Entrevista com César Bolaño, novo presidente da ULEPICC-br

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Por Carlos Figueiredo

Uma nova chapa foi eleita para comandar o capítulo brasileiro da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Brasil). A eleição aconteceu durante o sexto encontro nacional do capítulo brasileiro, em 10 de novembro, em Brasília.

O novo presidente da ULEPICC-Brasil é o professor César Bolaño. Um dos pioneiro dos estudos de Economia Política da Comunicação no Brasil, Bolaño é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), do Núcleo de Pós-Graduação em Economia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma universidade.

Nessa entrevista, Bolaño discorre sobre temas como o papel da Economia Política da Comunicação (EPC) e da ULEPICC diante da crise política em que o Brasil está mergulhado, a inserção da EPC dentro do campo da comunicação e sobre o futuro da entidade e deste eixo teórico-metodológico.

Diante da crise em que o país se encontra qual o papel que uma escola teórica como a EPC e uma entidade como a ULEPICC devem desempenhar?

Eu acho que na situação em que vivemos hoje, o campo da comunicação, tanto acadêmico como profissional, está no primeiro plano das discussões políticas. Seja pelo fato de a grande mídia ter um poder muito grande de influência sobre a opinião pública seja pelo fato de que se tratam de empresas oligopolistas. Nesse quadro, qualquer perspectiva de democratização do país passa pela democratização da comunicação. A Economia Política da Comunicação é representante do pensamento crítico no campo. O grande significado da EPC, mas evidentemente não apenas da EPC, como também do conjunto do pensamento crítico no campo da comunicação; é que nós temos o conhecimento dessa realidade de falta de democratização, que talvez em outras disciplinas não se tenha, porque esse é nosso objeto de pesquisa.

Com relação à ULEPICC, trata-se efetivamente de uma organização desse subcampo que tem atuado fortemente no campo acadêmico da comunicação, e inclusive construindo pontes com os movimentos pela democratização da comunicação, de comunicação popular e alternativa, representantes do Comitê Gestor da Internet etc. É um setor dos estudos em comunicação com legitimidade para intervir na ordem política e questionar a hegemonia tal como ela se construiu no país.

Qual a importância de uma associação como a ULEPICC dentro do campo da comunicação?

Eu acho que o campo da comunicação é um campo muito diverso, e dentro dessa diversidade existe amplos setores do pensamento positivista ou pós-modernista etc. O campo da EPC se desenvolveu no interior do campo da comunicação recuperando criticamente importantes tradições teóricas e históricas do Brasil e da América Latina. Significa o avanço de um paradigma crítico no interior do pensamento comunicacional. Acho que esse que é o elemento central da nossa eventual contribuição para a comunicação.

Como você encara a situação dos estudos de Economia Política da Comunicação no país e qual o papel que a ULEPICC-Br deve desempenhar para fortalecê-los?

O campo cresceu muito. E eu, como acabei sendo um dos pesquisadores que acabaram ajudando a formar os grupos e as discussões que definiram o que é o campo Economia Política da Comunicação no Brasil, posso dizer que houve um crescimento significativo. Esse crescimento ele se deve também ao fato de que nós encaramos a EPC de maneira bastante aberta como um tipo de perspectiva teórica no interior do campo crítico que inclui outras perspectivas. Nós chegamos a um ponto em que há grupos de pesquisadores no país todo que reivindicam essa denominação.

Eu penso que a função da ULEPICC-Br é, preservando essa abertura que é uma característica da escola brasileira, tentar fortalecer as articulações entre esses grupos e mostrar o sentido do desenvolvimento dessa disciplina, e qual seriam, evidentemente, os paradigmas, as perspectivas epistemológicas que vão dar maior organicidade ao campo.

A ULEPICC-Br pretende estabelecer diálogo ou pontos de contato com outros ramos teóricos dentro do campo da comunicação? Como fazê-lo?

A gente vem desenvolvendo esse movimento no Brasil há muito tempo. Na verdade, o próprio fato de a gente ter desenvolvido a nossa organização dentro do campo da comunicação já mostra que a gente tem uma certa abertura pra isso. Mas a gente tem feito esse diálogo não apenas dentro da ULEPICC Brasil, mas dos grupos de economia política da Intercom que é vinculado e da Alaic.

Temos estabelecido diálogos com importantes setores e grupos do pensamento comunicacional. Há contato com os estudos de rádio, passando pelo de jornalismo, estudos culturais etc. A gente tem buscado muito esse diálogo interno, e procurado também o diálogo para fora da comunicação. Já estivemos na Alas (Associação Latino-Americana de Sociologia) e na SEP (Sociedade de Economia Política), por exemplo. Temos procurado apresentar a Economia Política como um paradigma mais geral, e a Economia Política da Comunicação como um elemento capaz de fomentar esse tipo de diálogo. Embora se trate de um entre outros paradigmas do campo da comunicação, como está muito vinculado a um paradigma mais geral do materialismo histórico, essa interdisciplinaridade é um favorecida.

Já do ponto de vista institucional, nosso diálogo é aberto com todo mundo. Nós somos parte da Socicom, e temos contatos com outras entidades do gênero nos âmbitos nacional e internacional. O que nós pretendemos fazer nesse momento é dinamizar esse processo. A nossa chapa tem por objetivo dinamizar esses processos, procurar relações institucionais mais constantes e trabalhar no sentido da internacionalização da ULEPICC Brasil.

