Por Paulo Victor Melo[1]
Dado o papel desempenhado pela mídia hegemônica nas eleições presidenciais deste ano, a reeleição de Dilma Rousseff à presidência do Brasil simbolizou também uma derrota do oligopólio midiático nacional. Não faltaram situações que mostram como, durante toda a campanha eleitoral, os principais veículos de comunicação do país atuaram permanentemente e de forma articulada contra a candidata da situação.
Um primeiro exemplo: uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – intitulada Manchetômetro – que monitorou diariamente a cobertura das eleições 2014 nos impressos Folha de S. Paulo, O Globo e o Estado de São Paulo, e no telejornal Jornal Nacional, demonstrou que todo o conjunto da mídia privado-comercial fez a opção de se colocar contra a candidatura do governo. Na semana de 7 a 13 de setembro, por exemplo, apenas o Jornal Nacional veiculou 23 matérias contrárias a Dilma, enquanto apenas duas inserções negativas sobre Aécio Neves e uma sobre Marina Silva. Os próprios coordenadores do Manchetômetro, em artigo sobre a cobertura dos veículos das Organizações Globo, chegaram a conclusão que “tanto o Jornal Nacional quanto o periódico O Globo cobrem as eleições de maneira fortemente enviesada, dedicando um número desproporcional de matérias negativas à Dilma Rousseff e ao seu partido, o PT. Ao mesmo tempo, blindam os candidatos da oposição, limitando-se a noticiá-los de forma neutra”.
Como se não bastasse a constante campanha oposicionista da mídia durante os três meses de campanha eleitoral, na reta final do segundo turno (apenas dois dias antes das eleições), como uma última cartada, a Revista Veja estampou em sua capa (que teve a publicação adiantada em dois dias, cabe lembrar) uma suposta denúncia contra Dilma e Lula. Não demorou muito para vir a confirmação de que aquela edição da Veja tinha um objetivo certo: servir de panfleto contra Dilma Rousseff. O ministro Admar Gonzaga, do Tribunal Superior Eleitoral, que concedeu direito de resposta ao PT, em caráter de liminar, e proibiu a veiculação de publicidade da revista em rádio, televisão, outdoor e propaganda paga na internet, foi claro em sua sentença: “tendo em vista que a representada (revista Veja) antecipou em dois dias a publicidade da revista, entendo que a propagação da capa, ou do conteúdo em análise, poderá transformar a veiculação em verdadeiro panfletário de campanha, o que, a toda evidência, desborda do direito/dever de informação e da liberdade de expressão”.
Importante frisar que, longe de ser uma posição adotada exclusivamente durante a campanha eleitoral, a pesquisa Manchetômetro e a capa da Veja apenas confirmaram que a mídia hegemônica está seguindo o que disse a presidente da Associação Nacional de Jornais, Judith Brito, em artigo no O Globo de 18 de março de 2010: “…esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país”.
Mas, se Globo, Veja e todo o oligopólio da mídia saíram derrotados nas eleições deste ano, não se pode afirmar o mesmo durante os doze anos de governos do PT. Nesse período, um dos setores que não teve o seu status quo abalado foi justamente o das comunicações. Ministros alinhados aos radiodifusores (Hélio Costa) ou às operadoras de telecomunicações (Paulo Bernardo), manutenção da grande fatia do bolo das verbas de publicidade para as mesmas empresas (ainda que tenha ampliado a quantidade de veículos que as recebem, se comparado aos governos anteriores), ausência de uma política efetiva para a comunicação pública, perseguição às rádios comunitárias e pouco diálogo com o movimento pela democratização das comunicações foram a tônica dos quatro anos de governo Dilma e dos oito anos de Lula para o setor.
Nesse sentido, não seria espantoso acreditar que – mesmo com a experiência da recente campanha eleitoral – o próximo mandato de Dilma, que governará num cenário de crescimento da oposição (o resultado das urnas mostra isso) e de aumento do grau de conservadorismo do Congresso Nacional (com a presença ativa de deputados e senadores que controlam diretamente emissoras de radiodifusão), não levará a frente qualquer mudança estrutural num setor que, desde a promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações, em 1962, se modifica apenas aos interesses do mercado.
Porém algumas manifestações do PT e de Dilma, durante a campanha eleitoral e após a sua reeleição, sinalizam para a possibilidade do enfrentamento ao oligopólio da mídia ser uma realidade no governo que iniciará em janeiro de 2015. Lembremos: em dois debates entre os presidenciáveis, na Bandeirantes e na Record, Dilma defendeu a regulação econômica do setor; em uma das primeiras entrevistas como presidenta reeleita, no SBT, voltou a pautar o tema; no último programa eleitoral de TV, ao melhor estilo brizolista, Dilma respondeu incisivamente à Veja; e na primeira reunião da sua Direção Nacional após a vitória de sua candidata, o PT definiu a elaboração de um novo marco regulatório das comunicações como uma das prioridades do próximo mandato.
Otimismo? Pode ser. Mas se lembrarmos que a mesma Dilma, em 2010, afirmou que o único controle da mídia era o controle remoto, ouvir este ano as suas posições favoráveis à regulação econômica do setor e as suas críticas categóricas à postura da Veja, em redes nacionais de televisão, faz crer que está aberta uma nova janela de oportunidades para a necessária democratização das comunicações.
[1] Paulo Victor Melo, jornalista, mestre em Comunicação, militante do Intervozes e pesquisador do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe.