maior constância a partir da década de 2000, quando é publicado o livro The post-truth era: Dishonesty and deception in contemporary life, de autoria de Ralph Keyes, mais precisamente no ano de 2004. Na era da pós-verdade, de acordo com o autor, os limites entre verdade e mentiras são tênues, a ponto de termos dificuldades de diferenciar honestidade e desonestidade, ficção e não-ficção. Para Keyes, iludir os outros teria tornado-se um desafio, um jogo e ultimamente um hábito. Essa tendência teria surgido, segundo o autor, devido à tendência pós-moderna de relativizar a verdade entre outros desdobramentos. Entretanto, entender o significado de determinado termo da moda mostra-nos apenas a aparência do fenômeno, revelando muito pouco sobre sua essência.

A força das notícias falsas, do nosso ponto de vista, pode ser elucidada a partir das contribuições de duas disciplinas: a Psicologia Social e a Economia Política, mais especificamente a Economia Política da Comunicação (EPC). A Psicologia Social ajuda-nos a entender o poder emocional exercido por boatos no debate público enquanto a Economia Política da Comunicação apresenta-se como ferramenta para entendermos a razão pela qual as redes sociais tornam o ofício de espalhar boatos tão lucrativo. Para entendermos a atratividade dos boatos, portanto, é necessário trazer para o debate um termo tão presente no nosso cotidiano quanto ignorado academicamente: os boatos.

Os boatos são encarados como parte da instância da irracionalidade, mas para Nicholas Difonzo “os boatos são uma atividade de racionalização compartilhada”,e florescem onde há interação, como no caso das Redes Sociais. Acreditar em pessoas próximas, sentimentalmente ou ideologicamente, renova laços sociais, fortalece convicções preexistentes e dificilmente resulta em um desastre óbvio para quem crê, ainda que sua convicção esteja absolutamente equivocada. Boatos são, essencialmente atos de comunicação, ou seja, são tópicos de conversação considerados importantes que circulam entre as pessoas, sendo grande a probabilidade de tratarem de temas considerados cruciais, urgentes e imperativos. Além disso, o surgimento de tais rumores se dá em situações ambíguas, que representam uma ameaça real ou potencial, oferecendo um caminho para que os indivíduos racionalizem e encontrem sentido em situações confusas. Por último, mas não menos importante, os boatos são informações não verificadas. Em um momento de mudanças sociais extremas e disruptivas, são muito os temores dos indivíduos, e inimigos e preconceitos são criados para dar conta dos desafios. Os boatos e a propaganda possuem essa capacidade, embora não se confundam conceitualmente, ambos possuem o poder de oferecer explicações fáceis para um mundo confuso, e podem caminhar de mãos dadas.

A força dos boatos está no fato de que a existência de um motivo para nossos atos é reconfortante, e os rumores oferecem-nos uma explicação pronta, auxiliando os indivíduos a neutralizarem ameaças psicológicas à sua autoimagem, incluindo ideias de cunho moral, político ou religioso defendidas por esses indivíduos. De acordo com Difonzo, “talvez a principal razão pela qual as pessoas acreditam em boatos seja porque eles estão em consonância com os sentimentos, ideias, atitudes, estereótipos, preconceitos, opiniões ou conduta dos ouvintes”. Os boatos passam a servir, então, como a legitimação cognitiva para o preconceito contra grupos políticos rivais, justificando assim a adoção de determinadas tendências políticas. A grande imprensa, apesar de sua função de construir hegemonia, por possuir profissionais cuja função é averiguar e checar fatos; sempre serviu de antídoto para fazer com que determinados boatos fossem desacreditados, mas algo parece ter mudado nos últimos anos.

As tecnologias da informação e comunicação (TIC) têm sido o grande motor da reestruturação do sistema capitalista iniciado na década de 70, resultando no fim do regime de acumulação fordista, e da destruição criativa do sistema, apresentando um forte caráter disruptivo em relação às antigas tecnologias. A Indústria Cultural, em seus diferentes setores e lógicas correspondentes, vêm sofrendo o impacto das TIC desde a década passada com o declínio da circulação de jornais e revistas e, mais recentemente, com a adoção das segundas telas, levando a um declínio da atenção por parte dos espectadores. Ou seja, a mercadoria audiência, nada mais que a atenção dos receptores vendida pelos grandes meios de comunicação aos anunciantes, vem sofrendo um processo brutal de desvalorização nos meios de comunicação tradicionais.