A ULEPICC é uma entidade internacional que conta com três capítulos: o brasileiro, o moçambicano e o espanhol. Como anda a relação entre os capítulos? O que a sua chapa propõe para fortalecer esses laços entre grupos distintos?

A ULEPICC nasceu como uma entidade internacional. Eu fui seu primeiro presidente, e acompanhei desde início a sua criação com dois seminários que nós realizamos, um em Buenos Aires e outro em Brasília, onde foi combinada a organização do o terceiro, em Sevilla. Nesse terceiro seminário, a ULEPICC foi constituída como associação internacional. Depois disso, pensou-se na necessidade de serem criados capítulos nacionais. Hoje, nós temos três: Brasil, Espanha e Moçambique, que é muito pouco ativo e do qual quase não temos notícias.

Na verdade, existem os capítulos brasileiro e espanhol ativos, e há uma instância chamada federação que deveria ser a articulação de um conjunto maior. Entretanto, acaba sendo um terceiro elemento que está sediado na Espanha faz muitos anos com presidentes espanhóis ou sediados na Espanha. Então, eu diria que hoje há uma espécie de desbalanceamento. De um lado, um capítulo espanhol e uma federação muito próxima desse capítulo e, por outro lado, um capítulo brasileiro que pode se considerar legitimamente, como tem sido historicamente um elemento dinâmico dentro da América Latina.

Nós tivemos um papel importante na América Latina, desde a fundação da ULEPICC. Em uma época em que existiam apenas os grupos de Economia Política da Comunicação da Intercom e da Alaic. Desempenhamos um papel chave na organização do campo latino-americano e a nossa pretensão hoje é resgatar esse vanguardismo que do campo brasileiro, considerando-se como parte do campo latino-americano.

Já na África, nós estamos fazendo esse movimento de reaproximação. A criação do capítulo moçambicano foi obra de um seminário organizado por mim e pelo Professor Valério Brittos, coordenado pelo próprio Valério na época, em Moçambique. Assim, foi criado o capítulo. Inclusive, o presidente do capítulo, João Miguel, foi orientando de Valério, e hoje faz parte do nosso grupo de pesquisa.

Eu tenho a preocupação de retomar esse diálogo com a África. Isso ainda não está posto como projeto específico porque nós acabamos de nos eleger, mas nós estamos organizando o seminário do Observatório de Economia e Comunicação da UFS (Obscom) de 2017 com o tema africanidades, e teremos a presença de representantes africanos. Vamos aproveitar para retomar essa discussão que, em um certo momento, ficou parada.

A EPC é um ramo crítico, menor, em termos quantitativos, que outros ramos de estudos dentro da comunicação. Existem grupos menores, em quantidade de pesquisadores, espalhados pelo país. Como acolher esses grupos?

O problema da Economia Política da Comunicação é que ela praticamente não é considerada como uma disciplina dentro do campo. Você quase não tem, dentro dos cursos de graduação e pós-graduação do Brasil e de outros países também, a disciplina Economia Política da Comunicação. Inclusive, grupos que não são Economia Política, mas que estão na origem do nosso pensamento crítico como a Teoria da Dependência, são muito pouco vistos no campo da comunicação. O campo da comunicação se volta para uma outra coisa.

Logo, é natural que os grupos de Economia Política da Comunicação sejam relativamente pequenos em relação a outros quando você compara com, por exemplo, o campo de Estudos do Jornalismo. O Jornalismo é uma carreira, e conta com número de grande de pesquisadores. Assim como Publicidade, Cinema etc. O nosso caso é um enfoque que está legitimado dentro campo comunicacional com raízes antigas. Inclusive, dentro do campo internacional da comunicação. Entretanto, é uma perspectiva que está limitada em relação ao número de alunos e de pesquisadores. Ainda assim, é um campo que tem crescido muito.

Eu poderia dizer que nós enfrentamos uma situação parecida com os Estudos Culturais. Apesar de que os Estudos Culturais têm muito maior penetração porque no campo da comunicação as metodologias ligadas à antropologia e aos Estudos Culturais tiveram maior consolidação. Também porque na América Latina, os estudos de recepção, de telenovelas etc. acabaram ganhando relevância muito grande. No entanto, a Economia Política tem crescido em função do impasse que os Estudos Culturais e de Recepção acabaram chegando. Eu acredito que a questão da crise global e internacional favorece a procura de um grupo bem situado teoricamente como é o nosso.

Em relação aos grupos espelhados pelo país, podemos dizer que esses grupos novos que vão surgindo já são consequência do nosso trabalho. O grupo do Piauí, por exemplo, é um grupo já bastante conhecido. Quem iniciou os estudos de EPC naquele estado foi a Jacqueline Dourado, que foi orientanda do Valério Brittos e que criou um foco de estudos de Economia Política. Em Alagoas, aconteceu algo parecido, um grupo de estudantes que procurou a mim e ao professor Valério, e a partir daí começou a se organizar. Você tem no Brasil todo grupos desse tipo. E são esse grupos que nós articulamos e pretendemos articular de forma mais intensa.

Essas pessoas participam frequentemente, em eventos nacionais e internacionais, dos grupos de Economia Política da Comunicação. Nós temos gente hoje em São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí, Alagoas, Pernambuco. No Brasil todo há grupos interessados em discutir a questão da Economia Política. Se você somar com os pesquisadores que são da área de Políticas da Comunicação, vai ver que existe uma interlocução muito grande. Muitos pesquisadores dessa área que acabam se inserindo na área de Economia Política da Comunicação. Eu concordo que são pequenos grupos, mas, ainda assim, são grupos de pesquisa extremamente produtivos.