A Globo não sufocará, mais uma vez, a realização de eleições diretas

Por Helena Martins* (publicado originalmente no site da Insurgência)

Valendo-se do poder de quem participou ativamente da arquitetura do golpe que levou Michel Temer à Presidência da República, o Grupo Globo entrou em campanha e cobra publicamente a saída de Temer do cargo. A efetivação de eleições indiretas está sendo apresentada em diversas reportagens como “solução” para a crise política e foi abertamente defendida por meio de editorial do jornal O Globo desta sexta-feira, 19.

A mudança é apresentada como forma de garantir as condições políticas para que sejam efetivadas as reformas que atentam contra direitos essenciais da classe trabalhadora brasileira. O texto não poderia ser mais nítido: “Este jornal apoiou desde o primeiro instante o projeto reformista do presidente Michel Temer. Acreditou e acredita que, mais do que dele, o projeto é dos brasileiros, porque somente ele fará o Brasil encontrar o caminho do crescimento, fundamental para o bem-estar de todos os brasileiros. […] Nenhum cidadão, cônscio das obrigações da cidadania, pode deixar de reconhecer que o presidente perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para continuar governando o Brasil. […] Quanto mais rapidamente esse novo governo estiver instalado, de acordo com o que determina a Constituição, tanto melhor”. (https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial-renuncia-do-presidente-21365443#ixzz4hZlC1REc)

A postura é semelhante àquela adotada há mais de trinta anos, quando a mesma Globo boicotou a campanha “Diretas já”. À época, a emissora evitou cobrir as mobilizações que vinham ocorrendo em todo o País em defesa de eleições diretas. A própria empresa reconhece a postura política então adotada: “A Globo registrou esses comícios pelas Diretas nos seus telejornais locais. Naquele primeiro momento, as manifestações não entraram nos noticiários de rede por decisão de Roberto Marinho. O presidente das Organizações Globo temia que uma ampla cobertura da televisão pudesse se tornar um fator de inquietação nacional”, diz o texto disponível no portal Memória Globo (http://memoriaglobo.globo.com/erros/diretas-ja.htm). Como os que viveram aquele período devem lembrar bem, o Jornal Nacional chegou ao ponto de noticiar o grande comício de 25 de janeiro de 1984 como se fosse uma comemoração do aniversário de São Paulo. O resultado nós conhecemos: a eleição indireta de Tancredo Neves, continuidade da saída controlada e conservadora da Ditadura Miliar.

Recentemente, em especial que marcou a passagem dos 50 anos de jornalismo da emissora, o caso foi tratado na TV pela primeira vez “como um erro”. “Essa reportagem provocou muita polêmica ao longo de muitos anos porque, embora ela falasse do comício das Diretas, o texto que introduzia a reportagem, lido pelo apresentador na época, não falava em comício pelas Diretas”, disse William Bonner no programa. O jornalista acrescentou: “Isso aí foi visto durante muitos anos como uma tentativa da Globo de esconder as Diretas e, obviamente, depois de muitos anos também, foi reconhecido como um erro”. “Obviamente” a empresa tentou simplificar o caso e seus impactos para a democracia brasileira. O uso da expressão “foi visto” e a abordagem rápida do problema no especial ilustram isso.

Mais uma vez, o principal conglomerado midiático brasileiro atua para definir os rumos do País por cima, por meio de conchavos entre os integrantes da elite econômico-política. Não se trata de um apego às regras constitucionais, aliás tão desconsideradas pela própria Globo em relação ao que a Carta Magna estabelece sobre a organização do sistema de comunicação, ao próprio impeachment e às reformas que têm sido efetivadas, a exemplo da inconstitucional PEC 241/55, que fixou teto para gastos públicos em áreas essenciais e que foi ardorosamente defendida pela mídia. Trata-se de excluir a população das decisões e negar a ela o legítimo direito de exercer a sua soberania.

Agora, é a vez de fazermos justiça com o passado e garantirmos a saída de Temer e mudanças imediatas no carcomido sistema político, por meio de eleições diretas para presidente, deputados e senadores. Esse é um passo fundamental para a revogação das medidas aprovadas contra a vontade da imensa parte da população, como atestam todas as pesquisas realizadas no último período. Para isso, é preciso manter a ocupação das ruas e garantir, por meio do trabalho de base e da comunicação contra-hegemônica, que a população saiba que outros caminhos podem ser seguidos.

É tempo de insurgência!

* Helena Martins é jornalista, Jornalista, doutoranda em Comunicação Social, integrante do Intervozes e militante da Insurgência.