Esse processo tem relação com a procura por rentabilidade para a internet, que foi a grande causa para o estouro da bolha da bolsa Nasdaq em 2000. Havia uma grande euforia nos mercados, em fins da década de 1990, devido à promessa de alta rentabilidade das empresas digitais, levando à abertura indiscriminada de empresas de tecnologia e à correspondente especulação. Entretanto, não existia lucratividade real que justificasse os altos investimentos naquele setor a não ser a busca por lucros exorbitantes por parte dos capitais especulativos. No campo das Indústrias Culturais, a saída para o impasse da economia digital seria, então, a venda de anúncios. Entretanto, a venda de anúncios nas indústrias culturais apresentava a vantagem de fazer parte de uma programação ancorada nos hábitos cotidianos dos receptores, principalmente no rádio e na televisão, enquanto na Internet a venda de anúncios tinha um caráter disruptivo na experiência do usuário, que de repente era confrontado com popups que surgiam em profusão quando os indivíduos ingressavam em determinados sítios da Internet.

Apesar de o modelo de venda de anúncios ter tido origem nos meios de comunicação tradicionais, a saída técnica para o impasse da venda de anúncios e, por conseguinte, da rentabilidade não veio das grandes empresas de comunicação, mas de empresas cujos produtos são sites redes sociais e/ou mecanismos de buscas como Facebook e Google. Combinando o uso de cookies e algoritmos, essas empresas conseguiram oferecer aos usuários uma experiência personalizada no que tange tanto ao conteúdo quando à publicidade. Essa transformação pode ser encarada como uma derrota para as grandes empresas de comunicação que, na Internet, deixam de ser os grandes alvos da indústria dos anúncios publicitários. A solução encontrada pelas gigantes da internet fez com que o antigo modelo de programação da radiodifusão, feito a partir de pesquisas de audiência, que apesar de desenvolvidas a partir de métodos das Ciências Sociais tinham grandes grupos demográficos como alvo, fosse substituído por algoritmos que possuem como objetivo o indivíduo. Para montar essa “programação” individualizada, portanto, os grandes sites de redes sociais rastreiam cada interação feita pelos indivíduos com amigos, e-commerce, sites de notícias etc.

A partir daí, entramos na consequência desses desenvolvimentos para o debate político. Os cookies e algoritmos usados pelos sites de redes sociais formam o que Eli Parisier denomina de bolha dos filtros. Os algoritmos determinam quais notícias, amigos e anúncios publicitários mais aparecem em nossa linha do tempo a partir de nossas interações anteriores. Como há uma tendência de procurarmos justificativas para nossas ideias nos campos político, religioso e moral; os algoritmos acabam criando bolhas nas quais somos super expostos às nossas preferências prévias. A interação com pessoas e conteúdos com ideias afins, tendem a reforçar essas ideias em um círculo vicioso, tornando a internet um ambiente propício para o surgimento de boatos, que se difundem em grande velocidade por redes de indivíduos que partilham das mesmas ideologias.

Outra grande questão é que a internet derruba drasticamente as barreiras de entrada para empresas de produção de conteúdo. Dessa forma, qualquer adolescente pode construir um site com um layout próximo ao utilizado por grandes empresas de comunicação, e ainda imitar o formato do gênero notícia. Como o conteúdo e a publicidade são personalizados pelos algoritmos, os sites de notícias falsas, muitas vezes, recebem o seu quinhão da indústria da publicidade sem precisarem apurar, uma vez que não há fatos a serem checados, e usando pequenas estruturas, o que torna a operação barata. Essas indústrias não são apenas uma ameaça à credibilidade das empresas de jornalismo, mas também à sua rentabilidade, pois podem começar a ameaçar a parte dessa indústria no bolo da publicidade, menor a cada dia que passa.

