Por Anderson David Gomes dos Santos*
Atlético-PR e Coritiba estão fazendo a final do Campeonato Paranaense, mas sem transmissão em TV aberta, apenas pelos canais dos clubes no Facebook e no Youtube. Houve, para os jogos da primeira fase (veja o que escrevi sobre na Caros Amigos), muito texto que deu ode ao processo como indicativo de fim do “monopólio da Globo” sobre os eventos de futebol. Mas que “novo” modelo é esse?
Constituídos há 30 anos sob uma base que se estreitou para a dependência financeira, os direitos de transmissão dos clubes em torneios de futebol deveriam ser vendidos de acordo com a maior valorização de seu produto, podendo ser para um ou mais agentes, desde que com a garantia de visibilidade à marca do time e às que ele expõe. Nesses termos, diferentes decisões em favor da concorrência vêm se dando desde os anos 1990, quando se acirra a disputa pelo produto futebol televisionado no mundo, que partem da perspectiva de que ainda que o produto seja o campeonato como um todo, quanto mais e melhor receberem todos os clubes, melhor a competitividade nas partidas e mais emoção a ser “vendida” ao torcedor, que também é o telespectador, mercadoria audiência a ser negociada aos anunciantes pelos grupos midiáticos ou que adquire o produto diretamente se considerado o pay-per-view.
Assim, antes de qualquer discussão sobre o “fim do monopólio” global ou de endeusamento das ferramentas (privadas) de Internet, entender que as ferramentas digitais podem ser mais um nicho a ser explorado, e não apenas vender num pacote global é a principal mudança que a decisão da dupla Atletiba representa. Vale citar que do Termo de Cessação de Conduta sobre a venda de direitos de transmissão de eventos de futebol no Brasil, de 2010, o Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE) deixou claro que os clubes têm autonomia de vender seus direitos de imagem de forma isolada e não em associação/federação, se assim o quiserem, desde que os contratos sejam separados por meio de comunicação. Então nada impede que deixem a internet para acordos mais promissores – inclusive, os acordos de alguns clubes na TV fechada com o Esporte Interativo, a partir de 2019, não devem impedir que a Rede Globo fique com os direitos na transmissão gratuita. Trata-se, portanto, de algo que beneficia os clubes enquanto agentes de mercado em competição, não necessariamente no que se refere ao processo de democratização da comunicação. Perceba-se que em nenhum momento os presidentes dos clubes usam a palavra “acesso” ao conteúdo como motivo.
No caso paranaense, se o Grupo Globo oferecesse o valor pretendido só aos dois times – e não ao Paraná, que se beneficiou por ter sido o único grande paranaense com acordo com a RPCTV, tendo mais jogos transmitidos em TV aberta –, não haveria qualquer preocupação em enfrentá-lo. Isso ocorreu por ter sido um dos poucos estaduais desvalorizado por afiliada da Globo e pelas mudanças, graças ao SporTV, da divisão de cotas para a Primeira Liga, que fez os times paranaenses saírem do torneio no início do ano ao reproduzirem o modelo do Campeonato Brasileiro, beneficiando especialmente o Flamengo. Ainda que neste caso ambos tenham assinado acordo em TV fechada para o Campeonato Brasileiro a partir de 2019 com os canais Esporte Interativo/Turner – que emprestaram uma equipe de narração para as finais do Paranaense -, o objetivo é financeiro e de maior número de jogos transmitidos.
Há ainda outra ponderação necessária. Os clubes podem usar esse filão para vender seus jogos a partir de outras temporadas, modelo que já existe na internet, tanto por serviços próprios quanto pelos canais no Youtube – que lançou este ano sua “versão Netflix” nos Estados Unidos, em parceria com importantes grupos de radiodifusão para retransmiti-los em tempo real. Podemos citar a Copa do Rei (Espanha) e a Copa América de 2015, que o Youtube exibia desde que se comprasse os jogos e/ou torneios completos para se ver por streaming – no caso da segunda, a opção era bloqueada para o Brasil, dado que o Grupo Globo compra o pacote todo de direitos, incluindo a internet. Vale lembrar ainda que o modelo de transmissão no Facebook, primeira transmissão de futebol nesta mídia no mundo, foi um dos pilares de base para o Esporte Interativo criar seu serviço de streaming, o EI Plus.
Como o supracitado caso do Esporte Interativo aponta, transmitir na internet não é inédito no Brasil. O próprio E+I vem disponibilizando no Youtube só o áudio de jogos de quem assinou contrato com ele como uma forma de propaganda – vide Santos 1X2 Palmeiras no Paulistão deste ano e do clássico Bavi do Nordestão, que ocorreu no último domingo. Algumas TVs de federações reproduzem os jogos não exibidos na TV aberta dos Estaduais nestes canais, casos da Federação Alagoana de Futebol, desde o ano passado – que também exibiu no final de semana o primeiro jogo da final do Alagoano, mesmo com transmissão da afiliada da Globo, com quase 20 mil visualizações –, e da Federação Paulista de Futebol, na Copinha e das divisões inferiores. Além de ocorrerem transmissões de partidas de base e de jogos-treino nos canais de Youtube de clubes como Palmeiras e São Paulo. Nestes casos, trata-se de mais um elemento de divulgação, para além de placas publicitárias e camisas (incluindo a da arbitragem para os Estaduais), para se arranjar patrocinadores ao torneio e para expor a marca nos clubes.
O último Atletiba teve ainda mais audiência que o primeiro. Os canais de Facebook de Atlético e Coritiba tiveram, respectivamente, 612 mil e 444 mil visualizações; enquanto no Facebook o número foi de 310 mil e 239,5 mil, o que representa um total de mais de 1,5 milhão de visualizações, com amplitude de divulgação para além do Paraná. Além disso, representa politicamente uma tentativa de ser protagonista também frente à Federação Paranaense, um dos grandes problemas persistentes dos clubes de futebol no Brasil. Ambos tentam lucrar (incluindo aí as placas em torno do gramado) mais do que os supostos R$ 2 milhões que seriam pagos pelos direitos de transmissão do torneio por inteiro apenas com os dois jogos das finais.
De toda forma, sempre é importante ressaltar que são os direitos de transmissão de eventos esportivos que vêm propiciando ampla discussão sobre a estrutura do mercado comunicacional brasileiro, especialmente nos últimos 10 anos. Cada caso que aparece expõe para um público ainda maior as deficiências de devida regulação neste setor econômico e o quanto isto pode prejudicar um conjunto maior de pessoas, incluindo aí a própria expansão da mercantilização sobre o futebol. Cabe aos clubes entenderem seu protagonismo neste processo. Atlético e Coritiba estão dando passos quanto a isso.
* Anderson David Gomes dos Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), jornalista graduado em Comunicação Social pela UFAL e mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, membro do grupo de pesquisa OBSCOM/CEPOS.