Além da publicidade, a Indústria Cultural produz também propaganda. As notícias falsas podem ser encaradas como uma nova forma de propaganda, que ganha contornos mais sofisticados com os algoritmos e a emulação de práticas do jornalismo. Um indício dessa hipótese pode ser encontrada na indústria de boatos e notícias no Brasil, que remonta pelo menos 2011 ou 2012. A partir dali, surgiam boatos de que Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, seria dono da Friboi, ou que o próprio presidente Lula usaria um jatinho de propriedade de seu filho. Notícias comprovadamente falsas, mas amplamente difundidas nas redes sociais, e que não receberam qualquer esforço da grande imprensa para que fossem desmascaradas. Na campanha presidencial de 2014, notícias e perfis falsos para propaganda foram utilizados pelos principais partidos em disputa. A disputa ideológica pelo impeachment e os debates em seu entorno seguem o mesmo padrão. A tendência torna-se fonte de preocupação da imprensa nacional apenas a partir de 2016, após a concretização do impeachment, talvez porque o trabalho sujo já tivesse sido realizado, e a indústria de notícias tenha se tornado um incômodo, minando a credibilidade da grande imprensa e concorrendo pela atenção e, consequentemente, pelas verbas publicitárias.

*Carlos Figueiredo é Jornalista, pesquisador de Pós-Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (PPGCOM/UFS), Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa OBCOM/CEPOS da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

 

Comunicação, Desenvolvimento e hegemonia estadunidense na bacia hidrográfica do rio São Francisco

Por Bruno Santos*

No final da década de 1940, após o término da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética passaram a disputar mundialmente a hegemonia militar, política, econômica e cultural. Com a sociedade industrial global, a Indústria Cultural passa a ter papel estratégico nesse processo.

Nesse cenário, como parte desta disputa hegemônica, os EUA lançam o que seria conhecido como Ponto IV, um programa de auxílio ao desenvolvimento dos chamados países “subdesenvolvidos”, que incluía os países da América Latina. Inicialmente influenciada pelas teorias keynesianas, a execução do programa, ao longo das décadas, amplia as propostas das teorias estadunidenses da Comunicação para o Desenvolvimento.

O Programa Ponto IV integrava o projeto dos EUA de expansão mundial de sua hegemonia, que teve início com o sucesso do modelo da Tennessee Valley Authority (TVA) e sua disseminação, especialmente na América Latina, representando uma primeira etapa da expansão do paradigma da Modernização, ainda numa versão conhecida como “hidráulica”.

Naquela primeira etapa, fomentou-se na América Latina a criação de instituições governamentais para atuarem em políticas de Desenvolvimento Regional, entre elas a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Os estudos sobre a formação da Codevasf na perspectiva das teorias da Comunicação para o Desenvolvimento parte da criação e disseminação do modelo da TVA, que está fundamentado nas teorias de John Maynard Keynes sobre a necessidade de intervenção do Estado na economia e o incremento dos investimentos públicos para o equilíbrio do sistema capitalista. Para nós, uma primeira fase do Paradigma da Modernização.

A análise sobre a formação da Codevasf utiliza as teses de William Rostow sobre o desenvolvimento econômico para identificar a origem mais influente desse debate para, em seguida, reconstruir a contribuição dos estudos das teorias norte-americanas de Comunicação para o Desenvolvimento a partir de nomes como Daniel Lerner, Everett Rogers e Wilbur Schramm. Representantes do paradigma da Modernização, essas teorias defendiam que os países subdesenvolvidos deveriam passar do estágio tradicional em que se encontravam para o estágio moderno relacionado à noção de progresso bastante presente em seus fundamentos. Mais ainda, essa intervenção deveria ser realizada pelo Estado nacional e teria como principal instrumento a comunicação de massa, seja a partir dos meios ou de políticas de comunicação criadoras de uma ambiente estimulante ao progresso e à modernização

A investigação sobre essa hegemonia estadunidense na bacia hidrográfica do rio São Francisco ainda está em curso, mas já temos elementos que nos permitem desenhar na teoria o que foi construído na realidade concreta. Assim, o estudo sobre a formação histórica da Codevasf, desde sua criação como Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), passando pela formatação como Superintendência do Vale do São Francisco, até sua configuração atual, tem nos mostrado que o modelo assumido por essa instituição governamental nesse percurso esteve intimamente relacionado com as estratégias de expansão do capitalismo, sob hegemonia dos EUA, em um cenário em que a lógica capitalista avança para o campo da cultura com a expansão das indústrias culturais.

A interpretação que fazemos é que, no âmbito das teorias da Comunicação para o Desenvolvimento, o que está contido são fundamentos teóricos e empíricos para utilização da comunicação de massa no projeto de expansão da civilização industrial, resultando na ampliação de mercados e na consolidação da hegemonia estadunidense sobre a América Latina.

Em 2012, um contrato de firmado entre a Codevasf e o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos (Usace) para assistência técnica em projetos de hidrovias no rio São Francisco levantou questionamentos da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados do Brasil quanto à ameaças à soberania nacional. O contrato também foi objeto de Moção de Protesto do Colégio de Presidentes do Sistema Confea/Crea e Mútua também em 2012. Esses fatos alimentam a tese que, passados quase 70 anos, a hegemonia militar, política, econômica e cultural continua bastante presente na bacia hidrográfica do rio São Francisco, agindo para reforçar nossa dependência cultural e, consequentemente, tecnológica e econômica.

Muito ainda temos a desvendar sobre a presença das teorias estadunidenses da Comunicação para o Desenvolvimento no Brasil e em outros países periféricos da América Latina, África e Ásia. Identificar essa presença, muitas vezes velada, certamente é um caminho para compreender as limitações dos processos de desenvolvimento no Brasil e nos demais países periféricos na economia global. Entender como foram construídas historicamente essas relações de Dependência Cultural entre Centro-Periferia, a partir de grandes contribuições de pensadores brasileiros como Celso Furtado, poderá apontar a melhor estratégia para construção da Autonomia Cultural dos povos periféricos rumo à emancipação humana nos termos de Marx.

* Bruno Santos é jornalista da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Especialista em Gestão e Controle Social de Políticas Públicas e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa OBCOM/CEPOS da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

ULEPICC-Brasil: os desafios atuais

Por César Bolaño*

Este artigo retoma a introdução da proposta de trabalho da chapa Retomada, que disputou as eleições para a direção da ULEPICC-Brasil (capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura), em novembro de 2016. Nos poucos meses que se seguiram à eleição muitas coisas aconteceram que – salvo a chegada ao poder de Donald Trump, tornando o ambiente internacional mais incerto – não mudaram em essência as tendências apontadas naquela ocasião, as quais reproduzo aqui nos próximos três parágrafos.

As graves mudanças políticas pelas quais o Brasil e outros países da América Latina estão passando neste momento devem ser entendidas no interior da longa crise estrutural do capitalismo iniciada nos anos 1970. Neste momento, as consequências da grande recessão de 2008-9 se fazem sentir e esvaem-se as ilusões neopopulistas que animaram boa parte da intelectualidade latino-americana nos últimos 15 anos. Uma direita renovada chega agora ao poder, prometendo aprofundar as políticas neoliberais e descarregar, como sempre, o peso das políticas de ajuste sobre os ombros da classe trabalhadora.

Os grandes meios de comunicação de massa estão no centro de todos esses processos, seja no que concerne a sua função de controle social, publicidade, propaganda, a serviço do Estado e do grande capital monopolista; seja pela sua própria organização como oligopólios concentrados, participantes de alianças globais que se redesenham e aprofundam com a implantação da economia da internet. Recentemente pudemos verificar, no Brasil, a posição tímida, quando não decididamente omissa, do campo acadêmico da Comunicação frente a um processo de ruptura institucional cujo objetivo foi precisamente facilitar o aprofundamento das referidas políticas neoliberais.

A elaboração teórica crítica na linha da EPC, respaldada pela sua organização acadêmica, é, assim, hoje mais do que nunca, essencial. A ULEPICC, desde a sua fundação, como entidade internacional, pautada pelos princípios da Carta de Buenos Aires, assumiu um compromisso com o pensamento crítico e os movimentos sociais, visando a democratização das comunicações, a autonomia cultural e a capacidade de resistência dos povos latino-americanos.

Nosso programa de trabalho – além das questões práticas, relacionadas à organização interna ou às relações institucionais com as diferentes entidades do campo da comunicação, eventos etc. – propunha, por um lado, uma aproximação aos movimentos sociais pela democratização da comunicação e aos diferentes movimentos sociais para os quais as políticas de comunicação e as ferramentas comunicacionais são de particular importância; e, por outro, mecanismos de internacionalização autônomos em relação à ULEPICC dita federal, com a qual propomos uma repactuação visando a democratização dos processos e ações (por exemplo, nos processos eleitorais e de mudança de estatutos, a atual diretoria abandonou a sistemática de consulta universal aos sócios, via digital, em favor de voto em assembleia, o que dificulta enormemente a participação).

Acima de tudo, é preciso garantir toda autonomia para que a ULEPICC-Brasil – cuja legitimidade no campo acadêmico da comunicação sempre decorreu somente de sua capacidade de liderança intelectual e moral, rejeitando todo tipo de hegemonia construída com base em posições assimétricas do tipo centro-periferia – possa realizar os desígnios da Carta de Buenos Aires e as tarefas que o momento exige.

A derrota dos governos neopopulistas da primeira década dos 2000 na América Latina e o avanço da direita neoliberal estão a exigir um reposicionamento e uma autocrítica profunda dos partidos e movimentos de esquerda, especialmente, no que nos interessa, em relação às políticas de comunicação até então adotadas. Por outro lado, os ventos na Europa e nos Estados Unidos sopram ainda mais para a direita, como evidencia a eleição estadunidense de 2016. Nessas condições, a esquerda institucional tem assumido o desconfortável papel de linha auxiliar de projetos neoliberais que se opõem à direita fascista ascendente, como ocorreu nas últimas eleições presidenciais no Peru. No Brasil, a situação é pior, pois os dois projetos de direita foram unificados, com um programa neoliberal na economia e profundamente retrógrado e antiliberal em matérias de ordem social e cultural.

Em que pesem certos momentos de desconforto, a grande mídia brasileira mostra-se perfeitamente satisfeita com essa solução, diferentemente do que ocorre com a sua coirmã estadunidense, impiedosamente desacatada por Donald Trump. O problema é que uma vez aberta a caixa de Pandora da ruptura institucional, que levou à implantação do atual programa de reformas neoliberais, é difícil prever o que o futuro nos reserva, ainda mais se considerarmos os impactos que a eleição estadunidense pode ter em termos de difusão do pensamento dito “conservador”. Nessas condições, o pior que a esquerda parlamentar pode fazer é alimentar a mesma ilusão que a levou, quando esteve no poder, a preservar a estrutura oligárquica do sistema brasileiro de comunicação.

Cabe ao pensamento crítico não simplesmente denunciar golpes e chorar sobre o leite derramado, mas oferecer instrumentos para a compreensão da realidade em toda sua complexidade. A história já nos mostrou recorrentes vezes que a mídia hegemônica não é aliada confiável. Nada conseguiremos em termos de democratização efetiva da comunicação no Brasil senão pela construção da autonomia cultural da classe trabalhadora, o que exige, neste momento, retomar o debate sobre a comunicação popular e alternativa na perspectiva da crítica da economia política da internet.

* César Bolãno é o atual presidente da ULEPICC-Brasil, líder do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (OBSCOM-Cepos) e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Um Brasil sem dados nem imagem, talvez sem voz

Por Marcos Dantas (Valor Econômico)

Em cerca de 1.270 municípios brasileiros, a taxa de penetração da telefonia fixa é igual ou inferior a 3 linhas para cada 100 habitantes: praticamente toda a região Norte, maior parte do Nordeste, parte de Goiás, Minas Gerais etc. Em cerca de 3 mil municípios, é inferior a 10%: restante do Norte e Nordeste, exceto suas capitais e algumas outras cidades; grande parte de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais; centenas de municípios da Região Sul. Em apenas 800 municípios, grande parte no Estado de São Paulo, a taxa é igual ou superior a 20%. Em menos de 50, incluindo apenas três capitais – São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba -, a taxa supera 45%.

Nas comunicações móveis, uma única operadora está presente, com tecnologia 4G, em cerca de mil municípios brasileiros. A segunda maior rede 4G cobre menos de 600 municípios. A terceira, pouco mais de 500. Mas a efetiva presença de uma rede móvel numa região qualquer é função da distribuição e densidade de suas estações rádio-base (ERBs): se o sinal é fraco ou simplesmente não existe é porque a rede de ERBs não suporta o tráfego.

O imenso Brasil é um vazio de ERBs: menos de 80 mil, quase 40% concentradas no Estado de São Paulo. Na grande maioria dos municípios, a cobertura não vai muito além do centro urbano. No entanto, por todo o Brasil, sempre haverá um posto de gasolina, um restaurante, alguma casa ou estabelecimento em qualquer vilarejo de beira de estrada, com linha telefônica, além dos “orelhões”. O STFC (telefone fixo) mesmo onde é baixíssima a taxa residencial e comercial de penetração, está presente em todo o território brasileiro. A comunicação móvel, 3G ou 4G, não.

Sistema serve razoavelmente bem os municípios mais ricos e serve muito mal ao restante do país

O cenário só piora se falamos de TV a cabo ou infraestrutura fixa de banda larga. A taxa de penetração da banda larga fixa é inferior a 3% no Norte e Nordeste, na metade de Minas Gerais e grande parte do Centro-Oeste e Sul. A taxa sobe para mais de 10% num limitado número de cerca de 340 municípios. Não é mera coincidência que nesses mesmos municípios esteja concentrado o grosso da oferta de TV a cabo, cuja infraestrutura também serve à banda larga: é que nesses municípios se concentra a renda brasileira, logo o efetivo mercado consumidor.

Hoje em dia, quase 20 anos depois da privatização da Telebrás, o nosso sistema de telecomunicações serve razoavelmente bem a um reduzido pedaço do território nacional que pode ser delimitado entre 300 a 600 municípios: os mais populosos e ricos. Serve muito mal ao restante do País. Esse restante corresponde justamente à área coberta pela Oi, ex-Telemar, que ora se encontra sob recuperação judicial. Pode ser, como muitos alegam, que parte dessa sua situação se deva a erros estratégicos e de gestão.

Mas a origem dos problemas é estrutural: simplesmente, os serviços de comunicações não são rentáveis na maior parte do Brasil por ela atendida. Embora sua infraestrutura de STFC chegue a praticamente todo o território nacional, a renda marginal da maior parte da população não cobre o custo marginal do serviço. Donde 45% da rede da Oi está ociosa. Para suprir essa carência serviria o Fust. Nunca empregado, acumula quase R$ 20 bilhões que poderiam ser investidos na universalização, agora, da banda larga.

Sabemos que o STFC não tem futuro e seu sucessor será a banda larga fixa e móvel. Se o conceito de “regime público” refere-se justo a serviços essenciais, estamos falando de uma infraestrutura que será essencial para a sociedade. Logo, precisará de metas de universalização, continuidade e modicidade tarifária, além dos recursos do Fust, para chegar inclusive onde o STFC não chegou. Ou seja, para o lugar do STFC, caberia pensar na modelagem de um serviço em regime público que tivesse por objetivo universalizar a infraestrutura de banda larga.

Mas, ao invés disso, a Anatel e o governo estão apoiando o projeto de lei PLC 79/2016 que visa extinguir o “regime público” e encerrar as concessões da Oi e da Vivo antes do tempo. Essas concessionárias seriam transformadas em autorizatárias que se comprometeriam a investir na expansão da infraestrutura de banda larga, Brasil a fora, o mesmo valor dos “bens reversíveis” que deveriam devolver à União ao final dos contratos, em 2025.

É estranho que esse projeto, conforme esclarece o presidente da Anatel, Juarez Quadros, em artigo neste Valor de 31/12/2015, confunda o valor de bens patrimoniais com valor de empresa, este sim eventualmente avaliável pelo método do fluxo de caixa descontado. Estamos falando de ativos cujo valor pode até ser depreciado, mas que a concessão obriga-se justamente ao contrário: que os investimentos nele feitos não somente sustentem o seu valor como mesmo o apreciem. A concessionária está obrigada a manter e valorizar o ativo recebido. Este princípio deve valer para barragens hidrelétricas, estradas de rodagem, aeroportos… telecomunicações.

Se, nos últimos 20 anos, os cabos de cobre de par trançados foram substituídos por fibra ótica, ótimo! As concessionárias apenas cumpriram com suas obrigações e esses cabos óticos (e tudo o mais) são agora parte do patrimônio da União, vale dizer, do povo brasileiro, ao qual serão devolvidos no final dos contratos.

Se o STFC, apesar dos pesares, está presente em todo o território nacional e os demais serviços não, isto se deve justamente às obrigações contratuais às quais as concessionárias se submeteram. Já uma operadora em “regime privado” não pode ser contratualmente obrigada a assumir esses compromissos. E se vier a isto ser obrigada, então anula-se, na sua própria lógica, o argumento que defende a extinção do “regime público”. Se é para impor condições contratuais dignas de “regime público”, para que transformar as concessionárias em autorizatárias?

Certamente, a razão é outra. Segundo se lê aqui ou ali, a verdadeira razão seria viabilizar a transferência do controle da Oi para outros investidores, uma vez desobrigada de continuar atendendo ao imenso Brasil pobre. Brasil este que, se já quase não tem acesso a dados nem imagem pela internet, corre agora o risco de ficar até sem voz…

* Marcos Dantas é professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ, doutor em Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ, membro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). E-mail: mdantas@inventhar.com.br.